Marcelo Rebelo de Sousa
Foto: Wikipedia
Ao acordar na segunda-feira a seguir
às eleições presidenciais em Portugal, liguei a rádio nacional Belga francófona
e, durante o noticiário que seguiu, anunciaram, sem surpresa, que o Presidente
de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, iria continuar a sê-lo. Para além disso,
mencionaram apenas que a abstenção tinha sido de cerca de 60%. Num país em que
a abstenção é vestigial, até porque o voto é obrigatório, isso é notícia.
Depois, ao longo do dia, lendo os
jornais portugueses, percebi que estavam todos muito mais preocupados com os
perdedores da noite eleitoral do que em analisar os dois grandes vencedores: a
abstenção e o Presidente reeleito. Se o segundo é pacífico, já que o Presidente
teve milhões de votos expressos e a maioria das pessoas gosta dele, a abstenção
merece reflexão detalhada. O que se passa para os portugueses não votarem? Penso
que há diferentes causas, algumas sem solução.
Em primeiro lugar, as pessoas têm, de
acordo com a nossa legislação, o direito de não votar. Para mim, isso parece-me
um enorme contrassenso. Se somos obrigados a pagar impostos e, desta forma,
contribuir para o funcionamento do país, porque não somos obrigados a votar,
algo muito mais simples. Porém, a lei é a lei.
Para além dos que não se reveem no
sistema democrático, há uma faixa cinzenta que apelido de “indolentes”. São
aqueles que não votam porque há um esforço demasiado elevado associado ao facto
de ir votar, mas que o fariam se o sistema fosse facilitado. Não estou a julgar
ninguém, nem a adjetivar o nível de esforço que pode, ou não, justificar a
abstenção de cada um. Estou apenas a constatar. Para os ajudar, o Estado tem
introduzido algumas ferramentas verdadeiramente interessantes, como o voto em
mobilidade, o voto antecipado e o recenseamento automático. Estas ferramentas
ajudam os “indolentes”, mas também os que estão deslocados em serviço, como eu,
os deslocados por outras razões e os emigrantes.
Porém, ao olharmos para o voto dos
emigrantes, reparamos que poucos votaram, mesmo com estas ferramentas. O número
de votantes aumentou, mas a abstenção apenas passou de 99 para 98%. Num grupo
que reúne um décimo dos eleitores, 98% de abstenção é um facto que deve
preocupar o Estado e muito.
Falei com alguns emigrantes para
entender por que razão não tinham votado. Explicaram-me que teriam de se deslocar
centenas ou mesmo milhares de quilómetros, até ao consulado mais próximo, para cumprir
o dever cívico. Por qualquer razão, nestas eleições não foi possível votar por
correspondência. Algo incompreensível…
Realmente, votar é um direito muito mais
acessível a uns do que a outros… Para resolver este problema, parece-me
essencial introduzir o voto eletrónico à distância. Esta deve ser uma
ferramenta a implementar com urgência e que, potencialmente, pode resolver
facilmente 10% da abstenção.
Poderão dizer, e com alguma razão,
que a pandemia justificou parte da abstenção. Para esses e para as pessoas que
têm mobilidade reduzida, o Estado introduziu a possibilidade se votar a partir
do próprio lar ou a partir das casas de repouso. Foi um passo importante, no
entanto, dada a sua novidade, ainda não foi amplamente utilizado. É uma boa
medida e fica para o futuro.
Depois temos o problema dos cadernos
eleitorais desatualizados. Como não impede ninguém de votar, esta
desatualização não é uma questão de vida ou de morte. No entanto, valia a pena
fazer um esforço ainda maior para retirar dos cadernos eleitorais de forma
automática as pessoas que já não se encontram entre nós.
Esta, para mim, é a análise que se
justifica após estas eleições presidenciais. O resto é ruído.