sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Crónicas do Voo do Cagarro - 40: Sobre o campeonato do mundo de futebol

Ninguém me tira que se tivessem jogado de início os três jogadores do Benfica selecionados para o Mundial, Portugal jamais teria perdido contra Marrocos. Sim, eu sei, sou mais encarnado do que se pede a um comentador imparcial…
Agora mais a sério. A verdade é que Portugal perdeu o jogo, como já havia perdido contra a Coreia do Sul, porque não mereceu ganhar. No futebol, merece ganhar quem marca mais golos que o adversário e apenas isso. Nós marcámos menos nesses dois jogos, logo perdemos. Não é um drama, até porque chegámos aos quartos de final. Com alguma desculpável falta de rigor, podemos dizer que estamos entre as oito melhores equipas do mundo.
Por vezes, ouvimos as pessoas dizerem que não há justiça no futebol. Estou em desacordo. Há justiça e ela é clarinha: quem marca mais golos ganha. É tão simples.
Claro que podemos pensar que não há justiça no processo até se marcar mais ou menos golos que o adversário. Aí entra a habilidade, o empenho e a inspiração dos jogadores, a sorte e a clarividência e a imparcialidade do árbitro. Ou seja, se o somatório destes factores for superior ao dos adversários, a equipa é imbatível.
Fica evidente que não podemos controlar os factores relacionados com a sorte e com a arbitragem. Portanto, a única forma de ter a certeza que ganhamos um jogo é se os nossos jogadores forem muito superiores aos adversários. Ou seja, tão superiores que nem uma maré de azar e um árbitro que tenha dormido mal possam beliscar as nossas hipóteses. Portanto, ao colocarmos em campo jogadores que estão a jogar mal nos seus próprios campeonatos ou que estejam cansados, e não vou dizer nomes, estamos a expor-nos às intempéries do futebol.
Os marroquinos jogaram bem e nós jogámos bem. No entanto, nem nós nem eles jogámos tão melhor que o outro que nos pudéssemos arrogar ao direito de vencer. A seleção de Portugal, que é quem me interessa, jogou melhor do que a seleção de Marrocos, mas… não jogou tão bem que se pudesse libertar dessa outra componente intrínseca do futebol: a sorte e a arbitragem.
Se repetido, quantas vezes o João Félix falharia aquela cabeçada no início do jogo permitindo que o guarda-rede defendesse? Quantas vezes Bruno Fernandes acertaria na barra? Lá está, a sorte... Não tivemos sorte. No entanto, se tivéssemos tido o engenho para cabecear e chutar mais vezes, algumas delas teriam entrado, apesar das capacidades sobre-humanas do guarda-redes adversário, e nós teríamos ganho o jogo. Resumindo, não jogámos tão bem que pudéssemos superar a superioridade do guarda-redes e o azar que nos bateu à porta.
Ouvi alguns jogadores de Portugal no final do jogo a referirem-se ao que eu interpreto como a indulgência do árbitro perante o potencial adversário mais fraco para o seu país. De facto, sendo o árbitro argentino, poderia estar interessado que a seleção menos capaz fosse apurada para jogar com a seleção das suas cores e, mesmo que inconscientemente, acabar por privilegiar La Albiceleste.
Pode ser verdade, e a FIFA deveria pugnar para evitar este tipo de possibilidades de interpretação, até porque não faltam árbitros com menos conflitos de interesses. No entanto, isso faz parte do futebol. Até poderia o árbitro não ser argentino, mas simplesmente ter um qualquer fait-divers contra Portugal. A única possibilidade é jogar tão melhor que o adversário que nem isso nos possa tocar. Se não o formos, colocamo-nos à mercê da tal intempérie.
Portanto, Portugal perdeu e Marrocos venceu e com mérito porque no somatório dos golos marcou mais que a equipa das quinas. Como me ensinaram os meus pais, perante a derrota, felicita-se o adversário. Parabéns Marrocos, para a próxima ganhamos nós!
Se olharmos para as mais de 200 equipas que participam no Mundial, desde a fase de apuramento até à final, apenas uma erguerá os 6,1 quilos que pesa o troféu da FIFA. Quando escrevo este artigo, apenas os apoiantes de uma e apenas uma destas equipas poderão ficar plenamente felizes: Argentina, Croácia, França ou Marrocos. Não parece haver outra hipótese. No entanto, será realmente assim?
Um optimista militante como eu não se contenta com isso. Portanto, arranjei argumentos para ficar feliz com qualquer que seja o vitorioso. Tenho uma filha com nacionalidade francesa e a França pertence à União Europeia, tal como a Croácia, onde também tenho bons amigos. Pela Argentina jogam (e muito bem) dois benfiquistas. Marrocos, como derrotou Portugal, merece ganhar o Mundial. Portanto, vença quem vencer, eu vou estar do lado feliz. Apenas desejo ver bom futebol!

Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

O futuro constrói-se com Áreas Marinhas Protegidas

Garoupa no Mar dos Açores.
Foto: F Cardigos

No dia em que se celebra do Dia Nacional do Mar, dia 16 de novembro, redijo algumas linhas sobre um poderoso instrumento de gestão: as áreas marinhas protegidas. A minha definição para área marinha protegida é um local marinho, geograficamente bem definido e com regras implementadas para a gestão do ponto de vista da conservação patrimonial.

Vale a pena dissertar sobre algumas das expressões que utilizei. Começo pelas “regras implementadas”. As definições legais sobre a área em causa, caso não sejam implementadas, inviabilizam a utilização do nome de Área Marinha Protegida. Passam a ser “Reservas de Papel”, uma expressão jocosa, mas, infelizmente, pertinente para as zonas que foram definidas por lei e que continuam sem plano de gestão funcional.

Em sentido quase contrário, refira-se que não é necessário haver uma decisão legal sobre a existência de uma área marinha protegida para esta o ser. Basta que as regras implementadas sejam respeitadas. Penso na Reserva Marinha do Caneiro dos Meros, no Corvo, em que não foi definida qualquer área do ponto de vista legal e as regras estabelecidas pelos utilizadores são respeitadas há mais de vinte anos.

“Conservação patrimonial” é a outra expressão pela qual quero passar para, essencialmente, alertar para que a conservação pode ter um ponto de vista de mundo natural, talvez seja mesmo o mais comum, mas também pode ter um ponto de vista histórico ou mesmo social. Mesmo nos Açores, há áreas marinhas protegidas definidas para proteger património arqueológico (casos da Baía de Angra do Heroísmo, na Terceira, e do Parque Arqueológico Subaquático do Dori, em São Miguel). Apesar de não existirem nos Açores, há pelo mundo locais classificados como áreas marinhas protegidas puramente por razões sociais (militares, religiosas ou espirituais).

No entanto, a maioria das áreas marinhas protegidas têm uma génese relacionada com a conservação da natureza. Essas áreas marinhas protegidas servem para preservar espécies e habitats, para ajudar na recuperação ecológica de áreas desfavorecidas ou para auxiliar na gestão dos recursos biológicos para atividades como a pesca.

Hoje em dia, há poucos temas que sejam tão consensuais nos Açores como o são as áreas marinhas protegidas. Os partidos que alternam no poder têm visões similares e a sociedade, no geral, apoia a implementação deste instrumento.

Noutros tempos não era assim. Lembro-me da resistência de alguns utilizadores e mesmo de cientistas… Felizmente, são tempos passados.

Hoje, as grandes críticas são não se avançar ainda mais rapidamente na definição de mais e maiores áreas e aumentar a eficácia da fiscalização nas áreas existentes. Evidentemente, pelo ponto de vista de um ambientalista, como eu sou, nunca será suficiente tudo o que seja feito, mas, em abono da verdade, o que foi feito e o que está a ser feito são passos de gigante.

Os Açores têm um Parque Marinho e parques naturais de ilha que assinalam já uma parte muito interessante dos bens patrimoniais existentes. Ao mesmo tempo, os governos estabeleceram e aumentaram a sua própria ambição no que diz respeito à área a classificar. O objetivo neste momento ambicionado está em linha com o definido pela Comissão Europeia no “Pacto Ecológico Europeu”.

Falta garantir que as áreas tenham uma ainda melhor gestão e que essa gestão inclua uma fiscalização mais incisiva, que ajude, por exemplo, a estabilizar o empreendedorismo no turismo subaquático. Nada se faz de uma vez só e, por isso, estou confiante que haverá uma boa sequência da estratégia que está a ser implementada.

Neste momento, através de uma parceria com o Waitt Institute e com a Fundação Oceano Azul denominada “Blue Azores”, o Governo dos Açores, acompanhado pelos melhores investigadores do Instituto Okeanos e da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade dos Açores, tem uma equipa de especialistas a trabalhar na temática das áreas marinhas protegidas.

Estou confinante, mas não sou apenas eu. Os Açores foram recentemente classificados como “Hope Spot” e têm áreas marinhas protegidas implementadas em conjunto ou mesmo por pressão da comunidade piscatória.

Claro que tenho de estar otimista e quero estar otimista, mas reconheço que ainda falta uma parte grande de um percurso longo. Portanto, também no Dia Nacional do Mar, há que arregaçar as mangas e fazer!

