domingo, 26 de dezembro de 2004

Wangari Maathai


Propositadamente, não escrevi sobre este tema no mês passado. Como toda a gente sabe, uma notícia só fica na memória das pessoas durante, para aí, uma semana. Dada a enorme quantidade de informação que circula pelo éter é impossível ter memória suficiente para mais do que esse período. A única forma de garantir que um determinado tema se mantém na agenda durante mais tempo é relembrá-lo mais tarde. Sendo assim, aqui estou eu a dar a notícia em enésima mão: o prémio Nobel da paz foi atribuído este ano a uma ambientalista! É um prémio original por diversas razões, entre elas, por ser atribuído a uma mulher africana! É comum nos prémios Nobel, mas falha algumas vezes e por isso tem de ser referido: este prémio foi merecido.
Wangari Maathai é o nome da investigadora, ambientalista e activista social a quem foi atribuído o prémio Nobel da paz em 2004. O trabalho da laureada foi mais além do que a simples protecção do ambiente existente, ela fortaleceu o desenvolvimento ambientalmente sustentável através de organizações como o Green Belt Movement. Este movimento é responsável, por exemplo, pela plantação de 30 milhões de árvores, utilizando métodos que estão neste momento a servir de base para outras iniciativas. A ligação entre a política, o cidadão (e a família) e o ambiente, tão simples e, no entanto, tantas vezes ignorada, tem sido o alicerce do seu sucesso. Entre os métodos utilizados contam-se a educação, o planeamento familiar, a alimentação e a luta contra a corrupção. “Ela representa um exemplo e uma fonte de inspiração para toda a gente que, em África, luta pelo desenvolvimento sustentável, pela democracia e pela paz”.
Não deve ser nada fácil para uma mulher africana, mas Wangari Maathai é Licenciada e Mestre em Veterinária, conseguiu obter o grau de Doutora (a primeira no Centro e Este de África), é Directora de um Departamento Universitário (a primeira no seu país), é Deputada e é a Ministra do Ambiente, Recursos Naturais e Vida Selvagem do Quénia. A título de curiosidade refira-se que o seu marido, com quem teve três filhos, divorciou-se dela, nos anos 80, com a argumentação que de que Wangari Maathai era “demasiado educada, demasiado forte, tinha demasiado sucesso, era demasiado teimosa e demasiado difícil de controlar”, em resumo, um exemplo para todos nós.
Talvez, tão importante como o próprio prémio foi a argumentação, cuja leitura se aconselha entusiasticamente (em: http://nobelprize.org/peace/laureates/2004/press.html), que começa pela importante frase: “A paz na Terra depende da nossa habilidade para assegurar um ambiente saudável”. Fica assim reconhecido que para se alcançar a paz é necessário existir um meio ambiente saudável e que, por outro lado, caso este não exista estaremos a meio caminho para a hostilidade.
Inspirado por este prémio, resolvi dar uma olhada nos prémios e motivos das atribuições anteriores. Claro que o nosso destaque vai para D. Ximenes Bello e Ramos Horta, mas a galeria de laureados inclui enormes personalidades do nosso tempo como Martin Luther King, Jimmy Carter, Koffi Anan, Madre Teresa de Calcutá, Nelson Mandela, Fredrik de Klerk, Mikhail Gorbatchev, Tenzin Gyatso (mais conhecido por Dalai Lama), Desmond Tutu, Andrei Shakarov ou Albert Schweitzer. Este prémio já foi atribuído a diversas instituições de mérito como as Nações Unidas, a Cruz Vermelha Internacional ou os Médicos sem Fronteiras. Na minha opinião, a Comissão Nobel cometeu enormes “gaffes”. Entre esses erros, o que me parece mais escandaloso foi a atribuição do prémio a Henry Kissinger...
Espero que este prémio não iniba o avanço da ideia de atribuir o prémio Nobel da Paz de 2005 a mil mulheres. Poderá encontrar mais detalhes sobre este interessantíssimo projecto emhttp://www.1000peacewomen.org/. Nele é enfatizada a ideia que por trás de cada conflito, de cada problema e de cada solução, estão mulheres de enorme coragem, inteligência e imaginação que, por vivermos num mundo eminentemente masculino, acabam por não ter o protagonismo e reconhecimento que merecem. Tal como para todas as mulheres e homens deste planeta que lutam pelo bem e pela justiça, desejo as melhores felicidades para este projecto.

Publicado na coluna "Casa-Alugada" da Revista Mundo Submerso

terça-feira, 21 de dezembro de 2004

As Lulas

O primeiro artigo científico do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores foi publicado por Helen Rost Martins em 1982. Este trabalho tinha por título Biological studies of the exploited stock of Loligo forbesi (Mollusca: Cephalopoda) in the Azores, ou seja, estudos sobre a biologia do manancial explorado de lulas nos Açores. Foi publicado na revista internacional Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom e tem vários méritos. O primeiro é, obviamente, ter colocado o DOP entre os seus pares internacionais, gerando o reconhecimento pelo bom trabalho que aqui se fazia. Evidentemente que numa perspectiva institucional e de estratégia a longo-prazo isto é deveras importante. Provavelmente este artigo ficará mais conhecido por isso do que pela sua verdadeira razão de existir: “as lulas”.

Nos Açores existem dezenas de espécies de lulas. Infelizmente, apenas uma reúne o conjunto de condições necessárias para ser explorável. Trata-se da lula-mansa ou Loligo forbesi em nomenclatura científica. As outras espécies ou vivem demasiado fundo, ou não são apropriadas para a alimentação humana, ou possuem uma viscosidade tão baixa que não podem ser capturadas por qualquer método de pesca (têm uma consistência parecida com a gelatina) ou não se agregam em densidades que justifiquem o esforço económico de as explorar. Este conjunto de razões faz com que a única espécie interessante para a pesca dos Açores seja também a única que não faz parte da dieta dos grandes cetáceos, como os cachalotes. E assim cai por terra um dos argumentos utilizados para justificar o regresso à caça do cachalote: a competição entre os humanos e os cetáceos. É que não há qualquer interferência entre a dieta destes grandes cetáceos e as espécies alvo dos pescadores, incluindo as lulas. De acordo com os trabalhos de Malcolm Clarke, Helen Martins e outros, os cachalotes alimentam-se de, pelo menos, 40 espécies cefalópodes (lulas e polvos), mas de espécies que estão bem longe dos olhares ou interesses humanos, como seja a Architeuthis, a famosa lula-gigante, que vive a mil metros de profundidade e pode atingir cerca de duas dezenas de metros de comprimento, ou o Haliphron atlanticus, polvo-gelatinoso, cujo o nome comum diz tudo em relação à sua consistência.

A lula-mansa, aquela que é explorada pelos pescadores dos Açores, tem um manancial extremamente dinâmico, ou seja, as quantidades disponíveis para a pesca aumentam e diminuem de uma forma radical de ano para ano. Em certos anos as lulas foram dos recursos mais importantes nas descargas dos Açores, mas, em outras épocas existem em número tão reduzido que nem se justifica a saída para o mar. Este facto exaspera os pescadores. A pesca é já de si uma actividade com enormes variações de acordo com factores independentes do pescador como sejam as condições meteorológicas, as correntes ou a sorte. No caso das lulas estes factores aleatórios são ainda mais importantes porque a própria quantidade de lulas é extraordinariamente variável de acordo com diversos factores oceanográficos. Isto acontece porque as lulas só têm um ciclo reprodutor (depois de se reproduzirem uma vez, morrem) ou, dito de outra forma, “os filhos nunca encontram os pais”. Num ano em que o recrutamento falha compromete-se toda a população mesmo para os anos subsequentes.

No DOP tentaram-se fazer previsões dos mananciais, de acordo com os factores oceanográficos conhecidos, mas os resultados não se mostraram suficientemente robustos. De facto, ainda não sabemos prever se 2005 será um bom ano de lulas, ou não. Temos que estudar mais. Poderá também haver uma interacção entre as espécies exploradas e as não exploradas que ainda não descortinámos. Esta mistura entre a procura e a frustração de ainda não ter encontrado a resposta é também motivadora e aumenta o nosso empenho.

Durante algum tempo no DOP mantivemos lulas em cativeiro. Estes animais serviram para efectuar diversas experiências que se traduziram em cerca de uma dezena de artigos científicos. Para além da utilidade para o próprio avançar do conhecimento relativo a esta espécie, pudemos constatar que se tratam, de facto, de animais extremamente sensíveis. Quando, involuntariamente, se variava a temperatura ou se aumentava a salinidade era certo que as lulas tinham um comportamento completamente diferente, causando mesmo, por vezes, baixas. Por outro lado, pudemos compreender, entre outras coisas, como estes animais são capazes de se orientar no escuro quase absoluto, como capturam as suas presas e como comunicam entre si (trabalhos conduzidos por Filipe Porteiro, João Gonçalves e outros colegas).

