Os organismos que pertencem a populações que apenas existem no nosso arquipélago e de cujo cruzamento resultam descendentes férteis são chamados de “endémicos dos Açores”. As restantes espécies podem também ser “naturais nos Açores”, se cá se estabeleceram por moto próprio, ou “exóticas”, se foram trazidas pelo homem. Entre estas últimas, há umas que apresentam um comportamento ecológico agressivo, provocando danos nos ecossistemas naturais, e que por isso ganham o triste nome de “invasoras”.
É fácil perceber que quem quiser ver espécies endémicas dos Açores no seu ambiente natural terá de se deslocar às nossas ilhas. Portanto, há razões económicas óbvias para a manutenção do nosso património natural. Para além disso é bom acrescentar que alguns organismos guardam, no seu código genético, soluções farmacológicas ou biotecnológicas de longo alcance e, muitas vezes, imprevisíveis antes de serem demoradamente estudadas. A título de exemplo, são conhecidas as potencialidades de uma esponja encontrada na Lagoa de Santo Cristo para a inibição do HIV. Os estudos ainda não avançaram o suficiente para que possamos declarar que estamos perante uma substância importante, no entanto, o potencial está lá, como pode estar em diversas outras espécies, algumas delas existentes apenas nos Açores. Sendo assim, caso não preservemos o nosso património natural, podemos estar a desprezar soluções para doenças graves. Um último argumento a favor do património natural tem cariz moral. Que direito temos nós de aniquilar património, que nos pertence, é certo, mas pertence também aos nossos descendentes? Nas crónicas do Padre Gaspar Frutuoso há referências a lobos-marinhos na Ilha de Santa Maria. Esses simpáticos mamíferos marinhos desapareceram com o “progresso” da colonização humana. É fácil compreender que, naqueles tempos difíceis, havendo carne, peles e óleo ao alcance, era complicado resistir. Para mais, não havia consciência da finitude dos recursos. Hoje não é assim. Nunca poderemos alegar ignorância!
As mudanças climáticas globais têm um particular impacto nas pequenas ilhas oceânicas, como as que compõem o Arquipélago dos Açores. Ou seja, se por um lado temos um ambiente muito isolado, o que promove a especiação (formação de novas espécies) porque os organismos se vão adaptando às condições locais e o cruzamento com as populações-mãe é muito complicado, por outro lado, temos sido alvo de autênticas extinções em massa cada vez que a temperatura média do globo terrestre se altera poucos graus ou o oceano sobe uma dezena de metros ou desce mais de uma centena (como aconteceu há vinte mil anos). Esta é porventura uma razão para serem raras as espécies endémicas dos Açores. No entanto, ao nível das plantas terrestres, houve um conjunto particular que sobreviveu a umas quantas intempéries. Trata-se da floresta de laurissilva. Esta floresta dominou largas áreas em volta do Mar Mediterrâneo durante 20 milhões de anos e, por via de alterações climáticas, desapareceu dessa área. Graças ao clima húmido e temperado que caracteriza arquipélagos Macaronésicos do Norte Atlântico, encontrou um refúgio nas ilhas da Madeira, dos Açores e das Canárias. A importância deste património é tão elevada que, no arquipélago da Madeira, uma vasta área de laurissilva foi classificada como Património Mundial. Apesar de ser comum aos três arquipélagos, há diversas plantas deste tipo de floresta, ou que residem à sua volta, que são exclusivas dos Açores. Tanto por isso como pelo que expus no início deste texto, penso que é essencial preservarmos este nosso património natural. Portanto, é fundamental verificarmos se existem ameaças e, caso existam, diminuir o risco. No caso dos Açores há dois riscos: o avanço das áreas agrícolas e a proliferação de flora invasora. O primeiro risco foi particularmente grave quando, nos anos oitenta, se procedeu a arroteias indiscriminadas. Felizmente, esse tempo passou. O segundo risco continua na ordem do dia e, caso não se actue com invulgar dinâmica, poderemos perder parte do nosso património natural. Nos últimos anos, graças ao empenho da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar e, mais recentemente da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, departamentos, poder político e cidadãos envolvidos em acções de sensibilização, foram limpas de invasoras algumas áreas classificadas. Apesar de constituir uma área apreciável, ainda não nos garante o ganhar da guerra, longe disso. Para ganharmos a guerra, ou seja, para garantirmos a manutenção da flora natural dos Açores, teremos de investir mais e a breve trecho. O plano para a erradicação e controlo da flora invasora em zonas sensíveis do arquipélago dos Açores já foi concebido e inclui acções em 723 hectares de 49 locais. Sete são as espécies que mais dores de cabeça nos dão: o incenso, a cana, a conteira, a ipomoea (também conhecida por trepadeira-de-flor-azul e prima da batata-doce), o tojo-Português, o chorão-da-praia e, imagine-se, a hortênsia! Esta última é extraordinariamente bonita, um autêntico símbolo importado dos Açores, mas apenas enquanto se limita às plantações já existentes nas zonas limítrofes de algumas estradas. Quando se propaga, ou a propagam, pelos muros divisórios das pastagens, passam a inibir a presença da flora natural nos poucos locais que a agricultura deixou livre. Mas o pior caso é o incenso. Basta olhar para as encostas Norte de São Jorge para perceber que algo está muito errado. A floresta natural foi praticamente substituída por esta árvore de folha verde clara.
As manchas de flora invasora são tão intensas que nalguns locais não basta removê-las para solucionar o problema. É necessário ter em atenção que os espaços deixados vazios podem aumentar a exposição, aumentando a erosão do solo. Há que planear, angariar a flora de substituição e, só depois, iniciar a acção.
Não podemos dramatizar. O nosso património natural é valioso e está bem preservado. Comparando com outros locais do mundo estamos, obviamente, muito bem. No entanto, temos de dar mais alguns passos para que possamos viver no ambiente mais esmerado que merecemos e está ao nosso alcance.