segunda-feira, 26 de novembro de 2001

A Veja

Este peixe inofensivo é quase sempre visto pelo prisma da utilidade gastronómica e não tanto pela sua beleza, exotismo e complexidade. Propomos agora que o conheçamos um pouco melhor. Depressa verificará que a simpática e pachorrenta veja esconde algumas características muito interessantes.

A veja é um dos peixes obrigatórios em qualquer mergulho numa zona rochosa de média profundidade nos Açores. Aquele colorido que nos confunde e nos faz imaginar estar numa zona mais a Sul, mais quente, é dado pelas vejas. O seu bico engraçado e as escamas enormes, misturado com uma aparente falta de timidez, até à distância de segurança, tornam a exploração dos mares uma experiência mais rica e divertida.

Descrição

A veja tem o corpo oval, alargado e ligeiramente comprimido. A sua cabeça é cónica e a sua parte anterior é romba, tendo a boca situada na zona mais anterior. As mandíbulas têm pequenas dimensões e os dentes são fortes e estão unidos numa espécie de bico formado por quatro placas. A barbatana dorsal é única e larga e o bordo posterior da caudal é convexo. As fêmeas são avermelhadas, com uma mancha parda atrás do opérculo, por cima do das peitorais e outra amarela no pedúnculo caudal, atrás da barbatana dorsal. A coloração dos machos é escura entre o cinzento, castanho e verde muito escuro com manchas brancas no dorso e flancos. Podem alcançar 50 centímetros de comprimento.

Cromância

Mas falemos um pouco mais da cor. A coloração variada dos peixes é produzida por células pigmentadas, os cromatóforos. Conforme é conveniente, as partículas de pigmento dispersam-se pela célula ou concentram-se num ponto. Este mecânismo permite o aparecimento ou a camuflagem de certas cores. Por justaposição de pequenos pontos de diferentes cores, obtém-se a gama de cores visíveis macroscopicamente aos olhos humanos. Por exemplo, o verde resulta de pontos azúis e amarelos.
Muitos peixes bentónicos, que vivem junto ao fundo, como as solhas (ver Mundo Submerso 41 - "A solha e outros peixes planos dos Açores"), camuflam-se sobre o fundo adoptando o padrão que lhes fica subjacente (mimetismo). As modificações dos pigmentos são controladas por processos nervosos e hormonais.

Quase todos os peixes que vivem nas zonas superiores da coluna de água têm os flancos de cor clara e prateada. Esta coloração resulta da reflexão da luz sobre numerosos cristais microscópicos que as suas células pigmentadas apresentam sobre a derme (uma das camadas da pele). Estes cristais são constituídos essencialmente por guanina - subproduto do metabolismo celular. Já os peixes abissais apresentam cores mais escuras, enquanto que os que habitam as zonas ricas em vegetação apresentam tons mais perto dos verdes e castanhos, para que se confundam, mais uma vez, com o meio ambiente. Outras espécies desenvolvem uma coloração nupcial especial para cativar os parceiros e intimidar os competidores.

Mas voltemos às vejas. Como é que pode ter a certeza que o que está a ver é realmente uma veja? As escamas de grandes dimensões, o bico - que a certas pessoas faz lembrar um bico de papagaio - e as cores descritas atrás fazem que este animais seja dificilmente confundível.

As vejas reproduzem-se entre Agosto e Setembro. Tipicamente, vivem em grupos de 3 a 6 indivíduos de ambos os sexos, mas durante o período nupcial é frequente encontrar os machos em perseguições violentas. Mas normalmente estes pequenos cardumes nadam pachorrentamente entre as rochas em busca de algas e invertebrados. À noite, é frequente encontrar as vejas a dormir junto ao fundo. É curioso ver o estado letárgico em que se encontram apesar dos olhos estarem bem abertos. É que os peixes nunca fecham os olhos. Essa função é desnecessária nos organismos marinhos pois os seus olhos estão constantemente humedecidos pelo meio ambiente, com a vantagem permanecerem sempre abertos permitindo ao organismo estar mais atento. Bom, na realidade há peixes que fecham os olhos... Os tubarões são sobejamente conhecidos por fechar (eu diria antes "proteger") os olhos antes de morderem as suas presas. No entanto, o habitual dentro de água é não fechar os olhos.

