Quando cheguei de férias, uma das piores notícias que me deram é que tinham, finalmente, consertado o sino da Torre do Relógio. Para contextualizar, tenho que informar que o sino da Torre do Relógio fica a 25 metros do vidro duplo que protege o quarto que contém o meu leito. Apesar de tocar “apenas” entre as oito da manhã (madrugada ao Sábado e Domingo, como todos sabem) e as nove da noite, por vezes, torna-se insuportável. Imaginem o que é estar a ler um livro entrecortado a cada 15 minutos por um bing-bong ou quatro bings-bongs seguido de bings por cada hora que passou… É terrível. Já reparei também que se eu estiver prestes a sair ou a chegar a casa, misteriosamente, a mais longa sequência de bings e bongs espreita e ataca! Poucas sensações serão tão desagradáveis como estar a colocar a chave na porta e traz! cinco bongs e doze bings. Já notei um certo esgar de riso do infernal relógio. A sério! Aquele “haa, ha, ha, ha, haaaa…” sabem?!
Vem esta história, terrível e quase verídica, a propósito de algumas queixas que me têm sido transmitidas durante este período de festividades em relação ao “exagerado” ruído produzido por mega aparelhagens, emitindo sons de duvidoso bom gosto, digo eu, e que, sem outro nome, chateiam! De facto, para quem não gosta, ou mesmo para quem goste, mas, simplesmente, esteja cansado, é muito desagradável ouvir os cantores, cancenotistas, grupos, DJs, projectos e outros emissores a propalarem a sua arte até às seis da manhã. É verdade, mas, numa sociedade tolerante, temos de ter alguma paciência e, afinal de contas, não é todos os dias.
Para que não se pense que estas coisas podem acontecer por livre arbítrio, relembro que há uma lei que rege o ruído nos Açores. Trata-se do Decreto Legislativo Regional nº 23/2010/A de 30 de Junho. Este mesmo diploma prevê que, em casos excepcionais, a edilidade possa dar uma autorização de emissão de ruído, a chamada “Licença Especial de Ruído”. Para além das já mencionadas festas, pode justificar a emissão desta licença, por exemplo, a realização de uma obra relevante que se prolongue para além do horário diurno.
Com a sua razão e apesar da legalidade, alguns cidadãos não gostam do barulho que certas festividades geram. Nesse caso, sugiro que se junte com os seus vizinhos e elaborem uma petição para ser apreciada pela edilidade. Certamente, haverá sensibilidade para que, numa próxima autorização, seja tida em conta a sua perspectiva.
Há locais que, por contingência da sua natureza, como os grandes aglomerados populacionais, aeroportos, portos, estradas, emitem regularmente som com elevada intensidade. Para esses a lei prevê a realização específica de “Planos de Acção”, elaborados de forma participativa, e destinados a gerir os problemas e efeitos do ruído bem como, quando necessário, a reduzir a sua emissão. Para além disso, de dois em dois anos, a Câmara Municipal tem de elaborar um “Relatório do Ambiente Acústico”. Nele terão de ser evidenciados quais os progressos efectuados em matéria de combate ao ruído e a adequação dos diferentes emissores sonoros aos contextos geográficos em que se inserem.
Há poucas coisas que incomodem tanto como o ruído. Nos casos extremos, o ruído pode provocar alterações no comportamento humano e, resumidamente, infelicidade. Se temos que ser tolerantes para com o ruído a que nos expõem, também terá de haver sensibilidade para o nosso merecido descanso. No entanto, e como tantas vezes vou escrevendo, apenas se tomam boas decisões quando colectivamente participamos nelas. A lei abre vias de participação. Saibamos utilizá-las.