 

Frederico Cardigos é biólogo-marinho no Eurostat. As opiniões manifestadas neste artigo são totalmente pessoais e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia. 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Crónicas do Voo do Cagarro - 39: Com covid no Luxemburgo

Teste covid positivo.
Por F Cardigos

Tinha ótimos planos para escrever um artigo interessantíssimo e que a todos iria agradar. Leitura leve, informativa, com piada e compensadora… Infelizmente, para minha desgraça e vossa infelicidade, apanhei covid.
Estou no Luxemburgo, em casa, em isolamento, mal-encarado e sem qualquer sentido de humor. Comparando com casos extremos da doença, estou bem e devo agradece-lo aos deuses e à ciência. Mas… por outro lado… por favor, aturem-me que eu já não consigo.
Tenho aqueles sintomas habituais e entediantes de gripe leve, como dores musculares pouco intensas e cefaleia ligeira. Estou no nível irritante de “nada de especial”. E até tinha começado bem. Ontem à noite, os primeiros sintomas incluíram febre e suores frios. Uma coisa como deve ser.
Deitei-me para ver se passava. Seguiram-se sonhos muito estranhos e intensos que incluíram resolver várias equações e, depois, a resolução do Último Teorema de Fermat, concluindo com algo como “é tão simples e impossível ao mesmo tempo”. Não, na realidade, não é. É muito complicado e possível, mas no meu sonho era assim. Quem pode negar um sonho durante o sonho?
De seguida, os meus sonhos deram-me um vislumbre do universo antes do Big Bang. Não era muito animador e, provavelmente, fake news. Depois vieram sonhos cheios de números que preenchiam um espaço bidimensional e mudavam a cada momento. A “missão” era encontrar padrões e, mais uma vez, claro, resolvi desafio após desafio. No entanto, como eles não paravam, fiquei muito cansado e resolvi acordar.
Acordei a meio da noite totalmente convencido que era mesmo necessário encontrar os padrões numéricos que povoavam o espaço bidimensional. Fui até à sala, sentei-me no sofá e fiquei a tentar relembrar-me das sequências numéricas. Só então compreendi que, afinal, ainda estava na cama, a dormir e tudo aquilo fazia parte do sonho.
Acordei. Desta vez acordei mesmo. Sei isso porque pude pensar em todos os sonhos que tinha tido até então e compreendi que não faziam qualquer sentido. Sim, eram engraçados, continham uns pontos até com alguma dinâmica e imaginação, mas sonhos… Estava oficialmente acordado.
“Portanto”, pensei para mim próprio, “com esta sequência de sintomas e sonhos delirantes, muito provavelmente estou doente”. Estando no centro da Europa, doença significa covid. “Ok, amanhã faço um teste”. Acordei bem-disposto com uma “gripe ligeira”. Apenas por descargo de consciência faço um teste rápido e sou bafejado com duas belas barrinhas… Temos pena.
Estou demasiado doente para ler um livro ou ver televisão, mas estou bem o suficiente para estar acordado. Entretenho-me a contar os carros que passam na rua e a trepar paredes… Que tédio…
Oiço todos os ruídos do prédio, incluindo alguns que não existem. O jovem que ouve música no segundo direito, o besouro da loja de baixo que é ativado cada vez que alguém entra, os carros que passam (já tinha falado nos carros?), o casal que conversa na rua, os carros que apitam e os que não apitam… E as moléculas?! Projetam-se umas contra as outras produzindo uma salada de frutas sinfónica, cheia de sopranos saltitantes e oboés desafinados. Clarinetes, clarinetes… Não eram oboés.
Sei que devia estar grato e muito contente por ter apanhado uma versão ligeira da doença e por estar convenientemente vacinado. Estou cheio de sorte por estar acompanhado por alguém que prescindiu da sua segurança de saúde para me apoiar neste período potencialmente perigoso. Sincero, obrigado!
Mas… A verdade é que não tenho qualquer paciência para estar doente. “Não tenho tempo para isto, pá!” Tenho coisas para fazer, um artigo para o jornal para escrever e tantas outras coisas simpáticas. Isto não. Estar em casa, olhos pregados no infinito à espera que passe, é demais para mim. Como dizem os francófonos, ça suffit! E no entanto… Aturem-me, por favor, aturem-me que eu já não consigo.

Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Crónicas do Voo do Cagarro – 38: Falar emigrante

Igreja de Torhout, Bélgica.
Foto: F Cardigos

À saída dum centro comercial no Luxemburgo, quatro raparigas, aparentemente de origem portuguesa, estão a conversar com uma felicidade que contagia. Reparei primeiro na linguagem corporal que deixava adivinhar palratório jocoso sobre qualquer coisa pouco importante, mas com risos e sorrisos que extravasavam aquele lugar. Falavam num alemão meio estranho, que me pareceu poder ser luxemburguês. No entanto, por vezes, saltavam para o português e, uma delas, possivelmente francófona, optava preferencialmente pelo francês.
Tinha que tirar o cadeado da bicicleta e fiz por demorar. Queria tentar entender o falejar para o conseguir colorir com uma história. Mas o grupo saltava de língua em língua, fazendo com que apenas uma pessoa que soubesse as três as pudesse entender. Eu sabia duas delas e não entendi. Pareceu-me serem estórias ocorridas num concerto musical em que tinham estado há pouco tempo. Mas seria…?
Só então compreendi! Engenhoso! O saltar entre línguas não era consequência do acaso ou da necessidade. A permanente mudança era uma estratégia. Aquela salada de frutas babilónica estava sabiamente gizada, possivelmente polida ao longo do tempo, para que ninguém as conseguisse entender facilmente.
O português, para os portugueses, cabo-verdianos e brasileiros ou seus descendentes e amigos próximos, é como uma língua de resistência no Luxemburgo. Por exemplo, a miudagem usa o português com enorme animação para poder comunicar como se fossem espiões em missão secreta a falar com o quartel-general.
Há apenas um problema crescente. Como há cada vez mais lusófonos no Luxemburgo, o português deixou de ser uma forma segura de segredar. Estas jovens discretas, que certamente aprenderam luxemburguês numa escola do Grão-Ducado, compreenderam que a maioria dos lusófonos não sabe este idioma, e, voilà, polvilham agora as suas conversas, apenas aqui e ali, onde é necessário para se ficar completamente perdido.
A mistura de línguas por parte dos emigrantes é resultado de uma conjunção de vários motivos. Para além dos que já mencionei, há também a questão da praticalidade. Qualquer língua tem palavras que lhe são originais e para as quais a tradução não é simples. A clássica, para nós portugueses, é a impossibilidade de traduzir “saudade”. No entanto, os exemplos são múltiplos. Vejam como os anglófonos e as anglófonas não têm uma palavra com a força de um “amar”, embora, certamente, amem como os outros.
Há quem veja uma ameaça na mistura de línguas. Consideram, com legitimidade, que o perigo de descaracterização é real. Pelo contrário, eu tendo a considerar que a mistura de línguas num idioma robusto é uma forma de enriquecer e diversificar a comunicação. Para mais, a evolução linguística é uma inevitabilidade. O português falado no século XIX era diferente daquele que falamos hoje e será diferente do português do futuro. E, no entanto, o português resiste e brilha! Tentar parar no tempo é inútil e um passo, mesmo que pequeno, para a intolerância.
Isso não significa que seja contra as definições ortográficas (Acordos e outros). Temos que comunicar com o Estado e isso implica regras bem definidas. Já quanto ao resto… deixemos a língua evoluir!
De facto, gosto de parar e ficar a saborear a musicalidade de quem fala diversas línguas com tal à vontade que pode saltar de uma para outra como se estivesse sempre na mesma. Alguns consideram pífio meter umas palavras de “estrangeiro” no meio das frases. Não concordo. Há uma diferença entre fazê-lo com naturalidade, utilidade, espontaneidade e beleza ou de forma forçada, inconsequente e exibicionista.
Mesmo os flamengos da Bélgica, que defendem a sua língua como poucas vezes vi, metem um “merci” para fortalecer o agradecimento, que na sua língua se fica por um fracote “dank u”. No entanto, talvez para reforçar a sua originalidade, arrastam e atenuam o “R”, resultando num totalmente diferente mérêci. Lindo! O Professor Vítor Rui Dores, o melhor e mais sensível estudioso de pronúncias que conheço, iria adorar “mergulhar” na Flandres e fomentar ainda mais pontes com a ilha do Faial. Quem sabe isso pudesse nascer à luz de uma geminação da Horta com a cidade originária de Josse van Huerter, Torhout na Bélgica…
Algumas pessoas, poucas, conseguiram elevar esta capacidade de misturar línguas numa arte. Penso em particular no Manu Chao em canções como “Welcome to Tijuana”, no Cristóvam e o seu (nosso?) “Andrà Tutto Bene”, penso na “Força” da Nelly Furtado, nos “Pós-Modernos” dos GNR e vem-me à memória uma sublime cantilena de Caetano Veloso, “Língua”; ah como ele canta, “A língua é minha pátria, E eu não tenho pátria, tenho mátria, Eu quero frátria”.
Acabo de tirar o cadeado da bicicleta. Sento-me no selim, pedalo em direção ao por-do-Sol recordando-me dos sorrisos que acabei de ver e do poema que ouvirei daqui a pouco, “Die Meister, Die Besten, Les grandes équipes, The champions!”. Sim, o Benfica vai jogar contra o Maccabi Haifa, em Israel, e o hino que o antecede é também um hino a esta belíssima diversidade linguística e tolerância que grassa pelo nosso velho continente. Viva a Europa!


Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Crónicas do Voo do Cagarro - 37: Tão importante como aprender a voar

A história andava à volta de uma pessoa que se tinha atirado do alto de um penhasco com uma asa às costas. Inicialmente, o dispositivo parecia ter funcionado bem, mas, a meio do voo, algo correu mal e o homem-voador despenhou-se. Ficou muito mal tratado, entre a vida e a morte, numa zona alta e remota. Com uma tempestade de vento e neve à espreita, havia que decidir rapidamente o que fazer para o salvar.
Esta história fictícia dividiu apaixonadamente um grupo de pessoas, eu incluído, à volta da mesa do café algures no centro da Europa. Uns quantos, a que chamarei de “os bons-samaritanos”, defendiam o uso de helicópteros para facilitar a aproximação inicial de uma equipe médica especializada em traumas de alta montanha. Esta equipa seria acompanhada de cães pisteiros para localizar rapidamente a vítima e, depois de prestados os primeiros socorros, todos seriam transportados sãos e salvos para o hospital mais próximo.
No entanto, para mim, o mais surpreendente foi existir um entusiasta segundo grupo, a que chamarei “os materialistas”. Para estes, qualquer gasto para salvar “um louco” seria supérfluo, autenticamente “deitar dinheiro fora”. “Ainda para mais”, referiam, com uma tempestade a aproximar-se, seria impensável “colocar em risco a vida de médicos, pilotos de helicóptero, e até dos cães e da aeronave, a troco de um alucinado em busca de adrenalina!”.
Fiquei surpreendido porque, ao vir dos Açores, ao ver como a Marinha, a Força Aérea, os Bombeiros ou os vizinhos de cada um arriscam a vida para salvar o próximo me é absolutamente natural empenhar o que se pode e, às vezes, o que não se pode para salvar seja quem for. Claro que se equaciona a segurança e, sabiamente, se arrisca até ao limite das próprias capacidades ou do material que se tem à disposição. Agora, jamais ouvi alguém nos Açores a hesitar num salvamento por colocar em questão o mérito da vítima. É tão natural que nunca tinha pensado nisto até esta refeição.
Quando o pessoal médico e de enfermagem entra nos aviões para ir buscar uma pessoa a outra ilha, a única questão é se a tempestade o permite e jamais qual a profissão da vítima. Não nos faz sentido. No entanto, pelo que pude verificar, longe do nosso território, este aspecto é colocado em consideração.
Lembro-me, em muito miúdo, de me contarem as aventuras do Mestre José Augusto quando enfrentava as ondas de inverno do canal entre as Flores e o Corvo. Ao leme de uma pequena embarcação de seis para sete metros, a “Ribeira da Cruz” ou a “Eduína”, lá ia vagarosamente, buscar um doente para o levar ao hospital de Santa Cruz. Nas suas histórias, as que me foram contadas por ele ou por outros, jamais ouvi questionar se o doente em causa merecia ou não.
Recentemente, ouvi o relato de um sobrevivente de um acidente de comboio em Portugal continental. Hoje em dia, o que tira a o sono a este sobrevivente, não é o acidente, nem as fraturas e o corpo queimado. O que lhe tira o sono é a pessoa que não conseguiu salvar. E isto mesmo depois de, arriscando a vida, ter salvo duas pessoas. A terceira, “uma menina...”, disse ele na entrevista, “Eu já tinha o corpo a arder e não consegui, tive que fugir”. E tinha mesmo 70% do corpo a arder, como puderam verificar os médicos e como, hoje, podemos verificar nas suas cicatrizes. No entanto, o que lhe pesa ao ponto de não ficar tranquilo é não ter conseguido salvar aquela menina.
Claro que me tenho de perguntar o porquê desta diferença de pensamento entre algumas pessoas que vou encontrando aqui pelo meio da Europa e no nosso país, e em particular nas nossas ilhas. Adoro a pluralidade e a liberdade de pensamento, mas... neste caso é mesmo diferente.
Depois de refletir, penso que há uma resposta simples: a cultura. Nos Açores, desde que as ilhas foram povoadas que, nos dias mais complicados, dependemos mesmo do nosso vizinho. Nós dependemos dele e ele depende de nós.
Acrescenta-se a isso a questão filosófica ligada ao primado da vida que nos é incutida pela educação cristã, presente mesmo nos não crentes. Para nós, há sempre que olhar para o próximo e garantir que se encontra suficientemente bem.
Voltando à discussão, tentei ripostar com uma linha de argumentação que se aproximava deste racional. Nada a fazer. Os materialistas não vergaram um centímetro.
Acabei por usar o argumento do valor da diversidade de pensamento e de opções. Esta linha de pensamento passa pela valorização de formas de estar e pensar que são diferentes do comum e que, em situações extraordinárias, podem ser um activo para a sociedade.
Dando um exemplo, Mahatma Gandhi ousou pensar de forma totalmente diferente. Para a restante sociedade, Gandhi era um louco que apelava à resistência não violenta. Porém, com isso, liderou uma revolução que resultou na libertação da Índia.
Curiosamente, este foi um argumento que colheu frutos. Ou seja, os materialistas apenas concederam usar recursos para salvar o homem voador quando lhe conseguiram atribuir um valor superior ao que apelidaram de “louco sem utilidade”. Como se pudéssemos ter a veleidade de condenar alguém à morte…
Tão importante como aprender a voar é compreender que o valor de um ser humano é intrínseco à sua existência. Não há, em democracia e em liberdade, uma pessoa que tenha menos valor potencial do que outra. Se houver, essa decisão fica para ser tomada à entrada do paraíso, para quem nisso acreditar...

Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Crónicas do Voo do Cagarro - 36: Do inútil ao brilhante

Entre as muitas coisas inúteis que faço, há o gosto de verificar os jogadores e jogadoras que alinham nas minhas equipas de futebol favoritas. Verifico o nome, a nacionalidade, o percurso clubístico… Totalmente inútil. Sei que não faz muito sentido e que não abona a meu favor, mas a honestidade impõe que seja claro.
Enquanto escrevo este artigo, durante uma viagem de comboio entre Bruxelas e o Luxemburgo, na mesma carruagem que eu, há uma pessoa a fazer tricot, uma a trabalhar com muitos papeis, duas a olhar para o infinito, três a consultar compulsivamente as redes sociais através do telemóvel, uma a lutar com a sua consola de jogos, outra ainda a ocupar-se das suas cavidades faciais e muitas que não consigo entender o que estão a fazer. Entre as coisas inúteis que se passam nesta carruagem, talvez ler nomes de jogadores não seja assim tão grave… Provavelmente, abaixo do tricot e acima dos restantes, não?
Foi assim, a ler nomes, que me cruzei com o jogador Williams nas fileiras do Athletic de Bilbao. Poderia não ser importante, mas acontece que este clube é conhecido por apenas contratar jogadores com uma ligação muito profunda ao País Basco. “Williams não é lá um nome muito basco” foi o que retive e ia passar para a próxima equipa. No entanto, vendo bem, não era apenas um “Williams”, mas sim dois. Intrigante…
Sei que a minha curiosidade deveria ter sido mais forte, mas não foi. Dois Williams aparentemente perdidos na equipa de Bilbao impunham a minha imediata ação, mas não aconteceu.
A vez seguinte que ouvi o nome de um destes Williams foi num epílogo de um drama. Nicholas Williams acabava de fazer um passe mortífero para Álvaro Morata e este aproveitou para marcar contra Portugal e tirar o nosso país da Liga Europeia das Nações de 2022. Devia claramente ter sido suficiente para reter a minha atenção, mas, mesmo assim, não foi...
O meu cérebro não ligou as coisas até que li “A incrível história dos irmãos Williams: juntos no clube, separados na seleção”, no jornal Público. O artigo de Francisco Fernandes Ferreira está muitíssimo bem escrito e é aconselhável mesmo para quem não gosta ou simplesmente não entende o futebol.
Nicholas, extremo, é o mais novo e Iñaki, ponta de lança, o mais idoso dos irmãos Williams que jogam na equipa principal de futebol sénior masculino do Athletic de Bilbao. É habitual Iñaki passar a bola para Nicholas marcar e, ainda mais frequentemente, Nicholas passa e Iñaki fatura.
Iñaki está a ficar velhote para jogador de futebol profissional e, por diversas razões, nunca saiu do Athletic de Bilbao. É mesmo o jogador que mais vezes seguidas jogou na principal divisão espanhola.
Já Nicholas, ainda novo, está no momento de dar o salto e fala-se na sua saída para os milhões dos melhores clubes da Premier League, a principal liga de futebol em Inglaterra. Perante a escolha, a única exigência que fez para voltar a assinar pelo Athletic é que “de forma alguma” o seu irmão mais velho seja transferido para outro clube.
Nicholas está prestes a trocar, ou pelo menos a adiar, milhões de euros para poder continuar a ter o prazer de jogar futebol com o seu irmão no clube de ambos. A história pessoal dos irmãos Williams deixa vislumbrar que as razões para esta exigência de proteção familiar seja mais profunda e com génese a milhares de quilómetros de distância, mas, para o compreender na totalidade terá de ler o artigo do Público.
Os irmãos Williams, nitidamente africanos e orgulhosamente oriundos do Gana, a jogar no Athletic… Esta é, na realidade, uma história de heroísmo e superação, também no feminino, que vale a pena ler. Demorou, mas agora sou fã dos irmãos Williams.
A única coisa que vou aqui desvendar é que Iñaki joga pela seleção de futebol nacional do Gana e o irmão, como já referi, joga por Espanha. Se tudo lhes correr bem, nos quartos de final do campeonato do Mundo de Futebol que aí vem, os irmãos irão jogar um contra o outro num jogo oficial pela primeira vez.
Eu posso não saber o que farei até lá, nem o que farei no dia depois disso. Nesse dia em particular, seja lá quando for, poder-me-ão facilmente encontrar “colado” em frente a um ecrã de televisão. De previsível lágrima no canto do olho, lá estarei, paradoxalmente, torcendo pelos irmãos Williams.
Neste caso, passar de uma atividade inútil a uma história de superação estava à distância da minha própria atenção. Quantas vezes isso me terá acontecido? Nesta sociedade obcecada com a velocidade, a aceleração, a eficiência e a eficácia, quantas histórias edificantes ficarão por contar? Sinto que é cada vez mais importante desacelerar e, em vez de apenas olhar, há que ver atentamente a beleza do mundo.

* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Artigo de opinião escrito a título pessoal. As informações aqui transmitidas podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Crónicas do Voo do Cagarro - 35: A arte de cozinhar atum

Rabilo meio cozinhado. 
Foto: F. Cardigos

Não faço ideia como se cozinha bem. Sou um utilizador muito avançado de uma arte da qual apenas conheço os rudimentos. A minha sensação em relação à gastronomia é a mesma que tenho ao ser confrontado com a pintura realista do século XVIII. Compreendo a complexidade de reproduzir com rigor a paisagem, mas não faço ideia qual o treino e as técnicas utilizadas. Consigo, como todos, verificar se o pintado corresponde à realidade, mas há um hiato no processo sobre o qual não me posso pronunciar porque não tenho o conhecimento.
O mesmo acontece em relação à comida. Sei o que me sabe bem e consigo descrevê-lo com alguma precisão e muita paixão, mas não faço ideia do que aconteceu até ter aterrado no meu prato. Atenção, não sou inapto! Consigo cozinhar tudo aquilo que é necessário para ter uma alimentação saudável baseada na dieta mediterrânica. Mas, é tudo. Quando me falam em molhos “isto”, refugados “não sei o quê” ou demolhar… diluo-me noutros pensamentos…
Aquilo que perco na arte da conceção, não me belisca na nobre arte tão portuguesa de mal dizer o que estiver a deglutir. Criticar e elogiar! Aliás, prefiro mil vezes elogiar, até porque significa que estou contente com o repasto. Já aqui escrevi alguns artigos que passam pela gastronomia, tendo um sido mesmo totalmente dedicado à doçaria portuguesa, a melhor do mundo!
Num destes dias, num jantar com colegas, arrisquei tudo e, em pleno Luxemburgo, pedi rabilo meio cozinhado. Sabia que era um passo corajoso já que é muito fácil cozinhar mal o atum. Estando no Luxemburgo, um país não muito conhecido pelas suas pescas oceânicas (não tem) ou pelo peixe fresco, a probabilidade de chegar ao meu prato um peixe seco e sobre-cozinhado era elevada. Por outro lado, confortava-me ter já estado neste restaurante e, com outros pratos, ter ficado agradavelmente surpreendido. No entanto, atum, um prato particularmente caro às pessoas de mar, o risco era mesmo elevado.
Quando o empregado anunciou a chegada do meu atum, imediatamente parti para uma sublime viagem com o aroma do atum grelhado acompanhado pelo molho de tomate inteiro que o acompanhava. Detive-me a olhar para o prato, lindo, imaginando que, a partir daí, apenas poderia ficar desiludido. O naco de atum estava rebordado pelo vermelho do acompanhamento, numa belíssima coerência de contrastes. O cheiro e a imagem eram simplesmente arrebatadores. A fasquia tinha subido para patamares inauditos. Que sabor poderia estar perto daquele cheiro? Que textura poderia acompanhar aquela imagem?
Peguei no garfo com as pontas dos dedos da minha mão esquerda, esforçando-me por manter a calma, tentando esconder dos meus colegas a minha evidente curiosidade, mesmo excitação. Espetei o lombo verificando como cedeu com alguma resistência inicial ao garfo. A superfície do atum baixou o suficiente para compreender que, por dentro, estaria com um cozinhado diferente do quase crestante exterior. Bom sinal.
Agarrei a faca com a minha mão direita. Desloquei-a para se posicionar perpendicularmente ao garfo, preparando um corte lento e sereno, mas seguro, que permitisse a separação em fatia com cerca de meio centímetro de espessura. Balancei a faca para a frente e para trás, registando, conforme o interior se ia apresentando, como o crestante se transformava em cozinhado e, depois, no quase cru interior. Magnífico.
Os meus olhos cresceram perante o espetáculo que tinha pela frente. Acabei de separar o primeiro pedaço e levei-o à boca. Comecei a mastigar sentido perfeitamente o que acabava de ver, apenas polvilhado por um pouco de sal que, ali, pousava com natural complemento. Ah… tão bom, mas tão bom…
Lutei para comer devagar, esmerei-me para dar alguma atenção aos meus colegas e esforcei-me tentar apreciar o vinho que não estava mal… A certo ponto, pensei para mim próprio que será esta uma das refeições que estará certamente disponível no paraíso, se paraíso houver.
Voltei à terra o tempo suficiente para me persuadir que tinha de fazer uma qualquer observação aos meus colegas ou eles pensariam que estava em transe. Mentalizei-me para dizer alguma coisa entre cada garfada e de boca vazia, claro (há um mínimo de educação, mesmo perante uma refeição divinal).
Acalmei-me. Pensei em gestos e frases que me pudessem libertar do prato e levantar o olhar para os restantes convivas. Considerei adequado dissertar um pouco sobre a recuperação do manancial de rabilo, uma ação de gestão visionária e consequente por parte de todos os envolvidos. Depois falaria sobre as armações para a captura de tunídeos existentes no Sul de Portugal e Espanha e sobre as diferenças na sua utilização no passado e no presente. Pareceu-me bem falar sobre o impacto potencial da sobre-utilização de dispositivos de agregação de pescado no Atlântico Central para a pesca do atum na Macaronésia. Se houvesse oportunidade, exibiria orgulhosamente a fotografia subaquática de um enorme rabilo que tirei no Canal Faial-Pico... Raios…! Só pensei em falar sobre atum…
Estava possesso, mas soube muito bem!
Este inesperado repasto de atum, apesar de fenomenal, não foi o meu melhor de sempre. O meu melhor atum de sempre foi-me servido num restaurante que existiu brevemente no interior da ilha de Santa Maria. Aí, um atum polvilhado em pimenta semi-moída fez vibrar todas as minhas glândulas gustativas de uma forma que ainda habita os meus melhores sonhos.
Ah, é tão bom comer bem...

*Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Artigo de opinião escrito a título pessoal. As informações aqui transmitidas podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Crónicas do Voo do Cagarro - 34: Heavy Metal!