Onde vivem

As vejas habitam zonas rochosas entre os 2 e os 50 metros. Mais frequentemente, os indivíduos de menores dimensões preferem as zonas mais abrigadas junto à superfície e os adultos preferem as águas um pouco mais profundas. No Mediterrâneo, os prados de posidónias são um dos habitats habitualmente frequentados pelas vejas.
Em termos de distribuição global, as vejas vivem no Atlântico Este e no Mediterrâneo (principalmente na zona Oriental). No Atlântico, o limite de distribuição Norte é os Açores e o limite Sul é o Senegal, passando pelos arquipélagos da Madeira e Canárias. Em termos de latitude as vejas distribuem-se entre os 42 e os 14º Norte.

Captura

As vejas têm importância comercial e não se encontram ameaçadas. Apesar disso, nas Canárias, foi estabelecido um tamanho mínimo de captura, no caso 20 cm, como medida de gestão pesqueira de um manancial muito desejado. Em Portugal não há limite inferior no tamanho das vejas capturadas. De qualquer forma, as dimensões das malhas normalmente utilizados pelos pescadores não parecem colocar estes animais em perigo. Em relação à caça submarina, o peso mínimo informalmente recomendado é de 500 gramas (ver Mundo Submerso 53, "Áreas protegidas e tamanhos mínimos de captura"). Este peso equivale a cerca de 20 centímetros em comprimento. Apenas com estas dimensões as vejas atingiram a idade de primeira maturação. Esta idade é aquela em que os animais estão aptos a reproduzir-se pela primeira vez. Se deixarmos todos os animais reproduzirem-se pelo menos uma vez teremos, em princípio um ecossistema mais sólido e protegido. As vejas podem viver até aos 17 anos e têm 4 anos e meio quando atingem a idade de primeira maturação.

A veja é um peixe compreensivelmente muito apetecido do ponto de vista gastronómico. No entanto, faz parte das nossas obrigações como seres humanos, não os comer antes de tempo, ou seja, não capture indivíduos com menos dos refereridos 500 gramas. O consumo de pescado imaturo coloca-nos na posição de cúmplice directo nos efeitos que a sua captura provoca. A captura de demasiados animais imaturos pode romper o ciclo de regeneração das espécies, destrói os ecossistemas e elimina a fauna marinha.

Nos Açores, a captura das vejas a partir de terra parece ter ainda uma função social. É frequente ver pessoas de mais idade a fazerem percursos de alguma complexidade para "irem às vejas". Estes passeios, para pessoas com mais de 60 anos, são mais do que uma ocupação de tempos livres, é um desporto com a vantagem acrescida de proporcionar um jantar agradável e saudável. As vejas são capturadas utilizando como isco um pequeno crustáceo, a moura. Dado o tamanho do isco e do anzol, apenas os indivíduos de maiores tamanho são, na realidade, capturadas o que faz desta pesca uma pescaria ecologicamente sustentada.

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Taxonomia

CLASSE: Osteíctios
ORDEM: Perciformes
FAMÍLIA: Escárideos
ESPÉCIE: Sparisoma cretense

A veja no mundo:
Português: veja; papagaio-velho; bodião ou papagaio (Angola); Bidião (em português-criolo de Cabo Verde)
Castelhano: vieja colorada (Espanha, Costa Brava); vieja ou lobo viejo (Canárias).
Inglês: parrotfish
Francês: perroquet viellard; perroquet
Alemão: papageienfisch
Árabe: zilleyq (Líbano)

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Para saber mais na internet:

FishBase - A base de dados sobre peixes na internet (http://www.fishbase.org/)
Espécies Marinhas dos Açores - Uma pequena base de dados com algumas informações e muitas imagens sobre os organismos marinhos (e não apenas) dos Açores (http://www.horta.uac.pt/species)

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Fontes:

Projecto BARCA - Projecto do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores que estuda as pescarias tradicionais.
ARGOSUB - Página do Centro de Actividades Subaquáticas ARGOSUB na internet. Tem boas descrições de diversas espécies de peixes, embora a qualidade das imagens não seja a melhor (http://estadium.ya.com/casargosub/)
El Maestro Pescador - Página internet com diversas informações sobre biologia marinha (http://www.redhispanica.com/desportes/empescador/)
Pedramol Factory - Mais uma página internet espanhola com informações interessantes sobre peixes. Neste sítio poderá consultar desde receitas culinárias até à legislação em vigor por terras de Castela (http://www.pedramol.com)

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Biografia

Frederico Cardigos é licenciado em Biologia Marinha e Pescas pela Universidade do Algarve. Estagiou no Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores (DOP/UAç) e encontra-se na fase terminal do mestrado em Gestão e Conservação da Natureza. Hoje, é bolseiro do Centro do IMAR da Universidade dos Açores através do Projecto MAROV (MCT-FCT-PDCTM/P/MAR/15249/1999). Colabora activamente com o Projecto MARÉ (EU-LIFE-B4-3200/98/509).


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