Longe de estar terminado, o estudo das lulas dos Açores ainda vai a meio. Ao contrário de outros anos, neste momento não há financiamentos substanciais para o estudo deste grupo de animais. Por essa razão não se podem esperar resultados para breve, mas, com a velocidade que os nossos recursos nos permitem, iremos continuar a tentar compreender o maravilhoso mundo das lulas.

sexta-feira, 26 de novembro de 2004

Trópicos Açoreanos


Quando entramos dentro de água, numa área onde já mergulhámos dezenas de vezes, e algo que não encaixa no quotidiano local, significa que qualquer coisa está mal. Se consultarmos os Manuais de mergulho eles dirão: “suba, respire fundo e decida sobre a continuação ou não do mergulho. Caso tenha dúvidas, aborte a imersão.” Absolutamente de acordo. Mas naquele dia, em que mergulhava no local conhecido pelo nome de código como “Secret Spot - Faial B”, e em que pela primeira vez utilizava ar enriquecido em oxigénio, achei que não; algo estava mal, mas resolvi não subir. Insisti em tentar perceber o que não encaixava. Rodei o corpo 360º em busca da incoerência. Passados alguns segundos, lá estava. Tinha à minha frente um peixe estritamente tropical. Sinal de alarme! Um peixe tropical nos mares dos Açores!! Agora o manual estava ao rubro: “suba”! “SUBA!” A pressão parcial do Oxigénio estava certamente a fazer das suas. Estupidamente, insisti novamente, tinha de identificar a espécie. Olhei com mais cuidado. Corpo espalmado, com forma quase quadrangular, branco, lista preta à frente, lista preta atrás. Chaetodon sedentarius! Estava na frente de um verdadeiro Chaetodon sedentarius de nome comum peixe-borboleta-dos-recifes. Esbracejei em direcção aos meus colegas de mergulho, tentando chamar-lhes a atenção para a minha descoberta (ou loucura...). Ninguém me ligou. Nadei até ao colega mais próximo, toquei-lhe no braço, apontei para o peixe... mas... o peixe já se tinha escondido. Verme! Como é possível? Nadei novamente na direcção onde o tinha visto pela última vez, esperei um pouco e lá estava ele. Olhei para os meus colegas, mas já estavam todos embevecidos com as curiosidades reconhecidas deste secret spot. Desesperei... Devia estar, definitivamente, a ter uma alucinação. Estava no momento de subir e cumprir as regras de segurança descritas no Manual. “Se algo não parece bem é porque está mal”, recordei. Entristecido, recusei olhar mais na direcção daquela ilusão óptica. Arrumei a máquina fotográfica, e dirigi-me para o cabo de mergulho. Quando estava a ir nessa direcção, notei alguma agitação. Voltei-me. Para meu espanto todos os meus colegas esbracejavam na minha direcção, “saltando” de excitação, pela “descoberta” do MEU Chaetodon sedentarius. O lado positivo é que não estava intoxicado pelo Oxigénio, nem pelo Azoto, e, estava mesmo um peixe-borboleta a passear-se pelas águas do Faial. Aproveitei o encurralar fornecido pelos meus colegas e tirei uma ou duas fotos.
Não é a primeira vez que este peixe é avistado nos Açores. No final dos anos 90, perto do Redondo da Doca da Horta, já o Jorge Fontes tinha registado esta ocorrência. Nesse período, hordas de mergulhadores revezaram-se para ver o animal até que este, provavelmente farto de não ter privacidade, desapareceu. Agora, vários anos depois, temos um novo exemplar. Será para ficar? Como cá chegou? Será o primeiro de uma nova população? A sua aparição estará relacionada com as mudanças globais ou terá sido um iatista oriundo da República Dominicana que resolveu mudar a água do aquário? É tão bom ser biólogo marinho! Temos sempre imensos enigmas para resolver, basta ir para dentro de água.
Publicado na coluna "Casa-Alugada" da Revista Mundo Submerso

quarta-feira, 10 de novembro de 2004

As Lapas

Sendo um dos “frutos do mar” mais apreciados nos Açores, as lapas merecem uma atenção especial por parte de quem estuda os mares do Arquipélago. Embora não seja especificamente a minha área, não enjeito entrar nas discussões sobre a gestão deste precioso alimento. Por essa razão, aqui ficam um conjunto de factos, salpicados por umas tantas opiniões, para informar o público e fomentar uma melhor gestão.

As lapas são duas espécies de animais gastrópodes (moluscos com uma concha), como os caracóis e búzios, as Patella aspera e Patella candei; sendo a primeira conhecida por lapa-brava e a segunda por lapa-mansa. A meio dos anos 80 a exploração de lapas cresceu descontroladamente até níveis insustentáveis. Ou seja, a exploração ultrapassou largamente o nível em que as lapas restantes conseguem repor os mananciais (stocks) anteriores. Mais precisamente, em certas zonas já não havia indivíduos suficientes para se reproduzirem em quantidades que garantissem a manutenção da população. Estando as populações a regredir e, em certas zonas, a extinguir-se tornou-se absolutamente necessário criar legislação que protegesse estas duas espécies.

O Governo Regional apoiou-se na informação científica existente e mandou publicar um conjunto de regras de grande qualidade (Decreto Regulamentar Regional Nº 14/1993/A de 31 de Julho, Portaria n.º 43/93 de 2 de Setembro e Declaração de Rectificação n.º 182/93 de 30 de Setembro). Estas regras não são perfeitas, por razões que explicarei adiante, mas são muito boas. Basicamente, a lei refere que é possível apanhar lapas com as seguintes condicionantes: 1- apenas se capturem lapas durante o período autorizado (com início em 1 de Junho e terminando (ou “fim”) em 30 de Setembro), 2- não se capturem dentro das áreas protegidas (há diversas áreas para cada ilha), 3- não se apanhem indivíduos pequenos (com comprimentos de carapaça inferiores a 5 cm para as lapas-bravas e 3 cm para as lapas-mansas), 4- apenas os apanhadores autorizados (com licença oficial emitida pela Direcção Regional das Pescas) podem apanhar lapas durante todo o período de exploração. Esta última condicionante tem uma excepção que é a captura dita “sem fins comerciais”. Neste caso é possível apanhar um quilo de lapas, por pessoa, aos Sábados, Domingos e feriados, apenas na zona entre-marés (ou seja, neste caso, não se podem apanhar lapas de mergulho) e, claro está, com as limitações impostas pelos pontos 1 a 3. Evidentemente, um quilo é um número muito baixo; ninguém espera que um apanhador vá para a rocha para apanhar apenas um quilo de lapas... Mas o espírito está correcto: as capturas sem fins comerciais devem ser efectuadas em baixas quantidades.

Os principais trabalhos científicos que estiveram subjacentes à legislação foram publicados por Ricardo Serrão Santos, Gui Menezes entre outros. Estes investigadores fizeram pesquisas detalhadas sobre a estratégia da conservação marinha nos Açores, os primeiros, e sobre a biologia das lapas, o segundo. Mais recentemente, estes trabalhos têm tido a colaboração de Rogério Ferraz e Gilberto Carreira. Isto representa um esforço do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores que se iniciou no início dos anos oitenta e se prolonga até ao momento. São mais de vinte anos de experiência que permitem a esta instituição saber detalhadamente o que se passa com as lapas. E o que se passa hoje em dia é relativamente simples: a exploração continua a ser demasiado elevada para os mananciais existentes. Este facto tem mantido as lapas em níveis populacionais muitíssimo baixos, inibindo uma eficiente exploração dos mares e um funcionamento regular dos ecossistemas. Seria demasiado extenso explicar quais os motivos e as implicações de uma desregulação do ecossistema, apenas para terem uma ideia dos resultados possíveis, relembro a célebre “doença das lapas”.

“Então?!” – o leitor perguntar-se-á – “se o trabalho científico é bom e a lei é boa, o que está a falhar?” Aqui é que se entra no campo da opinião. Quanto a mim, o que falha é a fiscalização e a intervenção ao nível do mercado. É demasiado tentador para um apanhador profissional (licenciado) desrespeitar a legislação, quando os valores pagos por estes gastrópodes são tão elevados. Seria necessário efectivar a fiscalização ao nível da apanha (que não existe), mas também intervir ao nível do mercado, restringindo a venda, pelo menos, durante o período de defeso. Houve algumas tentativas, mas tão tímidas que os resultados continuam a beneficiar em larga escala o infractor.

Um restaurante em São Miguel resolveu tomar a iniciativa e proteger algumas das espécies em perigo. No cardápio de um restaurante em São Miguel pode ler-se que “este restaurante não serve lapas por estas se encontrarem em perigo de extinção”. Mais atitudes destas houvesse e muito melhor estaria o ambiente marinhos dos Açores.

quarta-feira, 27 de outubro de 2004

A Boa Onda

Naqueles dias em que tudo parece correr francamente mal, ponho-me a pensar com os meus botões: “o que poderá piorar este cenário?” Faço esse ensaio para verificar que “ainda podia ser pior” e que na realidade “tenho muita sorte em ter tido apenas sete azares consecutivos”. Claro que, invariavelmente, cai-me em cima mais um inesperado infortúnio.

Por diversas razões que não interessam para o caso, a semana das eleições regionais, incluindo as eleições regionais, não me correu de feição. Dificilmente poderia ter sido pior... Após o primeiro azar, dei por mim a pensar, “Não está mal de todo, repara que, por exemplo, o José Decq Mota ainda podia perder as eleições”. Não tinha ainda equacionado este terrível desígnio por completo quando o José Decq Mota não foi eleito! Ai, ai...

Enfim, só vos digo que as coisas continuaram numa sequência terrível, em que nada parecia correr bem. Até que... Fez-se luz! Em vez de equacionar pela negativa, resolvi rever todos os azares e interpretá-los pela positiva. Ou seja, por exemplo, o José Decq Mota não foi “não eleito”. Na realidade, ele ganhou um curto período de merecido descanso! Espero que tenha paciência para se candidatar à vereação da Câmara Municipal da Horta nas próximas eleições autárquicas. Eu preciso da sua voz crítica, incisiva, cooperativa e, principalmente, inteligente.

Na verdade, todos os factos podem ser vistos com uma perspectiva pessimista ou optimista, basta estar disponível. A interpretação é subjectiva e dependente de cada um. De tal forma isto é verdade que o facto de um cronista da cidade da Horta me ter comparado a uma “carpideira” pode ser depreciativo, ou não. Depreciativo porque eu, um homem honesto e viril (q.b.), ser comparado com uma mulher que é paga para chorar e gritar pelos mortos que não são os seus, não é muito prestigiante. Mas, por outro lado, posso pensar que foi um elogio porque significa que o tal cronista tinha apreciado a minha intervenção de tal forma que resolveu responder. Reagiu a algo que lhe parecia mal e traduziu-o por palavras escritas. Não posso dizer se ele tinha razão ou não, deixo isso à análise de cada um. Eu argumentei, ele argumentou e pronto.

