sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O Círculo do Triângulo

Fajã dos Cubres na Ilha de São Jorge.

Por vezes, temos ideias que não sabemos se são muito boas... São esboços que tentamos partilhar com outros para que nos auxiliem na sua aferição e melhoria. O que irei escrever a seguir é isso mesmo: uma ideia que anda à procura de críticas.
Por diversas razões, fomos ganhando consciência que, em certas áreas, as ilhas do chamado Triângulo dos Açores (Faial, Pico e São Jorge) valem muito mais em conjunto do que isoladas. Tendo entendido isso, um conjunto de autarcas criou a Associação de Municípios do Triângulo e um grupo de empresários a Associação Tryangle, que irá ser apresentada na Bolsa de Turismo de Lisboa nos próximos dias. Na mesma linha, chegou-se à conclusão que alguns investimentos, como a exploração de energia geotérmica, apenas serão economicamente viáveis se aplicados ao conjunto das ilhas do Triângulo. Ou seja, a concretização de projectos no âmbito global do Triângulo dos Açores é, frequentemente, um acto de bom senso.
O Partido Socialista dos Açores foi, mais uma vez, inovador ao criar um círculo eleitoral que não depende de uma unidade geográfica. Ao criar o chamado círculo de compensação, deu voz aos eleitores que se desejam ver representados por pequenos partidos com, muitas vezes, ideias que não estão cobertas pelos partidos maioritários. Foi um extraordinário passo para a construção de uma democracia total e que colocou no parlamento regional dois partidos (Bloco de Esquerda e Coligação Democrática Unitária) que de outra forma lá não estariam.
Um passo semelhante poderia ser dado com o Triângulo. Evidentemente, ninguém espera dar, às ilhas do Triângulo, mais deputados do que elas já têm, mas, se estas considerarem realmente importante o desenvolvimento de uma estratégia comum, então que tal abdicar cada uma de um deputado e orientá-lo para este círculo triangular? Faial, Pico e São Jorge elegem, cada uma, quatro deputados. Se cada uma destas ilhas abdicar de um deputado para o círculo triangular, teremos um Triângulo com três representantes. Para além disso, pelo facto de estas três ilhas passarem a ter três eleitos, deixará de haver a tradicional divisão 2-2 entre PS e PSD, fazendo com que os deputados ilhéus tenham de fazer mais para serem eleitos e merecerem a reeleição.
O círculo do Triângulo é hoje uma ideia e não passa, por enquanto, disso, mas merece, a meu ver, ser considerada e discutida. Pois, se a união faz a força, se as soluções conjuntas tendem a ser mais inteligentes e eficientes, se estamos a verificar que algumas soluções inovadoras das unidades geográficas poderão catalisar o desenvolvimento das suas vizinhas e se o total da população destas ilhas equivale à ilha Terceira (a segunda mais populosa dos Açores), podemos concluir que temos muito a ganhar com a criação deste corpo de autênticos três mosqueteiros. É claro que os eleitos por este círculo teriam também de beber de Alexandre Dumas a máxima de “um por todos e todos por um”, ou seja, não alinharem em bairrismos, fonte de tantas hesitações e atrasos que têm prejudicado o desenvolvimento das nossas ilhas.
Fica a ideia, venham as críticas!

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Formigas, um sítio Ramsar dos Açores

Tubarão das Galápagos no Recife Dollabarat.

Poucas coisas me poderiam dar tanto prazer como aceitar o desafio de escrever um artigo sobre os Ilhéus das Formigas. Estas linhas são escritas entre sonhos, trabalho, estudo, memórias, saudades e esperança que ao longo dos anos este magnífico local me despertou.

O sonho começou quando, ainda numa escola primária do Continente, olhei para o mapa e me perguntei porque é que os Açores não tinham dez ilhas? Porque extraordinária injustiça aqueles pedaços de terra, nítidos no mapa que tínhamos espalhado no chão, não mereciam o estatuto de ilhas e ainda por cima eram apelidados de “Formigas”? Ainda não imaginava que um dia iria ter qualquer afinidade com o mar e já sonhava com as Formigas...

Anos mais tarde, vi-me a braços, por catapulta da Expo98, com um convite para participar numa expedição de inventariação faunística e recolha fotográfica que, entre outras, deveria enriquecer o Pavilhão dos Açores naquele evento. Foi um trabalho maravilhoso… Depois, houve que agarrar em toda a informação obtida nesse ano e em todos os anos até 2005 e transformá-la em relatórios, em memorandos, álbuns fotográficos, vídeos e reportagens diversas. Neste momento, tenho particulares saudades de voltar às Formigas e esperança que isso venha a acontecer em breve.

Os ilhéus das Formigas situam-se a 20 milhas náuticas de Santa Maria e a 34 de São Miguel. A sua posição justificou a criação de uma chamada linha de base entre São Miguel e Santa Maria o que aumentou o mar territorial de Portugal em algumas dezenas de quilómetros quadrados. O complexo topográfico em que se inserem os ilhéus das Formigas, prolonga-se em profundidade, incluindo mais dois outros montes submarinos, o Recife Dollabarat, com 3 metros de profundidade de altura máxima e o Bando do Entre-Meio, com 25 metros no seu ponto mais alto. Estes dois sítios não são visíveis de fora de água, embora, no caso do Dollabrat, nos dias com alguma ondulação, se forme uma exótica onda circular. Ao contrário, nos dias de muito bom tempo, é possível ver o esbranquiçado de grande parte do Recife por entre a transparência da água.

