Sendo um dos “frutos do mar” mais apreciados nos Açores, as lapas merecem uma atenção especial por parte de quem estuda os mares do Arquipélago. Embora não seja especificamente a minha área, não enjeito entrar nas discussões sobre a gestão deste precioso alimento. Por essa razão, aqui ficam um conjunto de factos, salpicados por umas tantas opiniões, para informar o público e fomentar uma melhor gestão.
As lapas são duas espécies de animais gastrópodes (moluscos com uma concha), como os caracóis e búzios, as Patella aspera e Patella candei; sendo a primeira conhecida por lapa-brava e a segunda por lapa-mansa. A meio dos anos 80 a exploração de lapas cresceu descontroladamente até níveis insustentáveis. Ou seja, a exploração ultrapassou largamente o nível em que as lapas restantes conseguem repor os mananciais (stocks) anteriores. Mais precisamente, em certas zonas já não havia indivíduos suficientes para se reproduzirem em quantidades que garantissem a manutenção da população. Estando as populações a regredir e, em certas zonas, a extinguir-se tornou-se absolutamente necessário criar legislação que protegesse estas duas espécies.
O Governo Regional apoiou-se na informação científica existente e mandou publicar um conjunto de regras de grande qualidade (Decreto Regulamentar Regional Nº 14/1993/A de 31 de Julho, Portaria n.º 43/93 de 2 de Setembro e Declaração de Rectificação n.º 182/93 de 30 de Setembro). Estas regras não são perfeitas, por razões que explicarei adiante, mas são muito boas. Basicamente, a lei refere que é possível apanhar lapas com as seguintes condicionantes: 1- apenas se capturem lapas durante o período autorizado (com início em 1 de Junho e terminando (ou “fim”) em 30 de Setembro), 2- não se capturem dentro das áreas protegidas (há diversas áreas para cada ilha), 3- não se apanhem indivíduos pequenos (com comprimentos de carapaça inferiores a 5 cm para as lapas-bravas e 3 cm para as lapas-mansas), 4- apenas os apanhadores autorizados (com licença oficial emitida pela Direcção Regional das Pescas) podem apanhar lapas durante todo o período de exploração. Esta última condicionante tem uma excepção que é a captura dita “sem fins comerciais”. Neste caso é possível apanhar um quilo de lapas, por pessoa, aos Sábados, Domingos e feriados, apenas na zona entre-marés (ou seja, neste caso, não se podem apanhar lapas de mergulho) e, claro está, com as limitações impostas pelos pontos 1 a 3. Evidentemente, um quilo é um número muito baixo; ninguém espera que um apanhador vá para a rocha para apanhar apenas um quilo de lapas... Mas o espírito está correcto: as capturas sem fins comerciais devem ser efectuadas em baixas quantidades.
Os principais trabalhos científicos que estiveram subjacentes à legislação foram publicados por Ricardo Serrão Santos, Gui Menezes entre outros. Estes investigadores fizeram pesquisas detalhadas sobre a estratégia da conservação marinha nos Açores, os primeiros, e sobre a biologia das lapas, o segundo. Mais recentemente, estes trabalhos têm tido a colaboração de Rogério Ferraz e Gilberto Carreira. Isto representa um esforço do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores que se iniciou no início dos anos oitenta e se prolonga até ao momento. São mais de vinte anos de experiência que permitem a esta instituição saber detalhadamente o que se passa com as lapas. E o que se passa hoje em dia é relativamente simples: a exploração continua a ser demasiado elevada para os mananciais existentes. Este facto tem mantido as lapas em níveis populacionais muitíssimo baixos, inibindo uma eficiente exploração dos mares e um funcionamento regular dos ecossistemas. Seria demasiado extenso explicar quais os motivos e as implicações de uma desregulação do ecossistema, apenas para terem uma ideia dos resultados possíveis, relembro a célebre “doença das lapas”.
“Então?!” – o leitor perguntar-se-á – “se o trabalho científico é bom e a lei é boa, o que está a falhar?” Aqui é que se entra no campo da opinião. Quanto a mim, o que falha é a fiscalização e a intervenção ao nível do mercado. É demasiado tentador para um apanhador profissional (licenciado) desrespeitar a legislação, quando os valores pagos por estes gastrópodes são tão elevados. Seria necessário efectivar a fiscalização ao nível da apanha (que não existe), mas também intervir ao nível do mercado, restringindo a venda, pelo menos, durante o período de defeso. Houve algumas tentativas, mas tão tímidas que os resultados continuam a beneficiar em larga escala o infractor.
Um restaurante em São Miguel resolveu tomar a iniciativa e proteger algumas das espécies em perigo. No cardápio de um restaurante em São Miguel pode ler-se que “este restaurante não serve lapas por estas se encontrarem em perigo de extinção”. Mais atitudes destas houvesse e muito melhor estaria o ambiente marinhos dos Açores.
Sem comentários:
Enviar um comentário