sexta-feira, 26 de março de 2004

Vasculhando a agenda recente do nosso Presidente

"Se as opções em termos de ambiente não forem razoáveis agora, serão trágicas no futuro" e "se tivermos um poder político fraco, susceptível de navegar ao sabor de pressões, teremos más decisões" afirmou o nosso Presidente da República numa recente visita a Alcochete ao verificar alguns investimentos no mínimo discutíveis em termos de impacto ambiental. De facto, esta é a grande opção a curto e médio prazo e que terá consequências inalteráveis a médio e longo prazo. As decisões estão nas nossas mãos. A responsabilidade final não é do investidor corrupto, não é do presidente da Câmara audaz, é nossa! Está nas nossas mãos a capacidade de denunciar as situações menos claras. Nós somos todos responsáveis! Temos de nos integrar nas Organizações Não Governamentais para o Ambiente e defender o que resta.

Já o referi várias vezes e alerto outra novamente, que é urgente avançar no ordenamento participado de Áreas Marinhas Protegidas! Não percebo muito do resto do mundo, mas sei que em Portugal as pescarias estão em colapso, apesar de alguns esgares, qual semi-defunto, sei que a qualidade dos efluentes continua a não ter a qualidade desejável, sei que o ordenamento litoral está a ser mal gerido. Tudo isto tem consequências.

Em Alcochete o nosso Presidente referiu ainda que o país tem de ultrapassar a "terrível e tradicional propensão para a quezília mesquinha e paralisante", ou seja, e aproveitando as suas palavras: chega de chutarmos as culpas de uns para os outros; temos de passar à acção! Porque “as razões fundamentais de muitos adiamentos em matéria destes temas é que eles não têm urgência, à vista de outros". Teremos de ser nós, os mais esclarecidos e os mais apaixonados pelo ambiente, a colocá-lo no calendário político.

Não podia concordar mais com o nosso Presidente quando, numa visita realizada ao Instituto Português para a Investigação do Mar, afirma que "só podemos ter um Estado com linhas de orientação definidas se a política acompanhar a investigação científica" e "o sucesso da investigação será o sucesso de Portugal", até porque sou parte interessada enquanto investigador. Mas teremos de dar as ferramentas aos investigadores. Neste momento, um investigador recém licenciado não tem qualquer esperança em obter um lugar estável no nosso país e obterá o seu primeiro ordenado decente após obter o doutoramento, ou seja, pelo menos 5 anos após a licenciatura. Repare-se nas recentes afirmações dos dirigentes do Instituto de Tecnologia Química e Biológica e do IPIMAR que admitiram não ter recursos financeiros para pagar aos seus investigadores. Quantos de nós se manterão em Portugal? Dos que saíram, quantos voltarão? Verifico sem espanto que Portugal é incapaz de manter os seus melhores investigadores por cá. Fora da Europa, têm os recursos financeiros e as estruturas organizadas para que as coisas funcionem. Em Portugal e na Europa continental, não. Apenas regressam os que mantêm laços demasiado fortes com o nosso país ou os que dependem do espaço para investigar. Por exemplo, não faz muito sentido estudar as pescas portuguesas baseados em países estrangeiros. Por falar em pescas, não resisto a registar a presença das primeiras embarcações de pescas nos mares dos Açores a meio de Janeiro. Será o princípio do fim dos mares de Portugal?

Apesar de operar alguns dos melhores instrumentos para exploração marinha como o submarino “Nautile” ou o veículo de operação remota “Victor”, em França as perspectivas não são melhores. Mais de 100 mil cientistas, investigadores, engenheiros e professores manifestaram-se contra algumas medidas governamentais que estão a deslocar o conhecimento para o estrangeiro. O caso não é para menos, 400 mil cientistas europeus vivem nos Estados Unidos, auferindo ordenados simplesmente condignos.

Voltando a Portugal. Peguemos nos mais reconhecidos cientistas portugueses da actualidade: António Damásio e João Magueijo. Verifiquemos onde vivem? Estados Unidos da América e Reino Unido. Portugal, ao mais alto nível, já entendeu que o caminho que está ser seguido é errado. As boas notícias são que apenas falta mudar o resto!

Nota: algumas das referências e citações feitas neste artigo resultam de notícias publicadas no jornal Público, podem ser consultadas em:

http://jornal.publico.pt/2004/01/28/Sociedade/S15.html

http://jornal.publico.pt/2004/01/28/Sociedade/S15CX02.html

http://jornal.publico.pt/2004/01/30/Ciencias/H01.html

e na Revista Time de 19 de Janeiro de 2004, pág. 32-39.


Publicado na coluna "Casa-Alugada"

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