segunda-feira, 21 de maio de 2007

PEGRA!?

O leitor menos atento nunca ouviu falar do PEGRA, tenho a certeza. Ao contrário, o mais atento sabe que o PEGRA é algo que o Governo considera muito importante e que a oposição concorda, mas considera não existirem recursos financeiros suficientes para a sua implementação. Até aqui tudo bem e o cidadão comum, ou mesmo o mais informado, poderia considerar que estavam reunidas as condições para nada mais ligar a este assunto. No entanto, nada seria mais errado! O PEGRA é um documento estratégico da maior importância para o futuro próximo do Arquipélago dos Açores. Através do PEGRA serão definidos todos os grandes investimentos em matéria de gestão de resíduos (lixos) até 2013. Provavelmente, o que se fizer depois desse ano, será ainda resultado do que ficar agora definido. Por todas estas razões, vale a pena dar uma olhadela mais cuidada no tal de PEGRA.

PEGRA é uma sigla resultante de Plano Estratégico para a Gestão de Resíduos dos Açores. O PEGRA ficou previsto com a publicação do SIGRA (Sistema Integrado para a Gestão de Resíduos dos Açores) e assenta nas premissas estratégicas desse documento e a respectiva componente de análise técnica e económica. O documento do PEGRA tem a forma de Plano Sectorial e foi concebido durante os últimos seis meses sob a coordenação da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar do Governo dos Açores. Para além dos técnicos da casa, o PEGRA teve como alma a equipa do Professor Doutor António Brito da Universidade do Minho e, pasmem-se, todas as câmaras municipais dos Açores (algumas através das respectivas associações de municípios), diversos organismos do governo regional, algumas entidades privadas e a Quercus. Não foi fácil, mas o documento final, apesar de algumas ressalvas importantes, foi aprovado por unanimidade. Alguns dos membros desta equipa alargada, chamada oficialmente de Comissão Mista de Coordenação, chamaram a atenção para o espírito aberto e a importância de todos os contributos para a concepção do Plano. De facto, quando se participa com sentido de responsabilidade e quando há tempo para reflectir adequadamente, o resultado é muito melhor do que a premissa inicial. Para construir o PEGRA foram distribuídos duas versões, uma dúzia de documentos de apoio, 20 pareceres oficiais, 4 reuniões alargadas e dezenas de contactos informais. Foi um trabalho extenuante, mas extraordinariamente compensador. Temos a consciência que este é um trabalho de enorme qualidade. No entanto, ainda não está terminado. Certamente, ainda contém algumas imperfeições e para as ultrapassar será necessário o seu contributo! Tal como está a acontecer com o Plano de Turismo e já aconteceu com o Plano Regional da Água e o Plano Sectorial para a Rede Natura 2000, ao cidadão é agora dada a oportunidade de verificar o Plano e enviar os seus contributos, críticas ou observações. Este é um processo de discussão pública oficial e, como tal, todas as sugestões terão de ficar registadas e ser equacionadas pela equipe técnica. As opções consideradas correctas serão vertidas no Plano. No entanto, as opções consideradas não correctas não são liminarmente recusadas; a sua não inclusão terá de ser justificada ponto a ponto. Portanto, vale a pena participar!

Acabada a discussão pública, o Plano é remetido para o Conselho do Governo dos Açores que, com as alterações que considerar adequadas, o aprovará e remeterá para a Assembleia Regional para discussão, eventual aprovação e publicação em jornal oficial. A complexidade do processo destina-se a confirmar o acerto de todas as opções tomadas.