Luís Monteiro
Foto: Bob Furness - SIARAM

Não, não é um artigo sobre música. Este é um artigo sobre metais pesados do tipo daqueles que encontramos lá para o final da tabela periódica dos elementos químicos.
Fico fascinado ao contemplar os desafios que a humanidade identifica, enfrenta e resolve coletivamente. Um dos mais conhecidos desses desafios foi o debelar do problema dos clorofluorocarbonetos (CFC). Relembrando, em 1974, Sherwood Rowland e Mario Molina descobriram que os CFC podem destruir a camada de ozono atmosférico da Terra que bloqueia os raios ultravioletas oriundos do sol. Quando os cientistas relataram as suas descobertas, os CFC eram amplamente utilizados em frigoríficos e em sprays. Reforçados pela descoberta por outros investigadores de que a camada de ozono sobre a Antártida estava a desaparecer, os cientistas convenceram os industriais céticos, os decisores políticos e o público quanto ao perigo dos CFC. Iniciou-se assim o processo para a sua eliminação progressiva a nível mundial e o para o desenvolvimento de alternativas mais seguras.
Mas não é caso único. No período pós-guerra e até ao final do século XX, a humanidade foi capaz de se unir e resolver outros problemas. Hoje, inspirado por um programa de rádio que aconselho (“Radiolab” da National Public Radio), gostaria de partilhar a história recente de dois metais pesados: o chumbo e o mercúrio.
O chumbo é um elemento que, se bem utilizado, é muitíssimo útil em diversas circunstâncias e não constitui qualquer problema. No entanto, mesmo em concentrações ínfimas no corpo humano, o chumbo é tóxico. Segundo diversas instituições oficiais, o envenenamento por chumbo pode incluir consequências como formigueiro nas mãos e pés, dor abdominal, obstipação, dores de cabeça, irritabilidade, infertilidade, problemas de memória, decréscimo de capacidade intelectual, problemas comportamentais e, em casos mais graves, anemia, convulsões, coma e morte. Apenas para se entender a dimensão do problema, a utilização de chumbo em utensílios de cozinha e em canalizações foi reconhecida como um dos fatores responsáveis pela degradação e colapso do Império Romano.
A meio do século XX, um cientista de nome Clair Patterson descobriu que o chumbo já não se limitava a canalizações com interesse arqueológico, mas estava agora por todo o lado. O chumbo, transportado pelos combustíveis fósseis, estava fora de controlo. Literalmente.
No final dos anos 70, outro cientista, Herb Needleman, verificou que, como consequência da contaminação por chumbo, as crianças apresentavam um menor quociente de inteligência (QI). Em termos médios, 10 microgramas de chumbo por litro de sangue implicavam uma redução de 4 pontos no QI.
Nada disto pareceu despoletar ação séria até que dois analistas económicos, o casal Joel Schwartz e Ronnie Levin, por indicação da Agência para o Ambiente dos Estados Unidos da América, determinaram que o valor ganho pelas indústrias petrolíferas por manterem o chumbo na gasolina era de 100 milhões de dólares por ano. Ao mesmo tempo, já por sua iniciativa, calcularam qual a perda de rendimentos causada pela redução no QI e concluíram que, por cada ponto de QI, o rendimento individual descia 1%. Segundo os seus números, em termos societais, a soma da redução de rendimentos, do aumento da despesa com a educação e do aumento da despesa com a saúde ascendia, no total, a mil milhões de dólares por ano. Os argumentos eram avassaladores, quebrou-se a resistência por parte da indústria petrolífera e nasceu a gasolina sem chumbo. Em pouco tempo, 90% do chumbo desapareceu dos seres humanos e do ambiente em geral. Genial!
O mercúrio foi outro dos mega-problemas que, apesar de ainda não estar totalmente debelado, tem tido tais progressos que, possivelmente, se pode considerar já sob controlo. Nos seres humanos, o envenenamento por mercúrio provoca ataxia, dormência nas mãos e pés, fraqueza muscular geral, perda de visão periférica, danos na audição e na fala, insanidade, paralisia, paralisia cerebral, coma e morte. Mas comecemos pelo princípio.
No início da segunda metade do século XX, em Minamata, Japão, milhares de pessoas, particularmente as oriundas de comunidades piscatórias, desenvolveram uma doença que resultava de uma exposição severa ao mercúrio. Os trabalhos científicos realizados permitiram confirmar que o mercúrio havia bioacumulado nos organismos marinhos que serviam de alimento às populações locais. Como determinado pelos cientistas, os responsáveis pelo aumento do mercúrio na água eram os esgotos de um complexo industrial fabril existente na área e, passado demasiado tempo na perspetiva dos que sofriam com a doença, começou-se a resolver o problema.
Curiosamente, o Faial teve uma palavra a dizer na compreensão do ciclo do mercúrio. Nos anos 90, o Doutor Luís Monteiro, do DOP da Universidade dos Açores (hoje, Okeanos), belíssimo amigo e excelente cientista que, infelizmente, já não se encontra entre nós, fez um estudo em que recolheu e analisou penas de aves marinhas guardadas em museus. Sabendo que a acumulação de mercúrio apenas se dá enquanto a ave está viva, conseguiu verificar a variação de concentração deste metal na biosfera do planeta ao longo do tempo. Recorrendo ao espólio existente nos museus, viajou até ao passado. Assim, confirmou e partilhou connosco que a aceleração do crescimento das concentrações de mercúrio ao longo de cem anos acompanharam como uma luva bem ajustada o crescimento industrial. Por este trabalho especificamente, o Doutor Luís Monteiro foi agraciado com o Prémio “IMAR - Luiz Saldanha”, atribuído ao melhor trabalho de jovens cientistas marinhos em Portugal nesse ano.
Hoje em dia, a indústria pauta a sua ação por regras precisas e severas no que diz respeito à utilização do mercúrio. Mais uma vez, conhecendo em detalhe a temática, torna-se mais fácil estabelecer planos e resolver o problema. Assim foi. De 2011 a 2020, as emissões de mercúrio foram reduzidas em 64%. O problema está a desvanecer-se progressivamente. Os seres humanos conseguiram, mais uma vez!
Para o futuro, a humanidade terá de lidar com problemas a curtíssimo prazo (alterações climáticas, perda de biodiversidade, poluição por plásticos e negacionismos), problemas a curto prazo (autodestruição de origem bélica), a médio prazo (proteger a Terra de meteoros) e a longo prazo (degradação do DNA). Conseguiremos? Apenas depende de nós... todos!

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Voo do Cagarro - 33: Revolta!

Como já partilhei aqui algumas vezes, viver num dos pequenos países no centro da Europa permite, sem grande dificuldade, conduzir até aos países limítrofes e sentir culturas e estares diferentes. Costumamos dizer por piada que, às vezes, é mais fácil chegar a outro país do que permanecer naquele onde estamos, dadas as curtas distâncias. Quem vive na Holanda, na Bélgica ou no Luxemburgo, para já não falar no Mónaco ou no Liechtenstein, já teve certamente essa sensação. Por essa razão, não hesito em partir, sozinho ou com quem quero bem, para uma boa road-trip.

Infelizmente, este artigo não é para celebrar esse prazer.

Este artigo é para fazer uma enfática recomendação: nunca, mas nunca conduzir cansado. Adormecer nestas viagens, particularmente se decorrerem à noite e em autoestradas monótonas, é uma contingência totalmente plausível quando se dormiu mal ou bebeu um copito.

É muito melhor dormir, recuperar e depois continuar a fazer os quilómetros que faltarem. Se isso implicar faltar ao trabalho, paciência. Se isso implicar chegar atrasado para a ceia de Natal, que assim seja. Mas nunca, jamais!, conduzir estrada fora sem estar em perfeitas condições para o fazer.

Uma das piores notícias que se pode receber é a da morte de um amigo. Quando essa morte é acompanhada pela morte de metade da sua família, incluindo dois filhos de um e quatro anos, perguntamo-nos qual o sentido da vida. Que raio de justiça existe no mundo?!

Foi esta notícia que recebi há pouco. Aparentemente, o meu amigo forçou. Conhecendo-o, aposto que forçou apenas um pouquinho, talvez para poder estar mais tempo com os avós dos seus filhos… Não sei… Oxalá ele estivesse aqui para me dizer o que aconteceu para não ter esboçado sequer uma travagem antes do seu potente carro entrar por baixo de um camião que estava mal estacionado na beira da autoestrada. Que revolta!

Evidentemente, o camião não deveria estar ali, mas o meu amigo não podia ter adormecido ao volante. Não podia mesmo! E eu, que gosto tanto dele, estou tão zangado! Apetece-me chamar-lhe todos os nomes de tão zangado que estou. Mais do que isso, estou absolutamente triste por não o poder fazer. Queria poder voar no tempo até aquela autoestrada na Áustria e falar com ele antes de entrar no carro ou abaná-lo antes de ele adormecer… Não posso.

Aquilo que posso fazer é desejar com muita força que os restantes elementos da sua família, que estão a lutar entre a vida e a morte, recuperem e que recuperem com qualidade. Aquilo que posso fazer é escrever este artigo e gritar para todos os que se querem aventurar na estrada: tenham cuidado e descansem. É tão simples. Descansar. Parar o carro, correr até um hotel e passar uma boa noite de sono. O mundo pode mesmo esperar. O mundo não pode mesmo é perder-vos!


Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O Voo do Cagarro - 32: Primeiras impressões no Luxemburgo

 


Cidade do Luxemburgo.
Foto: F Cardigos


Quando me propuseram concorrer para um trabalho no Luxemburgo, não fiquei propriamente radiante. O Luxemburgo tem a reputação de ser um país frio, desinteressante e meio perdido no meio da União Europeia. Errado!

Ao contrário do que muito me disseram, o Luxemburgo é um país muito bonito e tem vida própria! Aquilo que me referiram, quase em tom assustador, que era um país cinzento, em que não havia cultura e vida social, está bem longe da realidade. Agora que conheço um pouco melhor, recomendo a visita ao Luxemburgo!

É um pequeno país muito bem organizado, com uma limpeza muito acima da média e em que as pessoas são, na generalidade, cordiais e empáticas. Nos pucos dias que levo de Luxemburgo, já pude ver algumas paisagens urbanas lindíssimas. Ao nível de Estrasburgo…? Não. Estrasburgo é imbatível, mas está lá perto.

Socialmente, não é Bruxelas, em que tudo acontece e com uma dimensão particularmente humana e humanista, mas também está lá perto. Amiúde passo por exposições, por feiras e por espetáculos formais ou improvisados. Aqui há vida endógena!

O país tem língua própria, mas, pelo que me foi dado notar, poucos não-luxemburgueses a falam. Dizem-me que é uma mistura de alemão com francês. Talvez seja um pouco parecido com o dialeto que se fala em Estrasburgo. Não sei… Convivo com a comunidade internacional, que tende a falar em inglês, e, se alguém por perto estiver a falar luxemburguês, penso que facilmente confundiria com o alemão, idioma que também não domino de todo.

A língua de rua, aquela que usamos nas lojas e para obter uma qualquer informação, é o francês. No entanto, vezes sem conta, rapidamente me apercebi que os meus interlocutores falavam português. Para além da comunidade portuguesa ser enorme, juntam-se brasileiros e cabo-verdianos. Na cantina do local onde trabalho, a língua-mãe dos funcionários é o português. Sinto-me um privilegiado por ter este código secreto para trocar impressões sobre a comida do dia...

O preço da habitação é inacreditavelmente elevado. Alugar casa é caro e comprar nem pensar. Adquirir habitação própria na capital do Luxemburgo não é coisa para seres humanos. Para mim, não é!

Em contraste, aqui, os transportes coletivos terrestres são gratuitos para todos. Ou seja, podemos ir da cidade mais extrema, apanhar o comboio, chegar à capital, apanhar o tram até à paragem de autocarro, seguir no autocarro até ao bairro mais distante e, nesse percurso todo, não gastar um tostão. Para mais, os transportes estão limpos, perto do imaculado, e respeitam-se os horários com pontualidade britânica. Um exemplo a seguir!

Para mim, que tendo a andar mais de bicicleta, as pistas dedicadas são totalmente aceitáveis e permitem circular por toda a capital com segurança. Ao contrário do que tinha imaginado, não precisarei de qualquer carro. Há comboios confortáveis de hora a hora para Bruxelas e por preços que roçam o irrisório.