O complexo dos ilhéus das Formigas, apesar da proximidade com as ilhas de Santa Maria e São Miguel, possui características específicas muito próprias, incluindo alguns fósseis, peixes de elevadas dimensões e corais-negros com tamanho de árvores. É um sítio lindo. Na primeira vez que coloquei a cabeça debaixo de água nas Formigas era o final de tarde. Vi um ratão a passar a meia água e, apesar do fundo estar a uns 40 metros, conseguia ver as pedras sobre a areia. Este é um autêntico paraíso para os mergulhadores.

As rochas em si, as tais Formigas, constituem um local de descanso para as aves marinhas e de deleite para quem, como eu, gosta de ouvir a mistura perfeita entre o vento, o mar e a solidão. Nem o branco do farol consegue apagar esta paradoxal sensação que jaz entre a aflição e a tranquilidade.

Desde muito cedo que se realçou a importância de proteger este local e torná-lo um autêntico santuário para a vida marinha. Como resultado desse e de outros esforços, este local, através de diversos estatutos, está protegido desde 1988 e é hoje Reserva Natural do Parque Natural de Santa Maria. Para além disso, esta área pertence à Rede Natura 2000 (2001), é Área Marinha Protegida da Convenção OSPAR (2005) e está classificada como Área Ramsar (2008). A Rede Natura 2000 agrega os mais importantes locais da Europa em termos de conservação da natureza, as Áreas Marinhas Protegidas da Convenção OSPAR agregam os locais determinantes para a conservação marinha da Europa e as áreas classificadas ao abrigo da Convenção de Ramsar agrupam os locais cujas águas são importantes para os sistemas naturais. Obviamente, o complexo dos ilhéus das Formigas e do Recife Dollabarat tinha de constar nos três!

O Departamento de Oceanografia e Pescas e o Departamento de Biologia da Universidade dos Açores conduzem missões regulares neste local. Foi numa destas missões em que, utilizando um ROV da Universidade de St. Andrews, foram filmados extensos jardins de enormes algas laminárias, o único com esta exuberância registado nos Açores.

Nos últimos anos, graças ao acompanhamento permanente das chamadas “Missões Bancos” do DOP por parte de jornalistas e fotógrafos de vida selvagem, este local tem sido verdadeiramente conhecido e reconhecida a sua importância para a salvaguarda da vida marinha. Para além disso, o constatar de um deficit de vigilância do local teve como resultado um intensificar da actividade inspectiva o que provocou uma verdadeira protecção do local no ano de 2010. Os efeitos desta nova responsabilidade, em que merece particular destaque a intervenção da Autoridade Marítima e dos utilizadores não extractores dos ilhéus, tornar-se-ão evidentes nos próximos anos.

Formigas

Ao conhecer a história do naufrágio do “Olympia”, uma embarcação de transporte de pessoas e carga de meados do século XX, dei por mim a pensar quantas embarcações teriam tido o mesmo fim… Uma análise cuidada resulta na escassez de elementos sobre eventos dramáticos nos ilhéus. Será isso o resultado de falta de ocorrências ou, pelo contrário, a impossibilidade de efectuar qualquer salvamento resultaria numa perda silenciosa… Lembro-me do misterioso desaparecimento dos navegadores quinhentistas Miguel e Gaspar Corte-Real. Primeiro um e depois o outro, que procurava o primeiro, atravessaram o Atlântico e nada mais se soube deles. Terão tido o azar de encontrar as Formigas numa noite de nevoeiro? Terão tentado passar por cima do Recife Dollabarat?

Por esta razão, ainda no século XIX, foi decidido assinalar as Formigas com um farol que fosse visível bem para além dos ilhéus e do Recife Dollabarat. O alvo farol é testemunha de uma obra que demorou mais de cinquenta anos na fase de planeamento e apenas 36 dias na fase de construção.

Quando se salta para os ilhéus nas Formigas, depois da emoção de um desembarque sem qualquer porto, parece que o peso destas histórias cai sobre nós. É inevitável olhar inquisitivamente para todos os lados e apenas vislumbrar terra a dezenas de milhas de distância. A pequenez dos ilhéus misturada com o isolamento assalta-nos a alma dando uma estranha sensação de claustrofobia em pleno ar livre.

Na água, as paredes dos ilhéus mergulham a pique até 60 metros no lado poente e 40 no lado nascente, as algas do género Cystoseira dominam as paredes nos primeiros metros e depois são progressivamente misturadas e, finalmente, substituídas pelas Zonaria tournefortii. Entre elas, dezenas de espécies de outras algas e pequenos animais farão as delícias de quem conseguir tirar os olhos dos peixes pelágicos, meros, restos de navios e tantas outras coisas fantásticas que aqui encontramos.