O ponto central do PEGRA, como tem sido chamado à atenção por alguma comunicação social, é o investimento em infra-estruturas e a circulação de resíduos no nosso arquipélago e, quando não possível valorizá-los localmente, enviá-los para o continente. Como poderá verificar no PEGRA, o investimento em infra-estruturas é de 82 milhões de euros. Em todas as ilhas serão instalados, pelo menos, um Centro de Compostagem e um Centro de Processamento. Com o primeiro serão transformados em solo e adubo (composto) os resíduos orgânicos e, com o segundo, serão triados os restantes resíduos por forma a reduzir a componente não re-utilizável ao máximo. Quando o sistema estiver aperfeiçoado, restarão apenas 13% de resíduos sem outro destino que não o aterro sanitário. Ou seja, nesse momento e com um investimento mínimo, os restantes resíduos das ilhas de menores dimensões poderão ser enviados para as ilhas de maior dimensão para uma última valorização energética (não estou a referir-me a uma incineradora) ou deposição em aterro. Para gerir todos estes resíduos, será criada uma bolsa de resíduos. Sim, haverá um local em que poderão ser adquiridos ou vendidos os resíduos dos Açores. É uma ideia original no contexto de Portugal, mas já implementado noutros cantos do globo.

A maior crítica apontada ao PEGRA é a falta de uma ferramenta financeira que sirva para cobrir os tais 82 milhões de euros de investimento. Os próprios municípios referem que não têm, por si só, as verbas necessárias para o investimento previsto. Tenho de concordar que seria muito mais confortável se houvesse uma panaceia para resolver todos os problemas financeiros dos Açores, mas não é assim. Não irei avaliar a adequação do investimento municipal realizado no passado ou o planeamento agora previsto, até porque não fiz a avaliação do passado e não sei em detalhe qual é o planeamento previsto. Aquilo que sei é que apenas poderemos responder positivamente às directivas comunitárias e acabar com as lixeiras se aplicarmos os conceitos estabelecidos no PEGRA o que, inevitavelmente, nos obrigará a ser imaginativos na forma como iremos encontrar o financiamento para as estruturas previstas. Assim sendo, o Governo dos Açores, em mais uma atitude de largo alcance, e em contraste com a própria legislação continental, está a abrir aos privados a possibilidade de gerirem todos os tipos de resíduos no Arquipélago. Ou seja, as câmaras podem recorrer a iniciativas públicas-privadas ou concessionar aos privados a gestão de resíduos. Assim, será possível ampliar o investimento sem recorrer à banca nem onerar o Estado. Não se pense que esta é uma temática pouco importante. Nada que se pareça. Neste preciso momento estão a ser analisados na Secretaria Regional do Ambiente e do Mar projectos para resolver em quatro ilhas o problema dos resíduos de construção e demolição. Os privados sabem que se há algo que os humanos sempre produzirão são resíduos e, portanto, é um investimento seguro.

Volto a repetir, não estamos perante um documento completo e acabado. Temos um documento que é um excelente ponto de partida e que, com seu contributo, ficará perfeito. Em breve serão divulgados na comunicação social os mecanismos de intervenção. Participe e contribua!

O Homem que Reconheceu Neptuno

Hoje é para mim um dia triste. Tentando combater este sentimento, optei por subir à Espalamaca. Na companhia de Nossa Senhora, perto de um monumento que não lhe faz jus, fotografei uma Baía da Horta cheia de veleiros. Poucas imagens serão tão libertadoras, mas a minha alma continua presa a esta amargura.

Voltei à cidade e coloquei no leitor de música as três versões que me enviaram recentemente de “La Tempesta di Mare” de Vivaldi. O objectivo é identificar qual das versões desta obra-prima do génio humano mais me agrada. Cada versão tem sete minutos. São três andamentos em sete minutos! Esta obra foi composta em 1728. Tento imaginar o gozo que seria para Vivaldi e a sua garotada (ele era professor de música) a tocarem esta peça no meio do pátio da escola.