O Luxemburgo foi mais uma bela surpresa com que me cruzei resultado das minhas opções laborais. Longe de estar arrependido por ter concorrido, está a ser uma descoberta muito agradável.

Falta o mar… Falta mesmo o mar…!


Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Voo do Cagarro – 31: A aventura do conhecimento

 


Modelos no Museu de Marinha em Lisboa.
Foto: F Cardigos


Sinto que cada vez que aprendo alguma coisa me torno mais feliz. Quando essa aprendizagem resulta de uma procura, pesquisa ou experiência, o gosto é ainda maior. Provavelmente, um pedagogo diria com maior propriedade, mas sinto que a aprendizagem que resulta de uma iteração com uma enciclopédia, da conversa com quem sabe mais ou da aplicação do método científico tem um sabor acrescido.

Há descobertas simples e passivas, como as que resultam da descoberta de um enredo no final de um filme, e outras, ultra-complexas, como as que resultam do percurso da investigação científica dirigida. O êxtase da descoberta após longo e árduo trabalho levou inclusivamente ao cunhar da expressão “Eureka!”.

Entre os dois extremos, entre a descoberta passiva e a procura estruturada da verdade, há muito daquilo que nos acontece no dia a dia e nos fascina, por vezes de forma deliciosa. Aquilo que apelidei em tempos de “momentos perfeitos”.

Por vezes, colocamo-nos propositadamente em modo de aprendizagem, mas sem seguir uma qualquer metodologia científica. Isso acontece, por exemplo, ao entrarmos num museu. Estamos à procura de novas informações, mas, muitas vezes, nem sequer sabemos o quê com precisão.

No meu caso, quando visito um museu, tenho em vista, na maioria das vezes, preencher uma determinada falha no conhecimento, mas, ao mesmo tempo, tenho também a expectativa de tropeçar em outras pequenas ou grandes epifanias.

Quando, ainda menino, pela primeira vez entrei no Louvre, em Paris, queria ver “A Gioconda”. Era o meu único objetivo. Claro que fui esmagado pelos quilómetros de corredores com muito do melhor que já fez a espécie humana e fiquei altamente desapontado com a pequenez, escuridão e distância a que pude observar a obra de Leonardo da Vinci. Tudo o resto era grandioso, transmitia emoções de diversa índole, tinha histórias associadas que nos faziam sonhar, mas “A Gioconda”… Nada.

Outras vezes, o objetivo é atingido com aquilo que chamo, inspirado no jogo da canasta, “o florão”. Estamos à espera de algo muito bom e aquilo que sentimos acaba por estar muito acima.

Lembro-me que, quando visitei o museu do Vaticano, tinha como um dos grandes objetivos ver a “Capela Sistina”. Ao chegar à capela fiquei imediatamente deslumbrado com o esplendor dos frescos de Miguel Ângelo que embelezam o teto e que foram magnificamente recuperados. Até aí, ainda poderia ser expectável. O que não esperava de todo é que um dos monges presentes na sala começasse a cantar. Que bonito! Invadiu-me o coração uma paz e uma tranquilidade sem par. A obra de arte, ou seja, a “Capela Sistina”, ganhou uma dimensão inesperada. O conhecimento adquirido não é daqueles que viesse a utilizar quotidianamente, mas a harmonia extasiada que senti foi-me muito útil até para entender o que significam as palavras “paz interior”.

Cada vez mais, ao voar por aí como um cagarro sem falésia, entendo o valor de viajar leve, contentando-me em transportar pouco, a não ser o conhecimento e o acesso ao mesmo. Saber resolver raízes quadradas, saber navegar usando as estrelas, ter a capacidade de mergulhar por esse oceano adentro ou lembrar-me do som das notas da Aria das “Variações Goldberg” de J.S. Bach. Esses são os verdadeiros prazeres que a vida me dá e, de forma quase gratuita, pode dar a qualquer um.

Essa é uma das vantagens do tempo presente. O conhecimento é cada vez mais acessível.

Quer aprender a pilotar um avião? Descarregue um bom simulador no computador e, em poucos dias, estará a voar. É fácil? Não! Eu já tentei e compreendi que, para pilotar a sério, mesmo num simulador, é preciso estudar e treinar, mas é possível. Passar do simulador para o mundo real custa dinheiro, muito dinheiro, é certo, mas a fase 1 desse processo está a uma vontade de distância.

Quando morremos, nenhum dos objetos que colecionámos na vida irá connosco. Há quem diga que o conhecimento e as memórias da vida na Terra flutuarão misteriosamente com a nossa alma em locais etéreos como o paraíso ou o purgatório. Não acredito nisso, mas não tenho provas que o possam negar.

Tenho a certeza, porém, de que, após a morte, restarão de nós as memórias que cultivámos nos restantes. É por isso que artistas, como os que mencionei acima, estarão sempre connosco. Souberam gerar memórias que perdurarão enquanto houver inteligência para as apreciar. Saibam as pessoas de bem procurar estas obras, apreciá-las e conservá-las, garantindo que estarão disponíveis para as gerações seguintes.

Que se perpetue a aventura do conhecimento!


Frederico Cardigos é biólogo-marinho no Eurostat. As opiniões manifestadas neste artigo são totalmente pessoais e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 29 de julho de 2022

O Voo do Cagarro - 30: Adeus facebook

Na segunda-feira percebi que, no dia anterior, tinha recebido uma mensagem email do facebook informando-me que alguém, usando abusivamente um meu antigo endereço de correio eletrónico, tinha entrado na minha conta a partir da cidade de Hanói. Segui as instruções sobre uma intrusão abusiva protegendo a minha conta com uma nova palavra-passe.

Pouco depois, fui informado que tinham sido publicados conteúdos não autorizados e, por essa razão, a minha conta estava suspensa. Pior, informavam-me que a minha conta não tinha sido pirateada. A mesma empresa que me tinha dito que havia uma entrada a partir de Hanoi, informava-me que não tinha sido alvo de pirataria…

Sem sucesso, tentei, através das poucas ferramentas ainda disponíveis, entrar em contacto com os gestores e resistir. Sem seres humanos como interlocutores, como explicar à máquina que se ela me informou que houve uma entrada abusiva então os conteúdos, provavelmente, seriam dessa pessoa e não meus, que vivo bem longe do Vietname? Nada a fazer, até porque não consigo entrar na minha conta para verificar o que lá se passa.

Quase em simultâneo, recebi uma informação da Meta (empresa que detém o facebook) referindo que o anúncio que eu desejava publicar no facebook tinha sido aprovado. Mas eu não tentei publicar qualquer anúncio!! Mais uma vez, como explicar à máquina que me bloqueia qualquer tentativa de comunicação afirmando, laconicamente, que a minha conta se encontra em revisão?

Na quinta-feira, fui informado que o anúncio, aquele que eu não pedi e que nunca vi, me tinha custado 0,64 euros. Inacreditável… Nessa curta e lacónica mensagem email afirmavam que tinha sido usado um cartão de crédito cujo número não reconheci, pelo que, segundo me parece, não foi a mim que debitaram.

Tentei vasculhar a internet sobre como comunicar de viva-voz com alguém da máquina faceboquiana e nada. Não há solução. Pelo caminho encontrei numa antiga notícia de jornal um endereço email que deveria funcionar. Escrevi e fiquei sem resposta.

Sendo que o ataque já incluía o eventual roubo, pedi que amigos com contas ativas comunicassem com o facebook para explicar o que se estava a passar. Solidariamente, escreveram, mas os meus amigos também não tiveram resposta.

Não o conseguindo fazer através do facebook ou messenger, consegui, depois de algumas tentativas, entrar na minha conta do instagram. Eliminei-a de imediato. Menos um problema potencial com a Meta (que também é dona do instagram).

Por tudo isto, logo que o consiga, não está fácil…, irei eliminar a minha conta do facebook. Compreendo agora que não ter um ser-humano disponível para falar é uma falha grave. Esta Inteligência Artificial é muito limitada para o meu gosto… Aqui fica uma sugestão para uma futura regulação desta atividade: Sugiro que se inibam as plataformas informáticas e redes sociais que não tenham seres-humanos no serviço de apoio ao cliente.

Tenho pena porque era também através do facebook que ia tendo notícias do Corvo e do Faial, particularmente das pessoas com quem não comunico tão amiúde. Era no facebook que ia lendo a opinião de muitas pessoas válidas que, infelizmente, não têm presença nos órgãos de comunicação social formais. Também, em momentos desagradáveis da minha vida, foi através do facebook que consegui fazer algum contrapeso relativamente a notícias horríveis que circulavam na comunicação social. Por outro lado, a intolerância e a desinformação que grassam no facebook são fatores de peso para que não fique assim tão triste...  

A partir de agora, quem quiser comunicar comigo pode sempre usar os métodos mais tradicionais. Mas não através do facebook, messenger ou instagram. Acaso haja alguma publicação desagradável em meu nome nestas plataformas, as minhas desculpas, mas não fui eu…

Pelo que me toca, adeus facebook!