Numa sociedade em que a razão e a opinião estão esquecidas, o facto de eu ter escrito algo suficientemente estimulante para outro responder já é motivador. Está alguém do outro lado. Alguém lê! É óptimo saber isso porque já julgava tudo perdido. Já via toda a gente agarrada ao telecomando, ou a lutar por ele, para poder ficar um pouco mais adormecido num zapping hipnótico. Mas afinal, não! Estou maravilhado.

Em relação ao tema de fundo, que tinha suscitado a intervenção e a resposta, tenho a dizer que não deve ser importante. Não que eu pense que não é importante, mas se não há mais gente a reagir ao findar do “Telégrafo”, enquanto nome de um diário faialense, é porque não deve ser importante. Numa ilha com apenas meio milhar de anos post colonização humana, uma das poucas instituições centenárias chega ao fim... Para mim é triste e, caso não se importem, irei “prantear” um pouco mais (o que é diferente de “carpir”), mas, como todos os outros azares de uma semana terrível, o desaparecimento do título “Telégrafo” deve ter um lado positivo. Eu é que ainda não descobri qual... Deixem-me acrescentar, em abono da verdade, que o “Incentivo” está, enquanto jornal, muito melhor que o “Telégrafo”. Escusavam era de lhe ter mudado o nome...

Aproveitando a onda de lamúrias, então aí vão mais umas: Não entendo porque autorizaram a abertura de uma loja de doces ali mesmo ao lado das Escolas Preparatória e Secundária da Horta? Será que os responsáveis não sabem que os doces fazem mal, especialmente, aos adolescentes? Também não consigo vislumbrar o lado positivo dos agentes da PSP de serviço a fumarem no Largo do Infante, durante o horário das aulas. Porque se dá tolerância de ponto a todos os funcionários regionais para irem ver um jogo de futebol? Já estou a ver as senhoras de meia idade a exigir tolerância de ponto para ver a telenovela da tarde!

Será que o problema é meu, por não estar disponível para compreender o lado positivo, ou será que estas coisas não têm mesmo “ponta por onde se lhe pegue”? Contra contingências inalteráveis da vida não vale a pena lutar, é melhor manter uma certa dose de “boa onda”, polvilhada de um pouco de humor e enfrentar a realidade com um sorriso nos lábios. Já em relação às inúmeras incongruências quotidianas, fruto do laxismo, incompetência, desonestidade ou irreflexão de quem é responsável, é nosso dever enquanto cidadãos chamar a atenção e, caso seja necessário, denunciá-las activamente.

terça-feira, 26 de outubro de 2004

Protegendo os Mares dos Açores

No dia 9 de Setembro esteve na Horta (Açores) o deputado europeu Sérgio Ribeiro. Durante esta visita, que se prolongou depois por Ponta Delgada, tentou obter dados para enriquecer e argumentos para fortalecer a proposta da Comissão Europeia sobre a protecção dos recifes de coral de profundidade dos Açores, ou seja em termos mais práticos, a proibição da pesca de arrasto de fundo nos mares dos Açores.

Durante esta visita o deputado europeu reuniu-se com responsáveis políticos, associações de pescadores e cientistas. A força partidária que elegeu o deputado Sérgio Ribeiro para o Parlamento Europeu, a Coligação Democrática Unitária, dinamizou um colóquio público para discutir o tema. Escusado será dizer que a ideia é boa! É bom partilhar com todos os interessados o problema em causa, apontar soluções e apelar para a obtenção de novos contributos. Pena é que os políticos se preocupem muito com o acessório e com o ego, perdendo tempo precioso a explicar ou a responder ao que não é necessário, e não ouvindo assim o essencial ou escapando ao mais importante. Numa época em que, cada vez mais, se pretende apelar à participação dos cidadãos, os políticos terão de aprender a fomentar o diálogo, pensando sempre que o seu papel é de informar, apelar construtivamente à participação, integrar os contributos e sumariá-los.

Voltemos à protecção dos mares dos Açores. A Comissão Europeia estava muito interessada em abrir os mares dos Açores às frotas da União. O argumento base é que se existe um recurso disponível no território da União ele deverá poder ser explorado por qualquer cidadão Europeu. Talvez para que não restassem dúvidas na aplicabilidade desta argumentação, a Comissão precipitou-se na abertura das águas dos mares dos Açores esquecendo-se das sensibilidades específicas desta área. Agora, diversos meses após a abertura, finalmente chega ao Parlamento Europeu o texto que defende um dos habitats dos mares dos Açores. “Mais vale tarde que nunca” é verdade, mas enfatizo que existem outras fragilidadesambientais conhecidas e que não estão acalentadas neste ou noutro documento. A maior fragilidade omissa neste documento é a escassez dos recursos. Ou seja, vão pescar o quê? Durante quanto tempo? Claro que a maioria dos países europeus não estão preocupados com isso. Têm os seus próprios problemas e pouco devem saber de Portugal, quanto mais dos mares dos Açores. Preocupa-me que a gestão dos recursos biológicos seja feita à distância e por entidades que ou não conhecem a realidade local ou estão demasiado interessados para poder dar um contributo isento.

Aliás, porque é que Franz Fischler nunca veio aos Açores? Porque não esteve em qualquer edição da Semana das Pescas? Não acredito que não tenha tido coragem, penso apenas que, de facto, estamos demasiado distantes, somos, para ele, pouco importantes. Segundo consta, o novo Comissário para as Pescas e Assuntos Marítimos será Joe Borg, de Malta. Era bom começar desde já a cativar a atenção deste Comissário para as especificidades das águas portuguesas.

Evidentemente que o ideal era que as regras que se aplicavam anteriormente, e que impediam as frotas internacionais de pescar nas nossas águas se mantivessem, mas, como não é possível, ao menos que se estipulassem atempadamente regras para evitar: 1- o esgotamento dos recursos, 2- destruição dos habitats e 3- introdução de novos problemas sociais. Que regras? Começar por fazer com que a gestão das águas dos Açores passasse também pelos próprios Açoreanos. Até poderia ter a Comissão Europeia a última palavra, por forma a precaver bairrismos injustificados, mas que a gestão começasse nos Açores com um painel de políticos (como representantes dos cidadãos), cientistas (para estabelecer a capacidade de carga do ambiente marinho), pescadores (incluindo armadores) e organizações não governamentais para o ambiente.

Na minha modesta opinião, dar a gestão às populações locais seria o primeiro passo para uma utilização cuidada do ambiente marinho. Caso desse certo, poder-se-ia aplicar este modelo a outras regiões da Europa, caso não funcionasse poder-se-ia voltar ao modelo actual. Como está, não irá funcionar. Não funcionou no Norte da Europa (onde se está a destruir a pesca de bacalhau) e não há razão para vir a funcionar nos Açores.

Passei os últimos dias a mergulhar em diversos locais dos Açores. Mais uma vez pude constatar a consequência lógica da falta de fiscalização, havendo pouca diferença entre as zonas exploradas e as áreas marinhas protegidas. Apesar disso, os Açores continuam a ser um marco no bom mergulho com escafandro autónomo de Portugal. Vi grandes animais, com boa visibilidade, fundos dinâmicos e a temperatura continua amena. Ainda vale a pena lutar pelo mar dos Açores!


Publicado na coluna "Casa-Alugada"

sábado, 16 de outubro de 2004

Pequeno manual para votantes indecisos

Para que fique claro, deixem-me que vos diga que sou apoiante da candidatura do José Decq Mota. Agora que já perceberam que têm de ler as linhas abaixo com o respectivo desconto, vou propôr um método em seis passos para ajudar os mais indecisos a optar.

Primeiro passo: Terá de ser pró-activo. Deverá deslocar-se às sedes de candidatura de cada uma das listas concorrentes e pedir um programa específico para a Ilha do Faial. Eu consegui obter cópias dos programas da CDU (obviamente), da Coligação Açores, do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda.

Segundo passo: Antes de começar a ler os programas deverá fazer uma listagem das coisas que considera importantes para si e para o Faial, visto que estamos a eleger os deputados que representarão a ilha do Faial. Feito isto, deverá procurar em que programas são correspondidas as suas pretensões. Para hierarquizar, deverá fazer um somatório das respostas positivas em cada um dos programas.

No meu caso escolhi as prioridades: 1) Ambiente, 2) Parque Marinho Faial-Pico, 3) Saneamento básico, 4) Departamento de Oceanografia e Pescas – estrutura, 5) DOP – pessoal, 6) Cultura – Hortaludus, 7) Saúde – Medicina hiperbárica, 8) Estradas, 9) Pescas. Claro que a candidatura que apoio é aquela que corresponde de forma mais adequada às prioridades que estabeleci. Mas é apenas o meu caso, cada um deverá estabelecer as prioridades que considerar adequadas. As candidaturas que responderem a todas as suas solicitações recebem 3 pontos, as que corresponderem a muitas das suas aspirações recebem 2 pontos, as que corresponderem a algumas das suas solicitações recebem 1 ponto, os que não corresponderem a nenhuma das suas aspirações recebem 0 pontos.

Terceiro passo: A outro nível, deverá analisar as prestações dos candidatos que são neste momento deputados. Hierarquize as prestações dos últimos quatro anos como positivas ou negativas. As candidaturas cujos os deputados tiveram uma prestação positiva recebem um ponto, os que tiveram uma prestação negativa recebem zero pontos, As candidaturas que nunca tiveram deputados merecem o benefício da dúvida e, portanto, levam 1 ponto.

Quarto passo: Filosofia. Aqui é que a coisa é mais complicada. Tenho a dizer que candidatura que apoio não ganhou este ponto. De facto deverá atribuir 1 ponto às candidaturas cuja filosofia e prática inerente aos partidos em causa corresponda às suas preferências ideológicas. Em eleições nacionais este passo teria muita importância, mas a nível regional recebem 1 ponto as candidaturas que corresponderem às suas convicções políticas-partidárias e 0 as restantes.

