É-me difícil contemplar um animal vivo e, depois, tirar-lhe a vida.
Dasyatis pastinaca, ratão, fotografado no Recife Dollabarat.
Foto: F Cardigos SIARAM.
Dasyatis pastinaca, ratão, fotografado no Recife Dollabarat.
Foto: F Cardigos SIARAM.
Era ainda um jovem quando me vi nesta situação. Na ilha do Corvo, eu e uns amigos tínhamos decidido ir fazer caça-submarina. Entrámos na
Praia da Areia e nadámos para norte. Quando estávamos precisamente numa zona
chamada Cabeço do Xavier, hoje classificada como Rede Natura 2000, um lírio com
4 ou cinco quilos aproximou-se de mim. Para mim, jovem citadino, aquele era o
maior peixe! Hoje sei que os lírios podem ter até cerca de 50 quilos. Aquele
estava, portanto, longe de ser um grande exemplar, mas, naquele momento era
mesmo “o peixe!” pai e avô de todos os outros peixes.
Olhei para os meus colegas de caça e eles, a pouca
distância, esbracejavam indicando claramente que eu devia disparar. A arma
tinha os elásticos esticados e eu podia disparar a qualquer momento. Nem tive
que mergulhar. Bastou apontar a arma e carregar no gatilho. O peixe arpoado
partiu o cabo e caiu para o fundo nadando naquela que para si seria a derradeira
espiral.
Antes de o ir recolher, detive-me a olhar para o peixe cuja
curiosidade tinha sido por mim compensada com a sua morte. Senti-me mal.
Continuei a fazer companhia aos meus colegas de mergulho, mas aquela seria para
mim a última vez que caçaria por prazer.
Depois disso, por razões profissionais, tive que “fixar”
(termo chique que os cientistas usam para dizer “matar”) muitos animais e
plantas. Também, para alimentação, fiz mais uma vez ou outra caça-submarina. Não
me dá qualquer prazer e, cada vez que o faço, interrogo-me se é realmente
necessário retirar a vida daquele organismo em particular.
De um modo mais geral, hoje, pragmaticamente, entendo que a
caça-submarina é um desporto exigente e compensador. Dado o tempo que se passa
dentro de água, a caça permite uma boa adaptação ao meio e o estudo detalhado
do comportamento animal. Ao mesmo tempo, não entendo como há pessoas que são
capazes de desrespeitar a lei, nomeadamente, apanhando mais animais do que a
lei permite, desrespeitando as espécies protegidas ou caçando em zonas
classificadas por razões de conservação da natureza. Nutro, portanto, uma
relação de amor-ódio por esta atividade.
Para se poder caçar é necessário ter mais de 16 anos, uma
licença em dia e válida para o local em causa e equipamento de sinalização
(para não ser atropelado por uma qualquer embarcação). Reforçando a necessidade
de segurança do caçador, é necessário ter em atenção que, em caso de acidente,
haverá, eventualmente, outras pessoas envolvidas no salvamento e, algumas
delas, poderão também arriscar a sua própria vida. O meu conselho é que os
interessados na atividade leiam alguma literatura sobre a temática e frequentem
os clubes navais. Mesmo que não haja cursos formais de caça ou apneia, os
clubes são excelentes polos para aprender as regras e as manhas desta
interessantíssima atividade.
Ao crepúsculo, num qualquer recanto costeiro dos Açores,
é possível sentir o cheiro de uma veja grelhada ao ar livre. O adivinhar do
sabor e a antecipação da companhia é das boas memórias que um dia levaremos
desta vida… e tudo pode ter começado numa bela tarde de caça-submarina.