Frederico Cardigos é biólogo-marinho no Eurostat. As opiniões manifestadas neste artigo são totalmente pessoais e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

O Voo do Cagarro - 29: Vasco Cordeiro, Presidente do Comité das Regiões Europeu


Vasco Cordeiro discursando no Comité das Regiões Europeu em 2020.
Foto: F Cardigos


Olhando para a ordem de precedências da União Europeia, temos no topo, como seria de esperar, a Presidente do Parlamento Europeu, depois os chefes de Estado e de Governo e a Presidente da Comissão Europeia, seguindo-se os presidentes do poder judicial e do Banco Central Europeu. Ainda antes dos comissários e dos eurodeputados, no décimo segundo lugar, está o Presidente do Comité das Regiões Europeu, desde há duas semanas o açoriano Vasco Ilídio Alves Cordeiro. Este é o lugar eleito mais elevado jamais atingido por um açoriano no contexto da União Europeia e isso deve ser alvo da nossa atenção e, porque não dizê-lo, alvo do nosso regozijo.

A par do Comité Económico e Social Europeu, o Comité das Regiões Europeu é um dos dois órgãos consultivos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão Europeia. Apesar dos comités não serem instituições europeias, toda a legislação pertinente tem de passar pelo seu crivo e é alvo de pareceres que, não poucas vezes, moldam as versões finais desses documentos.

O Comité das Regiões Europeu agrega representantes eleitos de 350 regiões indicados por cada Estado-membro. A eleição de Vasco Cordeiro por unanimidade e aclamação foi o corolário de um processo de campanha e sensibilização que teve início há vários anos e que, em algumas ocasiões e com emoção, pude presenciar ao vivo.

A forma como Vasco Cordeiro se apresentou perante os seus pares do Comité das Regiões, apresentando uma estratégia clara e mobilizadora, auscultando os legítimos anseios de cada um e a permanente tentativa de construir pontes levou a melhor sobre os restantes pretendentes e conquistou a posição mais alta. Nas suas intervenções, o novo Presidente dirigiu-se sempre em várias línguas, o que é entendido como respeitador da diversidade europeia, mas sem esquecer a língua de Camões e de Nemésio, o que demonstrou brio e orgulho.

Com o crescimento assimétrico da importância do Parlamento Europeu após o Tratado de Lisboa, os dois comités procuram agora reposicionar-se dentro da esfera de poder e influência de Bruxelas. Estas dores causadas pelo crescimento do Parlamento Europeu foram sentidas pelas próprias regiões ao serem arredadas de parte do protagonismo que até aí usufruíam. A pandemia não contribuiu para melhorar o panorama e esse será, quanto a mim, o grande desafio de Vasco Cordeiro: voltar a colocar os holofotes sobre a Europa das Regiões.

Estou confiante no seu sucesso. Para ajudar a demonstrar quão aguerrido e comprometido é o novo Presidente do Comité das Regiões também na Europa, permito-me recordar um episódio a que assisti há muitos anos, quando Vasco Cordeiro, em representação do então Presidente do Governo dos Açores, Carlos César, deveria discursar em Bruxelas. Pela ordem protocolar, sucediam-se as intervenções dos presidentes das regiões ultraperiféricas perante um enorme espaço absolutamente cheio. Como é natural nestas situações, por razões certamente justificáveis, os presidentes excederam-se largamente e o então Secretário Regional ficou sem tempo. Quando o responsável pela organização, um importante funcionário europeu, se preparava para fechar apressadamente a sessão, Vasco Cordeiro levantou-se e, com coragem e frontalidade, disse: “Não. Os Açores querem falar e os Açores vão falar”. Justificou com uma assertividade e uma lisura que não deixaram margem para ser contrariado ou ignorado. Falou, todos ouviram e todos aplaudiram!

Num tempo em que vemos serem desafiados os mais básicos valores humanistas, como o simples “fazer o Bem”, é reconfortante verificar o sucesso de Vasco Cordeiro na sua ascensão ao ápice de uma das maiores potencias globais. Mesmo os que não concordam com a sua visão socialista do mundo, reconhecem a sua honestidade, a sua empatia, a sua exigência, a sua procura do bem comum e o seu sorriso profundamente genuíno. Claro que tem defeitos, mas jamais serão defeitos que prejudiquem fisicamente seja quem for, muito antes pelo contrário! Algo que não podemos dizer de outros dirigentes europeus, como o atual Presidente da Federação Russa que invadiu barbaramente a Ucrânia...

 

Frederico Cardigos é biólogo-marinho no Eurostat. As opiniões manifestadas neste artigo são totalmente pessoais e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.



sexta-feira, 1 de julho de 2022

O Voo do Cagarro 28: Conferência das Nações Unidas para os Oceanos em Lisboa

 
Imagem da abertura da Conferência dos Oceanos em Lisboa.
Foto: F Cardigos


Enquanto começo a escrever estas linhas, um centro comercial na Ucrânia foi bombardeado por militares do Governo da Federação Russa. Mais uma atitude incompreensível dentro de uma guerra inadmissível. Mesmo sem saber qual é a solução para esta encruzilhada, na minha opinião, o único caminho viável será através do diálogo diplomático.
No meio desta falta de bom senso e em total contracorrente, Russos, Ucranianos e todas as nações do mundo estão juntos, reunidos em Lisboa, na Conferência das Nações Unidas para os Oceanos (UNOC). Acaba por constituir mais uma oportunidade para ajudar a resolver este problema tendo, no entanto, como missão central o consolidar de soluções impreteríveis para a salvaguarda de oceanos saudáveis.
Tal como a paz, qualquer um dos 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável das Nações Unidas (ODS) é imprescindível para o nosso sucesso enquanto espécie. Aquele que trouxe a Lisboa delegados do mundo inteiro é o ODS 14 dedicado aos Oceanos.
Foi extraordinário verificar como os responsáveis políticos não enjeitaram apontar problemas e assumir responsabilidades quanto à debilidade de implementação de soluções. Notou-se claramente que entendem a urgência e que assumem o compromisso de fazer mais e melhor. As futuras gerações agradecem, mas, atenção, querem ação e exigem resultados!
É preciso ter em enorme sentido que todos nós dependemos dos oceanos. Ao contrário, os oceanos não dependem de nós. Quando nos extinguirmos, os oceanos por cá continuarão, a biodiversidade restaurar-se-á naturalmente e os serviços dos ecossistemas imprescindíveis para a existência de Gaia voltarão ao seu esplendor. A única peça que faltará nesta belíssima manta de retalhos seremos nós…
Como não poderia deixar de ser, os Açores e a Madeira estiveram presentes na UNOC e representados ao mais alto nível. Os cientistas marinhos do Faial, com uma delegação do Instituto Okeanos da Universidade dos Açores muito bem composta, participaram nas discussões, aportando o conhecimento que deverá servir de base às soluções que os políticos regionais irão considerar quando executarem as ações que irão consubstanciar os compromissos que têm assumido. O Observatório do Mar dos Açores, uma das poucas organizações não governamentais para o ambiente dos Açores, registou e, certamente, exigirá acompanhar a implementação dessas soluções.
Entre estes compromissos, destaco a proteção de 30% dos oceanos até 2030. É uma meta que não pode ser feita apenas de papel. Haverá que escolher áreas significativas e diversificadas e promover atividades que aí garantam a saúde dos oceanos. Isso implicará, i
nevitavelmente, desafios com consequências nas atividades extrativas e mesmo contemplativas. Vai ser difícil, mas é um compromisso assumido e que terá de ser cumprido. É um dos contributos que os Açores terão de dar para o mundo. Começámos bem, com o estabelecimento dos Parques Naturais de Ilha e o Parque Marinho dos Açores, mas esses eram apenas alguns dos passos iniciais. Reconheço o empenho dos sucessivos governos dos Açores, mas temos de fazer mais e melhor. Dou a maior força!
No meu caso, estive envolvido na organização das “IV Rotas da Economia Azul da Bélgica e Portugal”. Este momento, que foi um dos eventos paralelos oficiais da UNOC, tentou mostrar como os projetos-piloto são fundamentais para o estabelecimento de soluções marítimas economicamente interessantes, socialmente aceitáveis e ambientalmente adequadas. O Parlamento e a Comissão Europeia, os governos da Bélgica e Portugal, as associações ambientalistas, os clusters empresariais para a economia azul dos dois países, cientistas, inúmeras empresas e outros interessados marcaram presença.
As ligações da aristocracia lusa com a Flandres remontam ao tempo de D. Afonso Henriques, muito antes de existir a Bélgica e quando Portugal era apenas um projeto que insistia em nascer. Foi também por isso muito agradável registar a participação da Casa Real Portuguesa neste evento.
A organização, a Câmara do Comércio Belgo-Portuguesa, tem sede na Bélgica. Estando em Portugal, contou com o apoio abnegado da Sociedade de Advogados Morais Leitão, que cedeu um dos seus auditórios em Lisboa. Para além desta empresa, a Sciaena, a Haedes, o Fórum Oceano e a Blawe Cluster completaram o leque de imprescindíveis apoios.
Penso que construímos bases de confiança legal, política, ambiental e empresarial, assentes em bom conhecimento científico, para que se venham a constituir ainda mais alianças entre os dois países. Há que aproveitar as sinergias entre Portugal e a Bélgica. Com uma pontinha de indisfarçado orgulho, penso que ajudamos a que o mar do mundo ficasse um pouquinho melhor.

