Os belgas podem ter, como todos os povos, imensas virtudes.
No entanto, se há algo que é deles e de poucos mais, é o enorme bom gosto
paisagístico.
Principalmente na Primavera e no Outono, os canteiros, as
ruas, os jardins, os parques e as florestas embelezam-se de uma forma que chega
a ser estonteante e não estou a exagerar.
Tudo isto resulta de uma estratégia de investimento nos
espaços públicos que não tem paralelo em Portugal. Os Açores são lindíssimos,
mas são-no naturalmente. É uma força bruta da natureza que os torna, tanto em
terra como no mar, num dos mais belos locais do planeta. Não foi necessário
qualquer investimento para serem como são. Aliás, por vezes, no caso dos
Açores, o melhor é mesmo não mexer... A natureza nas magníficas ilhas do médio
Atlântico Norte vale por si própria.
Até por ser uma cidade, em Bruxelas não é assim. Todos os
parques têm equipas de jardineiros e as florestas têm serviços próprios que
garantem o cultivo e a manutenção das centenas de milhares de flores, arbustos
e árvores e a promoção das condições para que nasçam musgos e cogumelos. Os
parques são desenhados por habilidosos jardineiros que colocam as flores nos
sítios quase perfeitos. E digo "quase" porque, no ano seguinte,
conseguem encontrar uma nova combinação ainda mais extraordinária que no ano
anterior. Eu vi.
Apesar de não retirar qualquer prazer da maioria dos
desportos singulares, exceptuando a natação, tenho praticado corrida por
obrigação de manutenção física. Todas as semanas vou até uma das florestas que
ficam no limite da cidade e obrigo-me a correr durante um pedaço de tempo que
postulei como suficiente. A esta corrida semanal, junto uma caminhada diária de
alguns quilómetros. Penso que o meu médico estará de acordo que isto é
adequado, mas o melhor é continuar a não lhe perguntar...
Mas vem esta conversa do desporto à baila por causa da
paisagem. Seria praticamente impossível praticar um desporto de que não gosto
se não fosse acompanhado desta deslumbrante paisagem. No Outono, o amarelecer e
avermelhar das folhas das árvores torna cada vista uma autêntica pintura de
fogo de artifício cromático. No final de cada percurso há uma paisagem de
cortar a respiração. Isso, diga-se, no meu caso até é perigoso porque, depois
de correr alguns minutos, já fico muito perto de perder totalmente o fôlego...
Pouco me estimula a correr no
Inverno e no Verão. No Verão, motiva-me a esperança de que as férias cheguem e
possa partir para os Açores. No Inverno é apenas o ultrapassar-me que me
empurra para a frente. Correr com temperaturas negativas ou pelo meio da neve é
suficientemente radical para servir de "lebre".
Mas a Primavera é espectacular. O renascer das folhas, que
vou acompanhando e registando semanalmente, as flores que se vão multiplicando
e que, com o avançar da Estação, se vão substituindo são extraordinárias. Há
umas flores que, com o andar do tempo, vão como que subindo pelas encostas da
floresta que mais frequento! Toda esta delicadeza e beleza é acompanhada por
esquilos, morganhos, ratos, doninhas, raposas, dezenas de espécies de aves e,
dizem, veados e javalis (eu nunca os vi).
No outro dia, entre o desespero da luta contra o cansaço e o
tédio que é para mim correr, vi um carro dentro da "minha" floresta.
Nem queria acreditar. Comecei de imediato a esbracejar e a protestar como se a
"casa" fosse minha... No meu melhor francês, que não é grande coisa,
preparava-me para insultar o condutor quando reparei na farda do vigilante da
natureza. Oppsss! Felizmente, tal como sei alguns impropérios em francês,
também sei pedir desculpa, mesmo sem quase conseguir respirar...