A primeira versão é pura. Nitidamente, a Academia de Música Antiga tentou interpretar o que estava na pauta. O seu maestro, Sir Christopher Hojwood, deu ênfase à exemplar flauta de Simon Preston no primeiro andamento, como eu julgo que Vivaldi teria querido. O Allegro, o primeiro andamento, dá aquela sensação, que os que andaram no mar bem conhecem, de lutar contra uma onda e, logo a seguir vir outra e mais outra, uma rajada de vento, seguida da tranquilidade traiçoeira que chega no segundo andamento. Aqui temos a calmaria. Este Largo dá-nos então a água a chapinhar contra o casco do barco e a suavidade do olho da tempestade… Talvez se tenham perdido alguns marinheiros porque o passo é mesmo triste e lento. O terceiro andamento, através de um Presto é o regresso da tempestade, mas, agora, como já estamos perto do porto, não é problemático e até nos dá um certo gozo. O mar bate-nos na cara e, apesar de as gotas doerem, temos a conjunção paradoxal entre a tranquilidade e a adrenalina, que os windsurfistas bem conhecem. Esta é a minha interpretação livre dos três andamentos. Tenham atenção que nunca li nada sobre esta peça e, portanto, a intenção de Vivaldi até poderia ser completamente diferente. Eu sinto-a assim.

A segunda versão é mais plácida. Falta-lhe a emoção. A flauta está distante, perdida no meio da orquestra. Não é que esteja mal, mas a falta de realce da flauta e de contraste nítido entre as notas, tiram-lhe a emoção que a primeira versão tem. O maestro Cláudio Scimone, na minha opinião, não fez um tão bom trabalho como o Hojwood.

A terceira versão é completamente louca. Meteram uma série de solistas, tiraram tanta ênfase à flauta que me parece estarem a brincar com o Vivaldi. É uma versão em que o primeiro andamento tem tanta violência que nos parece impossível ir mais longe, o que é contrariado pela tempestade furiosa que nos é dada a ouvir mais tarde, no terceiro andamento. No segundo andamento a flauta parece chorar, como se o barco tivesse naufragado durante o primeiro andamento. Como atrás dizia, o terceiro andamento é um autêntico Beaufort nível 12. Imagino que os instrumentos tenham ficado danificados após o furacão que passa por este andamento. Apesar da orquestra “Il Giardino Armonico”, dirigida pelo maestro Giovani Antonini, ser considerada uma das melhores do mundo a tocar o período barroco, não creio que o autor gostasse desta versão. É demasiado arrojada e os facilitismos fazem lembrar outras peças. Pergunto-me até se a pauta é a mesma…? A aproximação à interpretação não é, certamente. Pelo facto de puxarem mais por um instrumento ou outro e de forma, diria, aleatória faz-me lembrar um concerto de Jazz improvisado.

Deambulando por estes pensamentos, quase me esqueço que hoje é um dia bem triste. Leio na Internet que a melhor versão desta peça é a do maestro Trevor Pinnock e claro que, num dia soturno como hoje, evidentemente, não tenho essa versão. Oiço com atenção, avanço, recuo, não, nada me consegue fazer concentrar na orquestra de cordas que, com uma energia com que não me identifico neste momento, me faça sequer entender as diferenças e semelhanças. Os meus neurónios saltam, permanentemente, para algo mais mesquinho e comezinho que me dilui o espírito.

Os dias em que temos de enfrentar a maldade humana são particularmente dolorosos. Hoje é um desses dias. Tenho pena de, por raras vezes é certo, dar razão aos que pensam na inevitabilidade da autodestruição humana. Justificam-no pelas acções de egoísmo que alguns demonstram e, hoje, têm razão. Num tempo em que temos de ser particularmente solidários, abnegados e altruístas, fazendo a nossa pequena parte para um bem comum e aparentemente distante, é muito triste quando somos confrontados com atitudes de uma inacreditável maldade.

