O primeiro artigo científico do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores foi publicado por Helen Rost Martins em 1982. Este trabalho tinha por título Biological studies of the exploited stock of Loligo forbesi (Mollusca: Cephalopoda) in the Azores, ou seja, estudos sobre a biologia do manancial explorado de lulas nos Açores. Foi publicado na revista internacional Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom e tem vários méritos. O primeiro é, obviamente, ter colocado o DOP entre os seus pares internacionais, gerando o reconhecimento pelo bom trabalho que aqui se fazia. Evidentemente que numa perspectiva institucional e de estratégia a longo-prazo isto é deveras importante. Provavelmente este artigo ficará mais conhecido por isso do que pela sua verdadeira razão de existir: “as lulas”.
Nos Açores existem dezenas de espécies de lulas. Infelizmente, apenas uma reúne o conjunto de condições necessárias para ser explorável. Trata-se da lula-mansa ou Loligo forbesi em nomenclatura científica. As outras espécies ou vivem demasiado fundo, ou não são apropriadas para a alimentação humana, ou possuem uma viscosidade tão baixa que não podem ser capturadas por qualquer método de pesca (têm uma consistência parecida com a gelatina) ou não se agregam em densidades que justifiquem o esforço económico de as explorar. Este conjunto de razões faz com que a única espécie interessante para a pesca dos Açores seja também a única que não faz parte da dieta dos grandes cetáceos, como os cachalotes. E assim cai por terra um dos argumentos utilizados para justificar o regresso à caça do cachalote: a competição entre os humanos e os cetáceos. É que não há qualquer interferência entre a dieta destes grandes cetáceos e as espécies alvo dos pescadores, incluindo as lulas. De acordo com os trabalhos de Malcolm Clarke, Helen Martins e outros, os cachalotes alimentam-se de, pelo menos, 40 espécies cefalópodes (lulas e polvos), mas de espécies que estão bem longe dos olhares ou interesses humanos, como seja a Architeuthis, a famosa lula-gigante, que vive a mil metros de profundidade e pode atingir cerca de duas dezenas de metros de comprimento, ou o Haliphron atlanticus, polvo-gelatinoso, cujo o nome comum diz tudo em relação à sua consistência.
A lula-mansa, aquela que é explorada pelos pescadores dos Açores, tem um manancial extremamente dinâmico, ou seja, as quantidades disponíveis para a pesca aumentam e diminuem de uma forma radical de ano para ano. Em certos anos as lulas foram dos recursos mais importantes nas descargas dos Açores, mas, em outras épocas existem em número tão reduzido que nem se justifica a saída para o mar. Este facto exaspera os pescadores. A pesca é já de si uma actividade com enormes variações de acordo com factores independentes do pescador como sejam as condições meteorológicas, as correntes ou a sorte. No caso das lulas estes factores aleatórios são ainda mais importantes porque a própria quantidade de lulas é extraordinariamente variável de acordo com diversos factores oceanográficos. Isto acontece porque as lulas só têm um ciclo reprodutor (depois de se reproduzirem uma vez, morrem) ou, dito de outra forma, “os filhos nunca encontram os pais”. Num ano em que o recrutamento falha compromete-se toda a população mesmo para os anos subsequentes.
No DOP tentaram-se fazer previsões dos mananciais, de acordo com os factores oceanográficos conhecidos, mas os resultados não se mostraram suficientemente robustos. De facto, ainda não sabemos prever se 2005 será um bom ano de lulas, ou não. Temos que estudar mais. Poderá também haver uma interacção entre as espécies exploradas e as não exploradas que ainda não descortinámos. Esta mistura entre a procura e a frustração de ainda não ter encontrado a resposta é também motivadora e aumenta o nosso empenho.
Durante algum tempo no DOP mantivemos lulas em cativeiro. Estes animais serviram para efectuar diversas experiências que se traduziram em cerca de uma dezena de artigos científicos. Para além da utilidade para o próprio avançar do conhecimento relativo a esta espécie, pudemos constatar que se tratam, de facto, de animais extremamente sensíveis. Quando, involuntariamente, se variava a temperatura ou se aumentava a salinidade era certo que as lulas tinham um comportamento completamente diferente, causando mesmo, por vezes, baixas. Por outro lado, pudemos compreender, entre outras coisas, como estes animais são capazes de se orientar no escuro quase absoluto, como capturam as suas presas e como comunicam entre si (trabalhos conduzidos por Filipe Porteiro, João Gonçalves e outros colegas).
Longe de estar terminado, o estudo das lulas dos Açores ainda vai a meio. Ao contrário de outros anos, neste momento não há financiamentos substanciais para o estudo deste grupo de animais. Por essa razão não se podem esperar resultados para breve, mas, com a velocidade que os nossos recursos nos permitem, iremos continuar a tentar compreender o maravilhoso mundo das lulas.
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