domingo, 26 de outubro de 2003

Notas Por esse Mar Fora

Em Portugal cada vez que se fala de protecção no mar as primeiras coisas em que se pensa é em fiscalização e culpados. Infelizmente, poucas são as atitudes construtivas, em que se pensa na primeira pessoa de uma forma realmente pró-activa. Ou seja, poucas vezes pensamos no que podemos nós fazer pelo nosso Mar. Limitamo-nos ao papel passivo de culpar a actividade complementar à nossa, isto se estivermos sequer minimamente interessados. Os pescadores culpam os cientistas por não atribuírem quotas de pesca adequadas, os cientistas culpam os políticos por não respeitarem o ordenamento sugerido, os caçadores submarinos culpam os pescadores e as redes dos pescadores, os pescadores de costa culpam os caçadores submarinos, os políticos culpam a inacção da fiscalização, a fiscalização culpa todos os outros por não lhe darem meios e não respeitarem a legislação... O número de relações e culpados é extensível a todos os interessados na utilização do mar.

Poderia ser adequado deixar para o Estado o papel de fazer a legislação, a fiscalização e para os cidadãos apenas o papel mecânico de cumprir a lei. Poderia ser indicado, embora triste. Não se deixaria nada à improvisação nem ao acaso. Nós, robots incompletos da nossa própria sociedade... E o pior é que mesmo assim não funciona. Segundo a WWF, a propósito de vontade política: “em Portugal (Continental), Bélgica, Dinamarca e França, infelizmente, em termos de vontade, interesse e recursos, parece ter havido uma reviravolta para pior em relação à conservação marinha. Nos Açores, por outro lado, a vontade política e a consensualidade dos utilizadores do mar aponta numa direcção promissora de maior protecção das águas Açoreanas”. O que é que esta região tem feito de especial? É simples: tem-se empenhado em agir! Os políticos empenham-se em pedir informações aos cientistas e a passá-la aos pescadores, os caçadores submarinos tendem a respeitar a legislação, a sociedade em geral fiscaliza e reprova os comportamentos desviantes dos pescadores, os operadores turísticos tentam criar alternativas economicamente viáveis às actividades puramente extractivas e os cientistas estão no mar, analisando a situação, vão às lotas verificar minuciosamente as descargas... No fundo é tão fácil, basta que cada um cumpra o seu papel de uma forma construtiva, fazendo o seu melhor, construindo um mundo mais confortável.

Isto não significa que tudo esteja bem neste paraíso marinho, longe disso. Também o “paraíso” tem problemas e muitos deles resultam também de alguma falta de ordenamento e empenhamentos duvidosos. Mas o factor positivo é que estamos no bom caminho. Graças a não empatar com variáveis inúteis como a culpa e a falta de fiscalização. Mais do que ficar a discutir é preciso fazer!

Estou no Mar, ao largo de Santa Maria. A bordo do N/I “Arquipélago” estamos na Missão “Bancos 2003”. Já realizamos mais de uma dezena de imersões e falta o mesmo número para acabar. Já passámos pelos Bancos Princesa Alice e D. João de Castro, pela Caloura em São Miguel e Costa Sudeste em Santa Maria. Falta-nos imergir nas Formigas e Dollabarat, que ficarão para os próximos dias. O diagnóstico é simples e a intervenção de uma complexidade extrema. Há falta de pescado de todas as espécies com valor comercial médio a alto e é necessário reduzir ou reorientar o esforço de pesca. São conclusões extensíveis a todos os mares da Europa. Segundo o ICES, de 118 pescarias por eles analisadas no Atlântico-Norte, apenas 18% estão dentro de níveis sustentáveis. Toda a gente sabe os problemas e as soluções, só falta mesmo, fazer!

Fontes:

- “Do Governments Protect the Treasures of Our Seas? Measuring progress on marine protected areas” 2003. Relatório da WWF sobre a implementação das Áreas Marinhas Protegidas.

- “Environmental Status of the European Seas” 2003 – International Council for the Exploration of the Sea. Editado pelo Ministério Federal para o Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha.


Publicado na coluna "Casa-Alugada"

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