Foto: F Cardigos
Sou um adepto fervoroso de todos os que transformam entraves
em oportunidades. Admiro a versatilidade de pensamento, o engenho de saber
fazer de quem pega num problema e o veste de solução e as ganas de quem não se
fica e parte à conquista!
Em Angeiras, freguesia de Matosinhos, o vento norte
condicionou durante séculos a saída dos pescadores para o mar. Durante 120 dias
por ano, por norma, estes pescadores não se faziam ao mar dadas as condições meteorológicas.
Muitos dos que, mesmo assim, arriscaram terminaram de forma dramática numa
pedra que, muito significativamente, se chama de “Come Gente”.
Como resolver o problema…? Os pescadores uniram-se,
sensibilizaram quem de direito, e, com a apoio de verbas europeias e nacionais,
construiu-se um molhe que agora trava a ondulação que cresce sob as ordens do
vento norte.
Desde há uns meses, desde que o molhe está concluído, o pescado
limítrofe, fresco e de qualidade, alimenta os restaurantes de Angeiras de forma
constante. Ao mesmo tempo, graças às águas agora tranquilas que banham a praia,
aumentou o fluxo e uso turístico. O vento norte deixou de ser um problema e
nasceram várias oportunidades que sustentam uma comunidade antes frágil e,
agora, mais pujante.
Viajei para Sul.
A zona mais ocidental do Barlavento Algarvio, quando
comparada com o restante Algarve, está também condicionada pelas severas condições
eólicas. De acordo com as descrições locais, o constante vento norte incomoda
os turistas que procuram praia, sol e águas quentes.
É verdade. O vento norte transporta as águas aquecidas para
o largo e fomenta a emersão das águas frias das zonas abissais. Ora acontece
que essas águas frias estão também enriquecidas de nutrientes oriundos dos
fundos marinhos. Ao chegarem às zonas mais superficiais, onde a intensa luz algarvia
ilumina a coluna de água, estes nutrientes alimentam enormes quantidades de microalgas.
É fácil comprovar este fenómeno observando a cor esverdeada das águas frias do Barlavento
Algarvio.
“Quem conseguisse usar estas algas ficaria rico…” foi o que
pensou um grupo de empreendedores. Auxiliados por cientistas, criaram um
sistema de maternidade para “semente” de ameijoa em grande quantidade. As
ameijoas recém-nascidas numa unidade especializada na Nazaré, a tal “semente”, são
depois transportadas para o largo de Lagos, já na fronteira marinha com o
concelho de Portimão, e depositadas em “lanternas” subaquáticas para
crescimento. Aproveitando a riqueza em algas, estas ameijoas crescem a
velocidades extraordinárias e estão prontas para entrar no mercado em pouco
tempo. Provei-as cruas e são deliciosas.
Por ser impossível pescar na zona onde estão as “lanternas”,
criou-se involuntariamente uma área marinha protegida. Este autêntico santuário
ampliou a capacidade de reprodução e resiliência das espécies locais,
providenciando exemplares em maior quantidade e tamanho nas zonas limítrofes.
Os pescadores agradeceram.
E tudo por causa do “famigerado” vento norte…
Ainda em Lagos, um estaleiro local precisava de dar maior
visibilidade ao seu negócio. Mas a presença soturna e perene do vento norte repelia
potenciais utilizadores. A sina terminou no dia que conheceram a intenção de se
organizar naquela cidade provas de GC32, os catamarãs voadores. Estes veleiros
precisam de muito vento constante e previsível e isso Lagos tem demais!
Imediatamente acarinharam a ideia e hoje o estaleiro é
utilizado por estes iates e outras embarcações de todo o mundo. “Quando o
calado é demasiado alto para entrar na marina de Lagos, contratam-nos para
irmos onde estiverem. Até de África já nos chamaram!” O bafo do vento norte não
foi essencial para este estaleiro, mas a forma como o seu sopro impulsionou os
catamarãs voadores nas regatas em Lagos emprestou-lhe a visibilidade que almejavam.
A isto se chama olhar os problemas de frente para os transformar
em oportunidades. Possa o rigor de todas as formas de ventos de norte estimular
a nossa imaginação e empreendedorismo.