Quinto passo: Aqui deverá avaliar o mérito de campanha das candidaturas. Avaliará o empenho, a solicitude e a honestidade transparente. Pense nos candidatos que correspondem a cada uma das listas e tente lembrar-se onde os viu e a fazer o quê? Tentaram esclarecê-lo? Falaram bem? Recebem um ponto os que lhe pareceram bem e zero pontos os que lhe pareceram mal.

Sexto passo: Some todas estas quatro parcelas e veja qual poderia ser o seu voto. Claro que a seguir utilize o seu discernimento, que é muito melhor que a minha metodologia, e opte pelo que a sua consciência lhe indicar. O importante é mesmo votar. Bom voto!

O Telégrafo Morreu

Achei que era importante registar que “Telégrafo” acabou. Isto sabe-me a heresia, mas é verdade. Foi impressa a última edição do jornal “Telégrafo”. Cento e doze anos depois da primeira edição, o “Telégrafo” acabou. Se houver mais pessoas incomodadas, como eu, que se manifestem. Talvez os irmãos Gonçalves reconsiderem e tragam o velhinho “O Telégrafo” de volta (com ou sem “O”). Apenas para reforçar esta ideia deixem-me que vos diga que, na minha mui modesta opinião, das poucas coisas que estavam certas naquele matutino da cidade da Horta era precisamente o nome. O Telégrafo morreu, viva o Telégrafo!

domingo, 26 de setembro de 2004

Desorientação total

Comecemos por esclarecer. Hoje em dia quando se fala em conservação da natureza há diversos factores considerados determinantes: 1) conhecimento do tema/área, 2) integração dos interessados no planeamento da conservação e 3) aproximação da gestão às populações locais. Evidentemente, enquanto profissional de biologia, interessa-me sobretudo conhecer, mas, enquanto ser humano, penso que é determinante garantir os dois outros factores para uma efectiva preservação ambiental.

A questão é que as populações locais, muito mais que as restantes, estão interessadas em preservar o seu espólio e o seu legado. Isso não significa que os outros estejam inibidos de utilizar as áreas em causa, mas a primazia da gestão é dos locais. Há quem considere que esta é uma aproximação xenófoba, ou algo do género, mas não. É puro pragmatismo.

No caso de se pretender uma exploração mineralógica a aproximação será um pouco diferente. O bem em causa não terá renovação e, por isso, não é tão determinante que a gestão seja realizada localmente. Mesmo assim, para que se garantisse a utilização de métodos “amigos do ambiente” na exploração e a reposição do local após a sua mineração seria importante que as populações locais tivessem uma palavra a dizer.

Infelizmente em Portugal e na União Europeia a aproximação à gestão dos bens renováveis não tem sido essa. Aparentemente, há um conjunto de experts que toma as decisões (consultando ou não as populações locais) e são emanados regulamentos. Curiosamente, estes regulamentos estão tão longe dos decisores locais que a sua aplicabilidade e interesse é muito baixo. E é pena.

Por vezes, a aproximação ao poder local é, erradamente, efectuada através das Câmaras Municipais. Apesar de terem interesse no bem dos seus eleitores, normalmente (diz-nos a prática), as Edilidades estão mais preocupadas com os resultados a curto prazo (até às próximas eleições) e pouco interessadas na valorização ambiental. É por essa razão que vejo com enorme preocupação a entrega da Reserva Ecológica Nacional às autarquias locais. Qual será a resposta de um presidente de câmara se tiver de decidir entre uma fábrica ou hotel ou um Parque Natural? As Câmaras devem ser parceiros neste tipo de decisões, até talvez o parceiro mais importante, mas apenas isso, um parceiro entre todos os utilizadores e interessados na conservação ambiental.

Outro “tiro no pé” à portuguesa resulta do investimento sistemático do Ministério do Ambiente na substituição dos Vigilantes da Natureza por militares da Guarda Nacional Republicana na sensibilização ambiental e fiscalização das Áreas Natura 2000. É de um completo desajuste investir numa força ambiental que não está sob a jurisdição do Ministério do Ambiente, principalmente quando em detrimento de uma força do próprio Ministério. Suspeito que este passo seja mais uma tentativa de esvaziar o Instituto para a Conservação da Natureza (de que dependem os Vigilantes da Natureza).

Em Portugal, no início do mandato do anterior Governo anunciou-se com alguma pompa a criação da Comissão dos Oceanos. Este grupo de personalidades com conhecimentos sobre a gestão dos Oceanos iria desenvolver um documento estratégico para servir de inspiração no retorno de Portugal ao mar. O que aconteceu a esse documento? Tenho enorme curiosidade em saber qual o seu conteúdo...

Inacreditavelmente os Assuntos do Mar passaram a ser subsidiários do Ministério da Defesa. Qual será a ideia? Mais submarinos? Já não basta que num país sem dinheiro para a fiscalização e a monitorização básica dos seus mares se faça o investimento inacreditável em submarinos de grande porte, mas ainda se compensa o sector militar com a gestão dos mares. Relembro que, pelo menos nos Açores, não há dinheiro para pagar a gasolina das lanchas de fiscalização da própria Armada! É esta a gestão que se pretende estimular?

Neste momento há pelo menos 37 países em fase de solicitar o alargamento da Zona Económica Exclusiva acima das 200 milhas. Em Portugal, o programa do Governo inclui a frase lacónica “apoiar a constituição do dossier português para a extensão da plataforma continental”. Que falta de ambição!

Por outro lado, a União Europeia confirmou a abertura das águas externas dos Açores às frotas internacionais. A Comissão Europeia inibiu a utilização de redes de arrasto no último momento, mas mananciais já severamente explorados como os de tubarões, atuns e espadartes poderão ser delapidados também nas águas dos Açores. Tudo isto apesar dos inúmeros avisos do Governo Regional, do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores e de organizações não-governamentais internacionais (WWF, Greenpeace e Seas at Risk). Ainda por cima a CE é conhecida por ser muito má gestora dos Oceanos, preferindo compactuar com os governos (muitas vezes populistas) e com a indústria, interesses de curto prazo que já conduziram diversas pescarias à desintegração económica. Agora chegámos aos Açores.

Vejo o futuro com preocupação, adivinhando mares estéreis e poluídos. Haverá alternativas? Penso que sim e por vezes estas alternativas chegam de onde menos se espera. Chama-me um colega à atenção para a subida do preço do petróleo que poderá viabilizar economicamente as energias alternativas. Que ironia. Um harakiri dos produtores de petróleo! Finalmente poderemos ter energias alternativas funcionais e tudo por causa da ambição ou desorganização dos países produtores. Magnificamente maquiavélico!


Publicado na coluna "Casa-Alugada" da Revista Mundo Submerso

quinta-feira, 16 de setembro de 2004

Porque não entendem...?

1. Estou perplexo ao verificar o número de furacões, tempestades tropicais e outros fenómenos naturais de alta intensidade que estão a afectar a América Central e a costa Leste dos Estados Unidos. A minha perplexidade não é motivada pela ocorrência dos fenómenos em si, mas mais pela quantidade e por os norte-americanos não perceberem que a causa primordial deste fenómeno são as alterações globais. É que se o cidadão comum dos Estados Unidos compreendesse que é o reflexo da sua desregrada atitude quotidiana que é espelhada nos fenómenos atmosféricos, talvez exigisse mudanças no comportamento do seu governo. Vejamos, sendo os Estados Unidos o maior emissor mundial de dióxido de carbono (um dos gases responsáveis pelo efeito de estufa) e não tomando atitudes concretas na sua contenção, como a assinatura e respeito pelo tratado de Quioto, é natural que a situação não melhore. E não se podem queixar de falta de avisos. Para além de todas as evidências científicas, algumas angariadas pelo próprio Pentágono, e até de alguma divulgação efectuada por Hollywood (veja-se o caso de "O Dia depois de Amanhã", de Roland Emmerich) nada parece acontecer. O público norte-americano (leia-se “cidadãos”) deveria, pelo menos, forçar George W. Bush a assinar o Protocolo de Quioto. Este documento congrega um conjunto de intenções e já foi assinado por 84 países, como Portugal, que se comprometeram a diminuir o nível de emissões poluidoras responsáveis pelo aquecimento global. Portugal comprometeu-se, mas não tem sido eficaz, embora isso seja outra história...

É por causa desta apatia irresponsável e pelo fomento das guerras do mundo que eu espero que esta Administração norte-americana não seja re-eleita. Infelizmente, não há grande esperança... Três milhões de pessoas foram deslocadas na Florida por causa do furacão Jeanne e as sondagens apontam para a vitória de George W. Bush. Não compreendo.

Fiz uma pequena pesquisa em que tentei entender o que preocupa os norte-americanos. Não tem qualquer valor estatístico, mas cheguei à conclusão que o crime, a SIDA, os sistemas de segurança social, o racismo, a morte e as taxas de juro são as maiores preocupações destes cidadãos. De facto, nesta pequena lista não consta o ambiente ou a guerra. Alguém terá, na minha modesta opinião, de colocar estes temas na lista de preocupações dos já aterrorizados norte-americanos. É que as decisões destes eleitores terão consequências directas na nossa felicidade. Como no outro dia dizia um dos directores da Yukos (a maior petrolífera russa), a solução para grande parte dos problemas do mundo é a não re-eleição do Presidente Bush. Não serei tão simplista, mas os dirigentes belicistas como Ariel Sharon, Yasser Arafat, George W. Bush, Kim Jong Il têm que ser afastados. Estes irresponsáveis não entendem que a violência e intolerância só traz mais violência e intolerância e assim não chegamos a lado nenhum... É preciso estimular os dirigentes que seguem políticas diferentes como foram Nelson Mandela, Gro Brundtland, Sérgio Vieira de Mello e Mikail Gorbatchev ou como é Kofi Annan. Infelizmente, não parece haver seguidores com as mesmas intenções e fibra.

