Comecei a ler a “História Global de
Portugal” com enorme hesitação. Sei como é fácil exceder as interpretações
factuais sobre o passado quando as evidências são escassas ou discutíveis. Não
é difícil cair na tentação de, apanhando um punhado de indícios interessantes,
complementar com alguma imaginação, independentemente de ser verdade ou não.
Aliás, nos Açores, somos permanentemente
confrontados com isso, ao ver os autoproclamados “especialistas” afirmar vezes
sem conta que, “agora sim”,
encontraram a prova inequívoca que o arquipélago já era habitado antes das
Descobertas. Passado pouco tempo, invariavelmente, vêm os historiadores e arqueólogos
desmentir factualmente as ditas provas. É um “filme” tão delirante que já
incluiu pirâmides afundadas junto ao Banco D. João de Castro e tão tentador que
passou por um documentário da National Geographic.
Eu estou totalmente convencido que é
altamente provável que as ilhas dos Açores tenham sido visitadas por fenícios, por
viquingues ou por outros povos antigos. Para além de terem a capacidade
tecnológica e a curiosidade, há até alguns indícios nesse sentido. No entanto,
o passo que vai do “indício” até à “prova” tem um enorme comprimento e, na
minha opinião, este ainda não foi transposto. Mais importante do que aquilo que
eu penso, os verdadeiros historiadores e arqueólogos consideram que, neste
momento, não há provas de povoamentos ou sequer visitas de povos antigos no
arquipélago.
Portanto, depois de ultrapassar as
primeiras páginas da “História Global de Portugal” e ao ler aquilo que
classifico como “excessivas certezas”, resolvi perguntar a um amigo arqueólogo
se os autores eram pessoas sérias, ou seja, se valia a pena continuar. Obtida a
sua aprovação, li com redobrado prazer porque, de facto, o livro tem imensas
informações e uma abordagem original. Não disserto sobre essa abordagem para
não estragar o prazer de quem o for ler. Mas, aviso prévio, vou revelar uma das
informações…
Estava então entretido a ler a “História
Global de Portugal” quando, de repente, sou confrontado com um par de frases notáveis,
quase ao nível da epifania. A língua lusitana não desapareceu! Mais importante,
há palavras em português que são, na realidade, de origem lusitana. Não é
apenas “Viriato”, mas “veiga”, “lapa”, “lameiro” e “arroio” são também palavras
que utilizamos hoje e de uma forma muito parecida com a que os lusitanos usaram
há mais de dois mil anos, muito, mas muito antes de Portugal o ser.
Movido pela curiosidade e pesquisando
na internet, descobri que há muitos mais vocábulos lusitanos conhecidos, embora
não se tenham mantido na nossa língua. Era engraçado encontrar todas as peças
necessárias para que se pudesse voltar a falar lusitano. No entanto, pelo que
pude apurar, ainda estamos longe de poder construir um verdadeiro dicionário
português-lusitano e há muitas dúvidas sobre a forma de pronunciar as palavras
que se conhecem. Quanto à fórmula escrita o enigma é ainda maior… Oxalá haja
pessoas sérias a estudar este assunto e que um dia o lusitano possa voltar a
ser falado.
A diversidade linguística está em
risco, essencialmente por causa da globalização e das migrações. Todas as
pessoas querem falar com toda a gente e as grandes línguas, na qual se inclui o
português, vão-se impondo e esbatendo ou mesmo aniquilando as restantes.
Em 1996, 96% das línguas existentes
eram faladas por apenas 3% da população mundial e, em 2003, existiam 6 mil línguas
no mundo, no entanto, cerca de metade estava em risco. Estes números, segundo a
UNESCO, têm uma enorme probabilidade de piorar com o passar do tempo, estimando
esta organização que, por volta de 2100, 90% das línguas tenham sido
substituídas pelas dominantes.
Era muito engraçado transformar o
lusitano, uma língua morta, numa língua falada. Seria uma forma de dar
esperança aos falantes resistentes das línguas em risco, de aumentar a
diversidade linguística e de enriquecer ainda mais o património cultural de
Portugal.
Será que algum dia poderemos voltar a
sonhar em lusitano?