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Voo do Cagarro - 27: Em solidariedade com a Ucrânia

 
Kyrill Korsunenko em concerto em Bruxelas.
Foto: F Cardigos

De volta a Bruxelas, tenho-me empenhado em diversos projetos pessoais, continuando a aproveitar a travessia do meu deserto laboral. A travessia está quase terminada e “penso já ver o primeiro oásis, ali ao fundo… Aquela luzinha, vês?”
Um desses projetos é apoiar os meus amigos ucranianos, mesmo que modestamente. Continuo revoltado com o massacre do povo inocente da Ucrânia. Penso muitas vezes nas crianças que deixaram de ter futuro porque um tirano de uma terra distante tem sonhos imperialistas e acesso fácil a bombas voadoras. Como poderá a jovem que perdeu uma perna por estas mesmas razões alguma vez voltar a ter uma vida normal?! Ouvi-a esta manhã na rádio e virou-me o estômago. Não está certo, não está certo!
Também continuo particularmente irritado com o comportamento dos amigos do déspota Putin… Por falar nos seus amigos, o Sergey Lavrov (ministro dos negócios estrangeiros da Federação Russa) não vos faz lembrar o Mohammed Saeed al-Sahhaf, o entusiasta ministro da Informação de Saddam Hussein que fazia declarações hilariantemente negacionistas perante a óbvia queda do regime iraquiano de então? Como vejo pouca televisão, nem sei se são parecidos fisicamente, mas ao nível do registo comunicacional são fenotipicamente os mesmos.
Foi esta perspetiva, de tentar auxiliar a Ucrânia no que está ao meu alcance, que me levou à segunda sala mais importante da cidade de Bruxelas: a Sala Gótica dos Passos da Câmara Municipal de Bruxelas (aqui dita Salle Gothique de l'Hôtel de Ville de la Commune de Bruxelles). É um contraste enorme entre a solenidade e a importância histórica da sala e o seu aspeto. Não é particularmente grande, a decoração é modesta e os materiais usados na sua construção variam entre o histórico trabalhado e o incompleto, entre o valioso e o pechisbeque, entre o aprumado e o abandonado, mas os belgas têm-lhe uma adoração que ultrapassa a sensatez. É de tal forma assim que, eu que não nutro qualquer estima pela sala, cada vez que lá entro, fico em silêncio contemplativo por respeito e tentando entender a lógica daquela contemplação coletiva.
Naquele dia, na tal Sala Gótica, iria decorrer um concerto de solidariedade para com a Ucrânia e, portanto, tendo sido gentilmente convidado, lá estava eu.
Antes do início do programa musical propriamente dito, as músicas, jovens ucranianas, tocaram os hinos da Ucrânia e da Europa e diversos políticos foram convidados a discursar. Como já adivinhava, mesmo antes de terem irrompido as primeiras notas do “A Ucrânia ainda não morreu” (o “Hino da Ucrânia”), já eu estava emocionado. Quando terminou o último acorde do quarto andamento da nona Sinfonia de Beethoven (o “Hino da Alegria” ou “Hino da Europa”) já não podia falar, tal o aperto na garganta. Sou assim…
Começaram os discursos…
O embaixador da Ucrânia em Bruxelas demonstrou “aquela enorme coragem que até se vê do espaço” (dito de forma mais vernacular nas redes sociais, mas que não posso repetir aqui). Disse tudo o que tinha a dizer e sem hesitar um instante em adjetivar com toda a precisão o que sentimos pelos ditadores russos, sobre a injustiça do sofrimento imposto ao povo ucraniano e apelou ao apoio internacional. No caso, por iniciativa das próprias músicas, fomos convidados a colaborar na aquisição de uma ambulância a ser utilizada no leste da Ucrânia. Contribui generosamente, se tivermos em atenção a minha atual situação laboral…
Tomaram também a palavra os presidentes das câmaras de Bruxelas e de Kiev (este último por via remota). Referiram o seu recente encontro em Kiev e como partilharam a dor e o sofrimento dos ucranianos, não hesitando o belga um milímetro em estar ao lado do colega.
No entanto, o discurso da noite foi proferido pela representante da Comissão Europeia. Tendo sido ela própria uma refugiada de guerra quando criança, tentou explicar o inexplicável para quem se vê, de um momento para o outro, longe de tudo o que conhecia. Partiu com absolutamente nada de Chipre, apenas tendo como consolo as palavras de sua mãe, dizendo-lhe que jamais lhe tirariam “a cultura e a educação” e isso era “tudo o que é necessário para começar de novo”. Por compreender esta importância, a Comissão Europeia abriu a possibilidade dos ucranianos concorrerem a programas de financiamento cultural como qualquer outro cidadão de um Estado-membro. Sobre a atitude do Governo da Federação referiu que, “por mais que destruam património cultural da Ucrânia”, e, segundo a UNESCO, já destruíram centenas de obras classificadas, “iremos reconstruir. Este património pode ser destruído, mas não será apagado! A União Europeia não permitirá!”
Começou a música…
Foram tocadas obras de compositoras e compositores ucranianos. Não sendo eu um apreciador fervoroso de toda música erudita eslava, estava preparado para não me deleitar particularmente…
Até que… apareceu na sala um jovem pianista de nome Kyrill Korsunenko. Fixem este nome. Ainda não é, mas não tenho qualquer dúvida que se poderá tornar num pianista de primeiro nível. “Eu ouvi-o” e, parece-me, daqui a uns anos, vou dizer isto orgulhosamente com um brilho nos olhos e de coração cheio!

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Voo do Cagarro - 26: Desafio de Mobilidade Elétrica “Ucrânia”


Parque solar na ilha do Corvo, Açores.
Foto: F Cardigos

No momento em que redijo estas linhas estou entre empregos. Felizmente, as coisas estão bem encaminhadas e é natural que tudo esteja resolvido em breve. A posição para que estou a concorrer fica a 220 quilómetros do sítio onde habito e isso irá exigir mobilidade acrescida. Ou seja, a minha bicicleta, apesar de espetacular, não será suficiente.
Comecei a estudar as diferentes possibilidades e, sendo ambientalista, concluí que o comboio será uma belíssima solução. No entanto, gostaria de ter uma alternativa de emergência, que pudesse usar a qualquer momento do dia ou da noite. Isso significa que terei de adquirir uma viatura e, claro, terei de optar por um carro elétrico. Agora, o problema é que o carro que eu quero não existe. Preciso de um automóvel com cerca de 500 quilómetros de autonomia real (por redundância e por causa do ar condicionado no Inverno), com baixo consumo, seguro, minimamente confortável e barato. Não há.
Portanto, lanço o desafio a todas as marcas de automóveis para criarem rapidamente um veículo com estas características: elétrico, autonomia superior 500 km WLTP, consumo inferior a 20 kWh, cinco estrelas Euro NCAP, mínimo de 4,3 m de comprimento, novo e tudo isto por menos de 25 mil euros. O prémio será… venderem o carro!
A este concurso dou o nome de “Desafio de Mobilidade Elétrica Ucrânia”. Porquê “Ucrânia”?! Porque este país está a ser barbaramente invadido pelo Governo e Forças Armadas da Federação Russa e merece ser sempre relembrado. Além disso, para nos livrarmos dos combustíveis fósseis, como os que alimentam a máquina de guerra russa, temos de optar por soluções elétricas ou equivalentes.
Há motivos para animação no mundo da transição verde. Depois da Comissão Europeia ter dado o mote com o Pacto Ecológico Europeu, os diferentes níveis de planeamento e decisão têm aderido. Para além das instituições europeias, em Portugal, também o Governo da República, os governos regionais e as autarquias têm-se mobilizado para responder ao enorme desafio. Mesmo no mais pequeno Concelho do país...
Por organização do projeto LIFE CLIMAZ (financiado pela Comissão Europeia e implementado pelo Governo dos Açores e parceiros), tive oportunidade de visitar o Parque Solar da EDA Renováveis na Ilha do Corvo. Neste preciso momento, o projeto já está funcional, embora ainda em fase experimental. Apesar disso, já debita para a rede 15 kW durante o dia e tem um potencial de crescimento até aos 75 a curto prazo e 150 kW com a instalação dos equipamentos já planeados.
Tendo em consideração que o consumo do Corvo é de cerca de 120 kW durante o chamado período de “vazio” e 290 kW no período de “máximo”, a produção solar já tem expressão e um potencial para ser muito significativa no futuro. Acresce que está também planeada a instalação de um conjunto de baterias que permitirão economizar no período de vazio e debitar no período de carência, mas, igualmente importante, amenizar os períodos com excesso de consumo pontual e estabilizar a frequência.
Saí do Corvo voando para o Faial.
Um dos engenheiros da EDA, corrigindo dados mais otimistas que eu tinha do passado, disse-me que “Um parque eólico demora 10 a 11 anos a pagar-se, incluindo investimento e manutenção. Estes não são dados de estimativa ou planeamento, são observações que resultam da nossa experiência.” Isso levou-me a querer voltar ao Parque Eólico do Faial, em Pedro Miguel.
Zaaag-zaag-zaaag… Fiquei ali a ouvir o lento, mas firme movimento daqueles moinhos modernos e monstruosos com vista privilegiada para o Pico. Zaaag-zaag-zaaag… Dada a idade deste parque eólico, cada voltinha daquelas enormes turbinas é lucro! Energia limpa e lucrativa… Zaaag-zaag-zaaag…
Lembrei-me das sábias palavras que o Sr. Mário Fraião outrora me disse neste mesmo local, “é como olhar para o futuro”… O mundo do futuro precisa de pessoas de mudança como o foi o fundador do jornal Tribuna das Ilhas. Custa? Claro que custa e não é pouco! Há que alterar comportamentos e isso inclui recusar as energias fósseis, reduzir os consumos, colaborar na reciclagem, dinamizar o mercado de proximidade e pagar pela pegada ecológica do dano que não conseguimos evitar. Ou seja, há que optar por soluções sustentáveis!
Zaaag-zaag-zaaag…


Eólica na ilha do Faial, Açores.
Foto: F Cardigos