2. Mais um modelo científico vem confirmar que a quantidade de pescado disponível no mar do Norte é significativamente inferior ao potencial da área. Os investigadores responsáveis pelo modelo científico pertencem ao Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES), o mais reconhecido e respeitado órgão de apoio à decisão da política de pescas da Europa. É interessante verificar que o país que mais respeita as orientações científicas da Europa, a Noruega, é simultaneamente aquele em que os pescadores têm melhores rendimentos e dos poucos que não pertence à União. Sintomático? Oxalá o novo Comissário para as Pescas, Joe Borg, de Malta, tenha uma visão diferente do seu antecessor e respeite as recomendações científicas.

3. Estes dois casos vêm reforçar que é absolutamente urgente que o cidadão entenda a realidade e estabeleça prioridades quando exerce o seu direito/dever democrático de votar. A arma das sociedades avançadas deve ser utilizada com reflexão e tendo em vista as grandes opções que nos condicionam a longo prazo e não o resultado de um qualquer “fait-diver” momentâneo. Só assim os políticos irão entender que devem tomar as opções adequadas e não as mais populistas. Pelo menos é assim que eu penso e o próximo desses importantes momentos é já dia 17.

quarta-feira, 15 de setembro de 2004

Câmara de Descompressão

Qualquer mergulhador que utilize um instrumento de auxílio à respiração subaquática está sujeito a um conjunto de problemas de saúde. Estes problemas são estudados por um ramo particular da medicina, a medicina hiperbárica. Genericamente, o que acontece é que os seres humanos, ao respirarem um gás a uma pressão elevada, não reagem da mesma forma que à pressão normal (cerca de 1 atmosfera). Por exemplo, a partir de certa pressão, por causa da toxicidade do Azoto (um dos gases quem compõe o ar) passa-se mesmo a sofrer de uma doença chamada narcose. Deixa-se de raciocinar de forma adequada, parecendo as reacções do mergulhador semelhantes a um indivíduo ébrio. Felizmente, o regresso a uma profundidade adequada liberta novamente o mergulhador desta “bebedeira das profundidades”. Caso insista em submergir, o mergulhador poderá chegar a um ponto em que a pressão parcial do Oxigénio (outro dos gases que compõe o ar) seja tão elevada que se torna tóxica. A esta pressão/profundidade pode-se entrar em convulsões e, no caso limite, morrer. Outro dos gases que compõe o ar e que nos pode trazer problemas, quando submergidos, é o dióxido de Carbono. Quando estamos a mergulhar e nos cansamos muito, involuntariamente, aumentamos o ritmo respiratório causando uma certa ineficiência na respiração. Nesse caso, a concentração de dióxido de Carbono aumenta e o mergulhador ganha uma certa sensação de claustrofobia que, nos casos mais graves, resulta em pânico. Refiro estas três patologias para enfatizar que os três gases que maior importância têm na nossa respiração, debaixo de água, são uma “carga de trabalhos”.
No entanto, a patologia que mais aterroriza os mergulhadores é o acidente de descompressão. Esta patalogia ocorre quando, depois dos gases se misturarem com o sangue a uma determinada pressão, há uma diminuição súbita de pressão no ambiente, ou, por outras palavras, é igual a uma subida rápida. Isto resulta num aumento repentino do volume de Azoto que, formando pequenas bolhas gasosas, pode bloquear os vasos sanguíneos. É o equivalente a uma trombose. Ao contrário da trombose, no entanto, caso sejam imediatamente tratados, os casos ligeiros de acidente de descompressão têm cura. É especialmente para esses casos que é indispensável a existência de uma câmara hiperbárica. No interior desta câmara, semelhante a um cilindro de grandes dimensões, os mergulhadores estão sujeitos a um “mergulho” controlado por forma a que, por aumento da pressão, se reduzam o tamanho das bolhas de Azoto e se desbloqueiem os vasos sanguíneos. Parece simples mas, na realidade, é um pouco complicado. Entre outros factores, há sequências de mergulho (tempo vs. profundidade vs. misturas gasosas) determinadas clinicamente, de acordo com a gravidade e tipo de acidente.
O único instrumento essencial para isto funcionar é a dita câmara. Este instrumento tem associada uma equipa de pessoas constituída, pelo menos, por um médico e um conjunto de operadores. O médico deverá ser especialista em medicina hiperbárica, liderar o grupo de operadores, treinando-os e, em caso de acidente, indicar com detalhe a sequência de operações que cada um deverá executar. Este médico deverá estar ainda encarregue de fazer a supervisão técnica da câmara, zelando pela sua conservação e precavendo as suas manutenções periódicas.
O que acontece com a câmara de descompressão da Horta (propriedade do Clube Naval e instalada sob protocolo no Hospital) é que, apesar de todos os alertas, a manutenção periódica não foi realizada. Em termos legais a câmara não pode operar (Decreto-Lei 97/2000) e em termos morais a sua operação poderá ser delicada. Ou seja, os operadores e doentes que entram na câmara sujeitam-se a um risco acrescido. Eu sou um dos operadores da câmara hiperbárica e um potencial doente, dado que mergulho quotidianamente. O risco no seu funcionamento é confirmado pelo médico que nos treinou, enquanto operadores, e que sempre liderou a operação da câmara hiperbárica, Dr. Luís Quintino. Este médico, especialista em medicina hiperbárica, considera que a câmara tem mesmo de ser revista e não está em condições de trabalhar. Penso compreender, em parte, a posição da Administração Hospitalar (por quem tenho estima) ao querer orientar as escassas verbas dos Serviços de Saúde para outras áreas que considera prioritárias. Mas, quando houver um acidente de descompressão, e eles irão inevitavelmente e infelizmente acontecer, quem me irá pedir para entrar dentro da câmara? Ou sequer operá-la? Caso haja uma ruptura, com descompressão imediata da câmara, todos os que estiverem no seu interior poderão ficar com embolias. Caso haja um incêndio, a câmara pode explodir com consequências graves até para o edifício do hospital. Tendo tudo isto em atenção, quem irá pedir aos operadores voluntários para operar uma câmara hiperbárica sem a revisão efectuada? Quem terá coragem de o pedir aos meus colegas? Eu não. Quando houver o próximo acidente teremos de decidir entre arriscar a nossa vida acima do admissível ou salvar um outro ser humano. Não me parece justo.
Por outro lado, caso a câmara encerre em definitivo, quem irá socorrer um turista que venha aos Açores e tenha um azar de mergulho? Quem dará apoio aos mergulhadores lúdicos, aos técnicos do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores e outros profissionais caso haja um acidente? Compreendo que as verbas anunciadas para realizar a revisão sejam elevadas, e até penso que não deverá ser o Hospital directamente a suportá-las, mas considero que se devem arranjar soluções urgentes para este delicado problema. A utilização desta câmara já recuperou duas dezenas de mergulhadores. Muitos deles, caso não houvesse câmara, teriam sequelas para toda a vida.
Para além destes casos, resultantes de acidentes de mergulho, há uma série de patologias (p. ex. complicações acessórias aos diabetes, intoxicações por monóxido de Carbono, infecções por micróbios anaeróbios, etc.) que poderiam beneficiar com a utilização terapêutica da câmara. Não sou médico por isso não me irei alargar neste tema, no entanto, estou certo que a Ilha do Faial e o Arquipélago dos Açores ficarão mais pobres caso percam esta valência.

quinta-feira, 26 de agosto de 2004

Redes de Excelência

As Redes de Excelência nasceram fruto do estímulo financeiro dado pelo VI Programa Quadro da União Europeia. Estas estruturas virtuais têm como objectivo unir as melhores instituições de investigação científica da Europa em cada área e em torno de objectivos úteis. A instituição para que trabalho, o Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores (DOP), pertence à Rede de Excelência para o Estudo da Biodiversidade e Funcionamento dos Ecossitemas Marinhos (cujo o acrónimo em inglês é MARBEF). Tal como se lê na mensagem do coordenador geral Carlo Heip na página internet do MARBEF (http://www.marbef.org) o objectivo desta rede é concertar esforços entre cientistas e instituições por forma a criar um instituto virtual de dimensão europeia que proceda a investigação a longo prazo, com ligações à indústria e ao público em geral. Para além da coordenação da investigação, este processo envolverá o treino, troca de experiências e a divulgação das actividades nos diversos temas científicos incluindo ecologia marinha e biogeoquímica, biologia pesqueira, taxonomia e ciências sócio-económicas. Tudo isto sob o patrocínio da União Europeia para que, em permanência, a Comissão, os Estados membros e os Estados associados possam ter uma melhor integração dos estudos científicos por forma a responder aos desafios que são emanados da Convenção para a Diversidade Biológica, Convenções OSPAR e Barcelona e Directivas Aves, Habitats e da Água. Para além disso é objectivo da rede MARBEF dar apoio ao desenvolvimento sustentável de empresas que se baseiem na exploração dabiodiversidade marinha, como o turismo, as pescas, a aquacultura e um sem número de indústrias que recorram à exploração biotecnológica de produtos marinhos.

A nível nacional, entre os 56 parceiros do MARBEF e para além do IMAR-DOP, também o CIMAR faz parte desta Rede de Excelência. Curiosamente, ambas estas instituições fazem também parte de dois dos 15 Laboratórios Associados reconhecidos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal (FCT). Com os Laboratórios Associados a FCT pretende reforçar as instituições de investigação científica e tecnológica visando vencer o atraso científico, expandir a produção científica, o desenvolvimento tecnológico e a inovação. No total, em Portugal, os Laboratórios Associados integram 800 doutorados e mais de 2200 investigadores. Segundo os dados da FCT, o investimento previsto para estes Laboratórios ascende a 238 milhões de Euros em 10 anos. O DOP, em conjunto com o ISR, CREMINER e IN+ fazem parte do Laboratório Associado do Instituto de Sistemas e Robótica e o CIMAR aglutina o CIIMAR-Porto e CCMAR-Algarve noutro Laboratório Associado.