Passo novamente ao Vivaldi. Penso que já ouvi esta peça umas vinte e uma vezes. Sete vezes cada versão. Volto à primeira. Custa-me a crer que o Trevor Pinnock tenha uma versão melhor que esta do Christopher Hojwood. Para os meus ouvidos roça a perfeição. Sou embalado pela música. Finalmente, deixo-me conquistar… Há uns anos atrás quando ouvi esta peça pela primeira vez, ela servia de fundo sonoro à evolução da vida, contada em 45 segundos por um outro génio, Carl Sagan. A série chamava-se Cosmos e serviu para que muita gente, incluindo eu, aprendesse a amar a Universo. Quando observamos com os olhos (com o umbigo não funciona) e com atenção o mundo que nos rodeia, por vezes, vemos coisas tão bonitas e inesperadas que nos enchem de regozijo. Raras vezes, temos a sorte de as poder partilhar com outros, dando-lhes o mesmo prazer. Em situações ainda menos frequentes, podemos partilhar com o mundo aquilo que vemos num momento de gloriosa visão.

Lembro-me de uma tempestade que, rezam as crónicas, foi demoníaca. As ondas bateram contra a Ilha do Faial com tanta violência que se partiam e dispersavam para alturas de várias dezenas de metros. O José Henrique Azevedo fotografou uma sequência dessas ondas e passou a mostrá-las aos amigos como exemplos da estrondosa violência que pode existir nos Invernos açorianos. Um dia, ao mostrar ao seu amigo José Machado, que tem uma invulgar sensibilidade visual, repararam que, se se olhasse com atenção, na onda que se soltava do Monte da Guia podia-se ver, claramente, a face de um homem barbudo. Eu próprio olhei vezes sem conta e é mesmo verdade. Num primeiro olhar ninguém nota, mas, depois de explicado, lá está. A face de Neptuno!

Competirá à humanidade decidir se deseja continuar a fascinar-se com as maravilhas que nos acompanham ou se será melhor continuar a pensar apenas em proveito próprio. Aquilo que é definitivamente certo é que as duas não são compatíveis.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

A minha primeira regata

Quando as vagas têm quatro metros de altura, o vento mais de vinte nós e o meteorologista continua a insistir que o tempo está óptimo para um passeio marítimo é porque, das duas uma: ou temos um departamento de previsões louco ou o homem do tempo é um amante dos desportos radicais. Foi neste contexto que me encontrei no meio da minha primeira regata. Felizmente para a minha aventura debutante, o veleiro era seguríssimo e, assim, mesmo apesar de todas as asneiras que eu em conjunto com o skipper (um advogado americano recém-reformado) e o resto da tripulação fomos fazendo, não deixámos de desfrutar da natureza em estado puro. Colocámos o sistema de som no máximo e o Beethoven espalhou a sua nona até aos restantes concorrentes. Não fosse termos feito um inesperado e, pior, involuntário, 360º, até poderia parecer que percebíamos da coisa… De facto, não. No entanto, fartámo-nos de divertir e a amizade inter-continental resistiu àquele mau tempo e a outros tempos que se seguiram.

O mundo natural tem todos os encantos, cabe-nos encontrar as formas de, na segurança possível, usufruirmos dele em toda a sua plenitude. Não será, certamente, em casa, em frente ao televisor, à playstation ou no chat-room que iremos encontrar os prazeres do mundo natural. Para usufruir das imensas coisas belas e intensas que a natureza tem para nos dar é preciso dar aquele primeiro e importante passo. Agir!

Os que participam na Atlantis Cup agem, claro está. E podem ter um importante papel na mudança de comportamentos tão necessária para o acordar da nova geração. Muitos dos nossos jovens estão adormecidos, levantando-se ocasionalmente para ir às aulas ou para dar um muito excepcional passo de dança. Os velejadores podem engrossar a fileira da luta na frente da batalha pela participação e ajudar a, “heresia!”, apagar os televisores.

No dia a seguir à regata Horta-Velas-Horta com que me estreei no mundo da vela de cruzeiro, estava constipado, dorido e cansado, mas feliz. Apetece-me sacudir todos os que ainda não tiveram a oportunidade ou o desejo de velejar. Gostava de os conseguir incentivar para participarem numa regata e, de preferência, nos Açores.