sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Crónicas de Bruxelas - 91: O resultado das eleições presidenciais visto de Bruxelas

 

Marcelo Rebelo de Sousa
Foto: Wikipedia

Ao acordar na segunda-feira a seguir às eleições presidenciais em Portugal, liguei a rádio nacional Belga francófona e, durante o noticiário que seguiu, anunciaram, sem surpresa, que o Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, iria continuar a sê-lo. Para além disso, mencionaram apenas que a abstenção tinha sido de cerca de 60%. Num país em que a abstenção é vestigial, até porque o voto é obrigatório, isso é notícia.

Depois, ao longo do dia, lendo os jornais portugueses, percebi que estavam todos muito mais preocupados com os perdedores da noite eleitoral do que em analisar os dois grandes vencedores: a abstenção e o Presidente reeleito. Se o segundo é pacífico, já que o Presidente teve milhões de votos expressos e a maioria das pessoas gosta dele, a abstenção merece reflexão detalhada. O que se passa para os portugueses não votarem? Penso que há diferentes causas, algumas sem solução.

Em primeiro lugar, as pessoas têm, de acordo com a nossa legislação, o direito de não votar. Para mim, isso parece-me um enorme contrassenso. Se somos obrigados a pagar impostos e, desta forma, contribuir para o funcionamento do país, porque não somos obrigados a votar, algo muito mais simples. Porém, a lei é a lei.

Para além dos que não se reveem no sistema democrático, há uma faixa cinzenta que apelido de “indolentes”. São aqueles que não votam porque há um esforço demasiado elevado associado ao facto de ir votar, mas que o fariam se o sistema fosse facilitado. Não estou a julgar ninguém, nem a adjetivar o nível de esforço que pode, ou não, justificar a abstenção de cada um. Estou apenas a constatar. Para os ajudar, o Estado tem introduzido algumas ferramentas verdadeiramente interessantes, como o voto em mobilidade, o voto antecipado e o recenseamento automático. Estas ferramentas ajudam os “indolentes”, mas também os que estão deslocados em serviço, como eu, os deslocados por outras razões e os emigrantes.

Porém, ao olharmos para o voto dos emigrantes, reparamos que poucos votaram, mesmo com estas ferramentas. O número de votantes aumentou, mas a abstenção apenas passou de 99 para 98%. Num grupo que reúne um décimo dos eleitores, 98% de abstenção é um facto que deve preocupar o Estado e muito.

Falei com alguns emigrantes para entender por que razão não tinham votado. Explicaram-me que teriam de se deslocar centenas ou mesmo milhares de quilómetros, até ao consulado mais próximo, para cumprir o dever cívico. Por qualquer razão, nestas eleições não foi possível votar por correspondência. Algo incompreensível…

Realmente, votar é um direito muito mais acessível a uns do que a outros… Para resolver este problema, parece-me essencial introduzir o voto eletrónico à distância. Esta deve ser uma ferramenta a implementar com urgência e que, potencialmente, pode resolver facilmente 10% da abstenção.

Poderão dizer, e com alguma razão, que a pandemia justificou parte da abstenção. Para esses e para as pessoas que têm mobilidade reduzida, o Estado introduziu a possibilidade se votar a partir do próprio lar ou a partir das casas de repouso. Foi um passo importante, no entanto, dada a sua novidade, ainda não foi amplamente utilizado. É uma boa medida e fica para o futuro.

Depois temos o problema dos cadernos eleitorais desatualizados. Como não impede ninguém de votar, esta desatualização não é uma questão de vida ou de morte. No entanto, valia a pena fazer um esforço ainda maior para retirar dos cadernos eleitorais de forma automática as pessoas que já não se encontram entre nós.

Esta, para mim, é a análise que se justifica após estas eleições presidenciais. O resto é ruído.