Algumas destas instituições, como é o caso do DOP e a maioria das Universidades Portuguesas que estudam o mar, estão unidas a um outro nível através de um Instituto de Investigação muito particular, o Instituto do Mar (IMAR).

O exposto enfatiza que realmente os cientistas estão a criar as parcerias e as redes necessárias para que possam adequadamente proceder à sua investigação. Através destas estruturas partilham equipamentos, recursos financeiros (que normalmente são escassos) e experiência.

Recentemente estive envolvido, em representação do meu Director, Ricardo Serrão Santos, numa reunião da Rede MARBEF. Aí pude compreender o alcance e a importância deste tipo de estruturas. De facto, ter perto de nós os melhores da Europa em cada especialidade dá uma projecção muito particular à nossa imaginação. Tudo o que dizemos é imediatamente esquadrinhado e purgado à luz dos mais avançados estudos científicos. De facto, esta conjunção entre a diversidade cultural da Europa e o esforço para agir em rede poderá ter resultados muito interessantes. Dêem-nos apenas tempo.


Publicado na coluna "Casa-Alugada"

segunda-feira, 26 de julho de 2004

Graciosa

Uma das coisas que mais me encanta são as missões científicas de Verão, quando as condições atmosféricas melhoram e o pessoal sai por alguns dias para investigar um determinado assunto ou estudar a solução para um qualquer problema. É nestes momentos que as relações humanas com as populações locais se tornam mais intensas, que nos tornamos mais amigos e, claro, que se realiza bom trabalho.

E a minha primeira missão deste ano foi na Ilha Graciosa. Comecei a pensar neste texto quando estava na Praia da Graciosa, a olhar para o seu Ilhéu. Ficar ali parado, no meio daquele silêncio de final da tarde, apenas entrecortado pelo falar de algumas pessoas no café nas minhas costas, pelo barulho do mar, pela ligeira brisa e por um ou outro cagarro que passava. Dificilmente poderia ser melhor. A falta de carros a passar, a inexistência de uma fábrica ou qualquer televisão por perto, permitiam ouvir os matraquilhos lá longe... Tão bom. Olhei para o céu, vi os primeiros planetas que tentavam impor-se contra o ainda azul do céu.

Mas aquilo que nos levou à Graciosa não estava relacionado com descanso ou lazer. Havia que mergulhar. Que bom ter uma profissão que exige realizar uma das minhas actividades favoritas. Neste caso, mais concretamente, o objectivo era caracterizar uma zona classificada como pertencente à Rede Natura 2000. Trata-se do Ilhéu de Baixo e Costa da Restinga. São pouco mais de 3 quilómetros e meio de linha de costa que tínhamos de estudar por baixo de água.

No decorrer dos trabalhos, chegámos à conclusão que não sabíamos o nome de um dos locais de mergulho. Arranjámos um nome algo complexo do género: “Baía entre a Ponta da Restinga e a Baía do Carapacho”. Não dava muito jeito. Perguntámos a um conhecido que nos disse, “não sei, mas sei quem sabe”. No dia seguinte tínhamos a resposta acrescida dos nomes de todos os pequenos ilhéus entre os dois locais mencionados anteriormente e uma caracterização sumária do local! Extraordinário.

De facto, os habitantes dos pequenos locais têm maravilhosos e enormes corações, disponíveis para nos ajudar até nos momentos menos complicados. E há tempo. Há tempo para pensar nos outros, quanto mais não seja para perguntar se “precisa de alguma coisa?” Ah, que maravilha.

Debaixo de água nota-se que as coisas já não são o que foram. Não é saudosismo, é apenas o constatar daquilo que já foi dito inúmeras vezes pelos pescadores. O mar está a saque: são redes, linhas de pesca intermináveis, pesca e caça furtiva, tínhamos de notar... e notámos. Acontece em Portugal inteiro e a Graciosa não foge à regra. Ao falar com os pescadores locais eles próprios admitiram “se não formos nós a pescar são os outros”. É já a política da terra queimada. Isto foi-nos dito na Graciosa e já anteriormente tinha sido expresso em público na Semana das Pescas dos Açores.

Evidentemente que a qualidade do mergulho é ainda muito acima da média nacional e mesmo ao nível médio dos Açores. Mas lendo as descrições do Professor Luís Saldanha, escritas nos anos oitenta, percebemos que algo está a acontecer e que, caso não se tomem medidas drásticas ficaremos a perder muito. O próprio Professor Saldanha compreendeu a fragilidade daquilo que lhe foi dado a observar e já nessa época defendia a protecção radical dos mares da Ilha.

Esta ilha tão bela e equilibrada em terra está a ser saqueada no mar. A polícia marítima não tem sequer uma embarcação e vê-se na situação inconcebível de ficar em terra a assistir à vilania. Em surdina um pescador desafiou uma das minhas colegas, “vá à lota ver o que está ser pescado e porque aparelho de pesca”. Evidentemente que um palangreiro não pode pescar essencialmente meros, sargos e pargos sem estar encostado a terra (onde é proibido).

Mais triste é constatar que há na Ilha Graciosa uma embarcação do Estado (Junta Autónoma do Porto) com capacidade para efectuar a imprescindível fiscalização. Está parada há vários anos. Algo continua a ir mal nos mares de Portugal. Está à vista de todos. Porque é que os responsáveis fazem tão pouco?

Graças ao empenho de uma empresa de mergulho local, Clube Náutico da Graciosa (www.divingraciosa.com), e da FPAS, o concurso nacional de fotografia subaquática, FotoSub, será este ano realizado na Ilha Graciosa. Pelo que vi debaixo de água e pelas descrições dos mergulhadores locais mais experientes, certamente que as imagens obtidas irão ser excelentes. Espero apenas que não sejam as últimas...


Publicado na coluna "Casa-Alugada"

sábado, 26 de junho de 2004

Será aquilo uma luz ao fundo do túnel?

É tão óbvio que maltratar os cientistas é danoso para a Sociedade que o Estado Francês, através do seu novo Governo, cedeu às pretensões dos investigadores. Cerca de 1500 novas vagas irão ser criadas nos quadros das instituições de pesquisa e universidades. Com este passo, espera-se que acabem parte dos contratos a prazo e se dignifique a carreira de investigador. Esta é a situação em França, que espera assim, em simultâneo, acalmar a ira dos investigadores e reduzir o seu fluxo em direcção aos Estados Unidos (como referi num artigo anterior cerca de 400 mil investigadores europeus trabalham nos EUA).

Em Portugal o quadro é um pouco diferente. A investigação efectuada pelos investigadores mais jovens faz-se através de bolsas e não se vislumbra o final desta tendência. Bolsas e mais bolsas, foi a forma encontrada pelo Estado Português para financiar a investigação. Hoje já não é apenas a investigação, é também todo o pessoal técnico com grau superior à licenciatura que “beneficia” do estatuto de bolseiro. Toda a gente sabe disso, mas parecem esconder a cabeça na areia, esquecendo-se, como a avestruz, que o corpo está do lado de fora. A difícil situação dos jovens licenciados deve-se a um conjunto de factores, em que os mais evidentes são: falta de emprego condigno e falta de financiamento às instituições de investigação.

Um recém-licenciado em biologia marinha dificilmente terá emprego na iniciativa privada. Por um lado é demasiado especializado para a maioria dos empregos e, por outro, não possui as qualificações básicas para poder exercer a sua actividade nas profissões mais óbvias. Exemplifiquemos: um biólogo marinho deveria estar apto a conduzir uma embarcação ou a mergulhar, mas a Universidade não o qualifica para isso, portanto, todos os empregos relacionados com actividade turística estar-lhe-ão vedados.

Por outro lado, nenhuma empresa irá empregar biólogos-marinhos recém-licenciados sem experiência. Na melhor das hipóteses podem-nos empregar a recibos verdes.

Resta-lhes o ensino ou a investigação. Para o ensino não servem porque as Universidades não lhes dão as cadeiras ditas “pedagógicas”. Terão de tirar um curso específico, chamado de “formação de formadores” e que é uma mina para extorquir dinheiro à Comissão Europeia. Toda a gente sabe... Com a tal “formação de formadores” poderão dar aulas no ensino privado ou semi-privado, como as escolas profissionais. Inexplicavelmente, as Universidades, apesar deste ser um curso de pouquíssimas horas, não o leccionam. Quem ganha comisto? Os formadores e as empresas de formação profissional, claro está. O Estado, vendo que esta é mais uma forma de ganhar dinheiro com a Comissão Europeia, fecha os olhos. Os prejudicados: os do costume.

Por fim, temos a investigação. As instituições de investigação não têm dinheiro e têm falta de recursos humanos, os humanos têm falta de emprego. Como o Estado tem falta de investigadores criou um estatuto de bolseiro que mais não é do que uma forma de explorar mão de obra barata. Um bolseiro ganha 12 meses por ano, não tem contrato superior a três anos (sendo a média de um ano), tem uma segurança social desonesta (desconta como se ganhasse o salário mínimo) e não tem férias ou horário de trabalho. Os objectivos na criação deste estatuto eram nobres: estimular o crescimento na área da investigação em Portugal, graças às “facilidades” dadas aos empregadores, e obrigar os bolseiros a obter as suas qualificações tão rapidamente quanto possível, para passarem para os quadros das instituições e saírem daquele estatuto. Simplesmente, e como o Estado não tem dinheiro, começou a apoiar-se fortemente nestes recursos para efectuar pesquisa científica. Hoje em dia um recém-licenciado pode passar por: bolseiro de iniciação à investigação científica, bolseiro de investigação, bolseiro de mestrado (apenas no segundo ano deste grau), bolseiro de doutoramento, bolseiro de pós-doutoramento e, finalmente, cientista convidado. Os valores destas bolsas variam desde 565 euros (para não licenciados) até 2650 euros (para cientistas convidados). Uma autentica carreira de subemprego. Quando o Estado compreendeu as vantagens que teria em alargar a utilização desta ferramenta começou a aceitar que os próprios técnicos das instituições de investigação tivessem este estatuto.

