Um carro simples.
Por: F Cardigos
Penso que todos temos consciência
que a nossa utilização dos recursos do planeta está no limite. Dando apenas
alguns exemplos que me assaltam a memória quando penso nisso, muito mais de
metade dos recursos marinhos utilizados estão abaixo dos limites de sustentabilidade,
as emissões de metano que resultam da produção animal são um enorme catalisador
das alterações climáticas e, mesmo nos Açores, usamos a água doce a níveis que
não são compatíveis com os mananciais existentes em algumas ilhas.
Se outros povos começarem a
consumir e a poluir como se faz no ocidente, o planeta deixará de oferecer as condições
necessárias à nossa sobrevivência. A nossa existência passará a ser uma
longínqua memória se não houver inversões notórias. O planeta que nos abriga não
aguenta mais consumo ou, colocando por outras palavras, não pode haver mais crescimento.
Faço uma distinção entre o “planeta” e o “planeta que nos abriga” porque, na
realidade, por muito que estraguemos, o planeta continuará por cá. A única
diferença é que continuará sem nós.
Não é um problema dos Açores, de Portugal
ou da Europa. Este é um problema do mundo humano. No entanto, por ser um
problema do mundo não nos dá o direito de nos distanciarmos dele. Pelo
contrário, todos somos responsáveis por agir.
Quando vejo nas notícias que
Portugal se prepara para começar a explorar petróleo pergunto-me se o decisor
não conhece os valores de concentração de carbono na atmosfera? Portugal deveria
abdicar da utilização deste recurso, forçando um pouco mais a passagem para as
fontes energéticas alternativas e amigas do ambiente.
Dizem-me alguns amigos que a
tendência decrescente na utilização dos combustíveis fósseis tem que ser global
e que isso não é incompatível com uma exploração por parte de Portugal, que
aproveite os últimos esgares de necessidade de combustíveis fósseis, até porque
ainda serão necessárias mais umas décadas até estarmos completamente
independentes. A mim, esta aproximação faz-me lembrar a expressão inglesa “not
in my backyard”. Ou seja, parem lá vocês de explorar o planeta, “vão sem mim,
que eu vou lá ter…”, parafraseando os Deolinda.
Não pode ser.
E o problema está longe de ser
apenas uma questão petrolífera. Tudo está em questão. Precisamos mesmo de ter o
último modelo de telemóvel? No outro dia vi o jogador de futebol Modric, que
ganha milhões de euros por ano, com um velhinho modelo da Apple. Compreendo que
as pessoas tenham recursos e gostem de usar o seu dinheiro. No entanto, à
medida de cada um, teremos mesmo de deixar o paradigma do consumo e passar para
o paradigma da suficiência. Isto obriga a uma introspeção e à resposta,
honesta, à pergunta “o que preciso para ser feliz?”
A esse título partilho um dado
interessante. Cientistas estudaram o aumento da felicidade com o aumento da riqueza.
Sem espanto, detetaram que, em termos médios, quanto mais ricas são as pessoas,
mais felizes são. Agora, o que os espantou é que não é uma relação linear, mas
sim uma relação assintótica. Ou seja, o dobro da riqueza não trás o dobro da
felicidade. A partir de um certo valor de riqueza qualquer crescimento, mesmo
que infinito, não trás um acréscimo de felicidade minimamente significativo.
Portanto, pessoas como o Bill Gates não são muito mais felizes que qualquer
pessoa da classe média alta de Portugal. Podemos aliás, ilustrar isso com a
coleção de carros de Cristiano Ronaldo. Quando ele comprou a primeira “bomba”
deve ter ficado felicíssimo. Neste momento, mais um carro não deve passar de
uma interessante curiosidade de revista de cordel e razoavelmente efémera.
Então, “o que é necessário?”
Volto a repetir que isso depende de cada um. Eu diria que ter recursos
financeiros suficientes para proporcionar à família segurança, educação e saúde
são pontos razoavelmente comuns a todos. Falando no meu caso pessoal, acrescentando
ao anterior, ter um carro sempre foi algo que considerei importante. Depois de
ter o meu Toyota Prius, passe a publicidade, não sinto qualquer interesse em
adquirir outra viatura. É suficiente.
Quando um governante responsável
diz que é necessário proporcionar emprego para todos os cidadãos e progresso,
eu entendo, mas quando se começa a falar em crescimento, particularmente em
geografias mais desenvolvidas, a mim sabe-me a irresponsabilidade. O planeta
não aguenta, simplesmente não aguenta.