Na área da biologia-marinha a situação é suficientemente desesperada para que as pessoas aceitem esta condição de subemprego. No entanto, na área das engenharias ou medicina não é assim. Há outras soluções, que passam pelo emprego na iniciativa privada ou a emigração. Agora, digam-me o que escolherá um potencial investigador nestas áreas: trabalhar para o Estado ou optar pelas alternativas? Seria preciso ter muito “amor à camisola”.

Recentemente, uma força partidária apresentou uma proposta no Parlamento para que o estatuto do bolseiro fosse alterado. Talvez por a proposta ser do Partido Comunista, a maioria já afirmou que irá apresentar uma proposta própria... lá para Setembro. Assim, Portugal não vai lá... O Governo, por sua vez, anunciou a criação de 5000 novos lugares de investigadores, novos financiamentos para as instituições de investigação e um estímulo especial para que os melhores cientistas internacionais possam equacionar a hipótese de se instalarem em Portugal. Tanto as ideias do Partido Comunista como as do Governo são boas e demonstram claramente que a Administração, nomeadamente o Ministério da Ciência e Ensino Superior, está consciente dos problemas. Resta saber se os políticos se irão torpedear na partidaríte aguda que caracteriza Portugal ou farão algo de construtivo e duradouro.

Outro problema é a “forma”. Será que irão adoptar a forma das bolsas ou a forma dos contratos honestos? Caso se opte pelos contratos honestos relembro que deverá ser feita uma avaliação séria e regular da actuação dos investigadores. Não podemos cair novamente no exagero de não avaliar os quadros da função pública. Isso iria inevitavelmente criar mais “tachos” como vemos em algumas instituições de investigação pública. No caso da investigação científica os métodos de avaliação são claros e simples, basta aplicá-los corajosamente.

Notas: alguns dos factos mencionados foram consultados no jornal “Público” (http://jornal.publico.pt/publico/2004/04/09/Ciencias/H03.html ehttp://ultimahora.publico.pt/shownews.asp?id=1191970&idCanal=12).


Publicado na coluna "Casa-Alugada"

quarta-feira, 26 de maio de 2004

Preservar ignorando ou conhecendo?

Um amigo meu estava a passear numa Área Protegida quando se deparou com um sinal muito pouco comum e deveras agressivo “Reserva Integral – Acesso Interdito”. Para tentar perceber o que estava a ser protegido perguntou a um dos Vigilantes da Natureza para que é que a sinalização estava ali colocada. A resposta foi ainda mais inesperada: “não lhe posso dizer”. “O quê!? Não posso entrar nessa área do território português e o senhor não me vai informar porquê?!”

Esta conversa decorreu a meio dos anos 90 em Portugal. Em certas Áreas Protegidas havia instruções muito claras no sentido de não informar o cidadão. Pensava-se que o cidadão, ao não conhecer fosse qual fosse o valor ambiental protegido, teria mais dificuldade em destruí-lo. Entretanto algum tempo passou e tornou-se insustentável manter “o povo na ignorância”: Passou-se pois a uma fase mais inteligente. Educa-se no sentido de instruir as pessoas para que entendam o valor da preservação. Passou a haver mais Centros de Interpretação, Ecotecas e outras estruturas relacionadas com a educação ambiental. Nestas estruturas são transmitidas mensagens, através de jogos e demonstrações, sobre os valores ambientais e qual a razão da sua protecção. Digamos que os dirigentes perceberam que o risco de destruir por desconhecer é tão grande, ou maior, do que o risco de intencionalmente destruir os valores existentes.

Por exemplo, a existência de flora endémica na Costa Vicentina impede a construção nessa área. Um qualquer construtor civil sem escrúpulos ficará encantado se a razão que leva à impossibilidade de edificar nessa zona idílica for destruída. Mas, já não ficará tão satisfeito quando perceber que a cura para a doença de um seu familiar se encontrava no genoma dessa rara planta que apenas existia na Costa Vicentina e que um vândalo acaba de varrer da face da terra. Não é a única razão para preservar, mas é fácil de compreender que uma das razões que leva à protecção de certas áreas ou espécies está relacionada com a nossa felicidade colectiva a médio e longo prazo.

No meio marinho há inúmeros exemplos de espécies que contêm os chamados componentes bio-activos e que poderão servir para encontrar soluções farmacológicas para algumas doenças. O mais interessante é que em cada estudo que se faz, se encontram mais respostas com potencial uso clínico. Em resumo, é mais seguro preservar.

Claro que haverá sempre loucos que pensam que ficarão na história se destruírem um bem precioso. Também por essa razão o quadro Gioconda de Leonardo da Vinci está tão bem resguardado no museu do Louvre. No entanto, não foi razão suficiente para não o mostrar. Ou seja, as pessoas têm acesso apesar de serem tomadas medidas para que o bem em causa continue a existir. Na natureza é a mesma coisa. Há espécies e habitats razoavelmente resguardados, mas têm de ser criadas formas de as mostrar para que o cidadão as reconheça, as valorize e as estime.

No Brasil, no Arquipélago de Fernando Noronha (onde um dia sonho estar...), há uma baía severamente protegida. Tem por nome a Baía dos Golfinhos. Essa área é privilegiada pelos golfinhos-rotadores (Stenella longirostris) para a sua reprodução. Tanto o acesso por terra como por mar está severamente condicionado. No entanto, isso não significa que não se possa ver esta espécie nesse local. Foi construído um trilho muito resguardado que permite aos seres humanos vislumbrarem a área sem in comodar os animais. Pelo facto de ser ambientalmente aceitável na maioria dos valores que possui, este Arquipélago é reconhecido como uma das melhores áreas protegidas do mundo. O turismo que isso gera é tão elevado que existem taxas para os visitantes poderem aceder à área por forma a não prolongarem por muito tempo a sua estadia. Em resumo, é-nos muito lucrativo preservar.

Portanto, desde que se criem as regras para que as espécies e áreas possam ser utilizadas pelos seres humanos, apenas existirão as restrições indispensáveis e, de qualquer forma, claras.

Na ilha da Madeira vive uma das espécies mais raras de aves da Europa, a freira-da-madeira (Pterodroma madeira). Existem apenas 40 casais desta espécie. Evidentemente que a transmissão de um simples vírus pode ser fatal para esta população. No entanto, isso não implica o desconhecimento. Até pelo contrário, caso qualquer pessoa encontre este animal e não o conhecer poderá pensar que é outra espécie Pterodroma e não lhe dar a importância que a sua fragilidade ecológica implica. Foi aliás por este desconhecimento ser tão elevado aliado à necessidade de melhorar a vigilância militar, que se chegou a equacionar a instalação de um potente radar na área, o que poderia ter extinguido a população e a espécie. Portanto, há que conhecer para poder preservar.

Neste sentido, um Presidente de uma Junta de Freguesia dos Açores, o Sr. Carlos Carepa dizia, com enorme pertinência, nos Encontros de Porto Pim (organizados pela Direcção Regional do Ambiente); “Como querem que a minha população preserve o Monte da Guia (Ilha do Faial) se não fizermos ideia do que está a ser protegido? Como poderemos colaborar?!”

Mas mesmo eu vejo alguns limites. Há uma espécie de planta da qual em todo o mundo há apenas um genoma (ver Notas). Como algumas plantas se podem reproduzir assexuadamente (sem necessitar de par), o facto de existir apenas um genoma não significa o fim da espécie. Esta planta tem-se assim dividido e apenas em volta de um único charco no mundo. Aí diversos indivíduos, exactamente iguais, continuam a existir. Caso alguém mal intencionado destrua aquela população, acaba-se uma espécie. A situação é de tal forma frágil que o local não está protegido, havendo apenas um grupo de pessoas que, informalmente, o visita periodicamente para se certificar que este organismo não desaparece. Como esta, haverá diversas situações por esse mundo fora. O que fazer? Divulgar e condenar a espécie ao vírus transportado por um qualquer curioso? Ou manter o segredo até que a planta volte a diversificar o suficiente? A resposta não é nada fácil. E fico aliviado por não ter que ser eu a decidir.

Entre a situação de espécie livre de perigo e a situação de extraordinariamente ameaçada há uma grande diferença. Da decisão sobre as eventuais restrições a implementar num ou noutro caso deve sempre beneficiar o valor ambiental em causa. Mas nunca esquecendo que a melhor forma de preservar é, por norma, utilizando.

As ilhas do Corvo e das Flores são as que, nos Açores, apresentam maior índice de endemismos na flora terrestre. Os motivos podem ser muitos, mas neles incluem-se certamente o baixo nível de uso do solo para a agricultura e a falta de criação intensiva de gado. Se assim é, imagine-se o número de espécies que se perderam nas outras ilhas dessa região autónoma? E por este país fora? Quantas soluções farmacológicas? Quantos benefícios para o eco-turismo?

Notas:

Agradecimento ao Professor Eduardo Dias por me ajudar a entender os dilemas e as soluções na conservação da natureza terrestre.

Genoma: Conjunto completo dos factores hereditários.

Publicado na coluna "Casa-Alugada"

segunda-feira, 26 de abril de 2004

As ONG-A

Em Portugal a defesa do meio ambiente tem sido tradicionalmente conduzida pelos meios relacionados com as Universidades. Não seria necessariamente assim e noutros países não o é. De um modo geral, os investigadores universitários, como método de trabalho, têm de estudar e analisar os dados existentes e realizar observações e experiências (no terreno ou em modelos) destinadas a obter novas informações e, por último, partilhar o conhecimento adquirido com os outros, investigadores ou simplesmente interessados.

Talvez por ser um país pequeno, em Portugal, os investigadores universitários têm sentido a necessidade de ir mais longe, participando nas causas ambientais quando isso é premente. E no caso do ambiente marinho é mais do que premente, é urgente!

Por essa razão constatamos que as intervenções das Organizações Não Governamentais são conduzidas por cientistas e nas discussões públicas o parceiro que defende o ambiente é, tipicamente, o representante da Universidade. Mas na realidade não deveria ser assim. O papel do investigador universitário é disponibilizar informação e o defensor do ambiente deveria ser um parceiro independente da pesquisa, como aliás mandam as boas regras da investigação. É que, potencialmente, a defesa do ambiente pode não coincidir com as indicações científicas existentes. Um exemplo prático são as acções de protecção dos cetáceos. Não há razões cientificamente validadas que possam justificar a protecção de todas as espécies de baleias e golfinhos. Se algumas das espécies têm realmente efectivos baixos e têm que ser defendidas a todo o custo, outras populações têm números robustos, não se justificando uma protecção tão intensa. Estas últimas, do ponto de vista de um biólogo marinho, são apenas animais e podem ser utilizados (incluindo captura ou a simples observação)como qualquer outro recurso. O resto, e que justifica a sua protecção, são conceitos económicos e sociais discutíveis do ponto de vista científico. Para nós, Ocidentais (eu incluído), as baleias e os golfinhos são “nossos amigos” assim como, nalgumas sociedades Orientais, a vaca é sagrada. Para nós Ocidentais é impensável matar um cão, quanto mais comê-lo, mas no resto do mundo não é assim.

São este tipo de contradições que dificultam a participação de alguns investigadores universitários nos processos de discussão pública. Na realidade questionam-se da validade de sair à praça pública defendendo posições não fundamentadas em boa argumentação científica. O risco de cair em armadilhas é demasiado elevado e depois corre-se o risco de perder a confiança no investigador: “se ele defende todas as espécies de golfinhos que, de um ponto de vista estritamente biológico, são indefensáveis, como é que eu posso acreditar que tem razão ao afirmar que aquele rio está mesmo poluído?” pensará um qualquer parceiro duma discussão pública.

Mas então o que é que falta para que os investigadores científicos possam desempenhar o seu papel de principais depositários de informação exacta e metodologias de intervenção nos processos de discussão pública? Para que isso fosse possível, para que se pudessem remeter estritamente ao papel que lhes é próprio, seria necessário que aparecessem os restantes agentes sociais. Seria esplêndido que o público interessado, o que gosta de ver os programas do canal Discovery ou que lê as revistas National Geographic ou Mundo Submerso, perceba que “ali ao lado” estão a decorrer processos de discussão pública que necessitam da sua participação. Indo mais longe, é necessário que todos os agentes sociais estejam presentes.

Há uns dias atrás, em Ponta Delgada, estive num Seminário sobre Gestão Participada nas Zonas Costeiras (organizado pelo Centro de Conservação e Protecção do Ambiente, peloIMAR - Laboratório Marítimo da Guia e pelo NOAA Coastal Service Center) começámos a listar os potenciais participantes em processos simples de discussão pública. Quando parámos já íamos em várias dezenas, porque, vendo bem, todos temos interesses a defender quando se trata de gestão ambiental. Até o Padre terá fortes razões religiosas e culturais para participar nos processos que irão definir o ordenamento territorial, obviamente. Referi o Padre como podia falar no Capitão do Porto, no industrial da zona, no comerciante, no veraneante e tantos outros... No entanto, não me parece que estejam alertados ou sensibilizados tanto para a pertinência como para a necessidade. Uns porque dá muito trabalho outros porque não se querem incomodar, outros ainda porque pensam – e o tempo vai-lhes tirar a razão – que a falta da sua participação inviabilizará um acordo consequente. Neste último grupo estão os industriais poluidores e os políticos incompetentes que esfregam as mãos de contentamento enquanto os pescadores se degladiam com os parceiros ligados à conservação. Enquanto eles não se entenderem os industriais podem continuar a poluir e os políticos a alegar que não podem legislar porque os parceiros não se entendem.

Longe de atribuir culpas, alerto simplesmente para a necessidade imperiosa de se tomar medidas para a preservação e recuperação do ambiente. É absolutamente necessário. A participação do leitor, sim, do senhor ou da senhora que está a ler estas linhas, é imprescindível! A forma de o fazer dependerá dos interesses e competências de cada um, mas para a generalidade do público, a melhor forma de intervir será através das Organizações Não Governamentais para o Ambiente (ONG-A). Há muitas e saudáveis organizações deste género que estão prontinhas para o receber. Escolha bem, porque, como em tudo, há bons e há maus exemplos. Não referirei as más, mas entre as que produzem trabalho consequente, em Portugal, temos a Liga para a Protecção da Natureza, a Quercus e a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e haverá certamente outras. Pelo menos estas três terão algo de bom e consequente em que o leitor poderá ajudar. A nível local há sempre uma ONG-A que luta para conseguir fazer passar a sua mensagem. Desde Trás-os-Montes aos Açores conheço muitos e bons exemplos. O fortalecimento destas instituições é crucial para que passem a ser parceiros mais considerados pelos governantes. É garantido que sem ONG-A fortes “aquele” problema ambiental que o leitor “conhece” dificilmente será resolvido. Por isso, caro leitor, mexa-se, participe! Não há razões para ficar em casa. Bem ao contrário o Ambiente – o seu Ambiente – precisa de si. Acuda-lhe!


Publicado na coluna "Casa-Alugada"

sexta-feira, 26 de março de 2004

Vasculhando a agenda recente do nosso Presidente

"Se as opções em termos de ambiente não forem razoáveis agora, serão trágicas no futuro" e "se tivermos um poder político fraco, susceptível de navegar ao sabor de pressões, teremos más decisões" afirmou o nosso Presidente da República numa recente visita a Alcochete ao verificar alguns investimentos no mínimo discutíveis em termos de impacto ambiental. De facto, esta é a grande opção a curto e médio prazo e que terá consequências inalteráveis a médio e longo prazo. As decisões estão nas nossas mãos. A responsabilidade final não é do investidor corrupto, não é do presidente da Câmara audaz, é nossa! Está nas nossas mãos a capacidade de denunciar as situações menos claras. Nós somos todos responsáveis! Temos de nos integrar nas Organizações Não Governamentais para o Ambiente e defender o que resta.

Já o referi várias vezes e alerto outra novamente, que é urgente avançar no ordenamento participado de Áreas Marinhas Protegidas! Não percebo muito do resto do mundo, mas sei que em Portugal as pescarias estão em colapso, apesar de alguns esgares, qual semi-defunto, sei que a qualidade dos efluentes continua a não ter a qualidade desejável, sei que o ordenamento litoral está a ser mal gerido. Tudo isto tem consequências.

Em Alcochete o nosso Presidente referiu ainda que o país tem de ultrapassar a "terrível e tradicional propensão para a quezília mesquinha e paralisante", ou seja, e aproveitando as suas palavras: chega de chutarmos as culpas de uns para os outros; temos de passar à acção! Porque “as razões fundamentais de muitos adiamentos em matéria destes temas é que eles não têm urgência, à vista de outros". Teremos de ser nós, os mais esclarecidos e os mais apaixonados pelo ambiente, a colocá-lo no calendário político.

Não podia concordar mais com o nosso Presidente quando, numa visita realizada ao Instituto Português para a Investigação do Mar, afirma que "só podemos ter um Estado com linhas de orientação definidas se a política acompanhar a investigação científica" e "o sucesso da investigação será o sucesso de Portugal", até porque sou parte interessada enquanto investigador. Mas teremos de dar as ferramentas aos investigadores. Neste momento, um investigador recém licenciado não tem qualquer esperança em obter um lugar estável no nosso país e obterá o seu primeiro ordenado decente após obter o doutoramento, ou seja, pelo menos 5 anos após a licenciatura. Repare-se nas recentes afirmações dos dirigentes do Instituto de Tecnologia Química e Biológica e do IPIMAR que admitiram não ter recursos financeiros para pagar aos seus investigadores. Quantos de nós se manterão em Portugal? Dos que saíram, quantos voltarão? Verifico sem espanto que Portugal é incapaz de manter os seus melhores investigadores por cá. Fora da Europa, têm os recursos financeiros e as estruturas organizadas para que as coisas funcionem. Em Portugal e na Europa continental, não. Apenas regressam os que mantêm laços demasiado fortes com o nosso país ou os que dependem do espaço para investigar. Por exemplo, não faz muito sentido estudar as pescas portuguesas baseados em países estrangeiros. Por falar em pescas, não resisto a registar a presença das primeiras embarcações de pescas nos mares dos Açores a meio de Janeiro. Será o princípio do fim dos mares de Portugal?

Apesar de operar alguns dos melhores instrumentos para exploração marinha como o submarino “Nautile” ou o veículo de operação remota “Victor”, em França as perspectivas não são melhores. Mais de 100 mil cientistas, investigadores, engenheiros e professores manifestaram-se contra algumas medidas governamentais que estão a deslocar o conhecimento para o estrangeiro. O caso não é para menos, 400 mil cientistas europeus vivem nos Estados Unidos, auferindo ordenados simplesmente condignos.

Voltando a Portugal. Peguemos nos mais reconhecidos cientistas portugueses da actualidade: António Damásio e João Magueijo. Verifiquemos onde vivem? Estados Unidos da América e Reino Unido. Portugal, ao mais alto nível, já entendeu que o caminho que está ser seguido é errado. As boas notícias são que apenas falta mudar o resto!

Nota: algumas das referências e citações feitas neste artigo resultam de notícias publicadas no jornal Público, podem ser consultadas em:

http://jornal.publico.pt/2004/01/28/Sociedade/S15.html

http://jornal.publico.pt/2004/01/28/Sociedade/S15CX02.html

http://jornal.publico.pt/2004/01/30/Ciencias/H01.html

e na Revista Time de 19 de Janeiro de 2004, pág. 32-39.


Publicado na coluna "Casa-Alugada"