Dollabarat

Ao contrário do que muitas vezes é dito, o nome Dollabarat não resulta de qualquer navio afundado no recife irmão das Formigas, mas sim do nome do comandante de navio Basco que identificou e posicionou aquele enorme perigo para a navegação. A cerca de três milhas a es-sudeste das Formigas, há uma ascensão dos fundos marinhos desde os 60 metros até uma plataforma com profundidade média de 12 metros e uma extensão Norte-Sul de cerca de um quilómetro. Esta plataforma, principalmente no extremo Sul está sulcada por agudos e extraordinários vales. Sinceramente, não há palavras suficientes para descrever a maravilha que ali se encerra. As rochas, brancas com um aspecto mesmo lixiviado, estavam até ao final do século XX recobertas por extensos e longos tapetes de algas. Algo aconteceu e perturbou o equilíbrio do local. Os cientistas ainda procuram respostas, embora, lentamente, o recife esteja a ganhar de volta os seus enormes prados. Alguns defendem, possivelmente com razão, que uma diminuição da população de peixe-cão (um dos poucos predadores de ouriços) possa ter causado este desequilíbrio. Este possível facto realça que os locais muito pequenos são imensamente sensíveis, pelo que o simples retirar de uma componente pode ter consequências dramáticas.

Submergir nos vales, encontrar, grandes meros, moreias, jamantas e tubarões são os pontos altos de um mergulho que nunca, jamais, poderá ser esquecido. Certa vez, cheguei ao fundo da parede Sul do Dollabarat e fiquei imóvel sobre o fundo alguns segundos. Quando voltei a olhar para cima tinha um mero enorme a olhar para mim. Sorri-lhe. Ele olhou para mim, abriu e fechou a boca quatro ou cinco vezes, aproximou-se, deixou-me tocar ao de leve no seu dorso e majestaticamente partiu lentamente com um destino que apenas ele conhecia. Olhei ainda mais para cima. Dois tubarões passavam, oriundos de um cabeço que fica mais a Sul. Para meu espanto, uma bicuda atirou-se sobre a zona ventral do tubarão o que o fez fugir repentinamente. Ao regressar ao topo do Dollabarat, o meu colega de mergulho esticou todos os dedos de uma mão e com a outra fez-me o sinal de tubarão. Olhei na direcção do local de onde tinha regressado e vi os cinco magníficos animais. Pouco depois, uma enorme jamanta, com, pelo menos, quatro metros de envergadura, aproximou-se do meu colega de mergulho fazendo uma rasante à sua câmara de vídeo. Pode parecer extraordinário e é, mas, foi apenas mais um mergulho no Recife Dollabarat.

Banco do Entre-Meio

O Banco do Entre-Meio é mais uma zona de águas pouco profundas, leia-se mergulhável, que se situa exactamente entre o Dollabarat e as Formigas. A razão essencial que pode justificar uma imersão neste local é o facto de ser local verdadeiramente selvagem. Conheço poucas pessoas que lá tenham mergulhado e, portanto, não é de admirar que os peixes não tenham qualquer receio de si. Aliás, como me aconteceu a mim, alguns dos peixes tentarão dar-lhe uma mordidela… Nada de mais, continuo com os dedos todos…

Conclusão

Mergulhar no Recife Dollabarat é uma aventura como poucas haverá no mundo. A sensação de desembarcar nos ilhéus das Formigas também não tem par. De facto, esta Reserva Natural do Parque Natural de Ilha de Santa Maria é um magnífico tesouro que urge recuperar totalmente, preservar, explorar com sustentabilidade. O prazer é tão grande que, digo eu, é um dever humanitário de quem conhece ou pode lá ir, partilhar a sensação ou levar “um amigo também”.

Pedro Afonso filma Manta birostris no Recife Dollabarat.
Foto: F Cardigos - ImagDOP.

Entrevista ao Jornal "O Baluarte"

Entrevista ao Director Regional dos Assuntos do Mar, aquando da visita à Maia e às obras de requalificação da orla  de São Lourenço no dia 2 de Fevereiro. 

  • Qual o motivo da sua visita a Santa Maria?
A presente deslocação a Santa Maria justificou-se principalmente pela necessidade de verificar o ponto de situação da erosão costeira na Maia. Também considerámos importante verificar o andamento das obras na Baía de São Lourenço. Adicionalmente, e calhando a vinda no Dia Mundial das Zonas Húmidas, aproveitou-se para fazer uma acção de sensibilização sobre uma das doze áreas dos Açores classificadas como área Ramsar, o Complexo dos Ilhéus das Formigas e Recife Dollabarat. Também há reuniões previstas com algumas entidades privadas, que assim o solicitaram, e haverá uma reunião com a equipe local da RACA (Rede de Arrojamentos de Cetáceos dos Açores).

  • Como estão a correr as obras de requalificação da Baía de São Lourenço e quais as alterações ao projecto inicial?
Dentro de todas as idiossincrasias que caracterizam as obras, principalmente as marítimas, já que nunca se sabe muito bem como as soluções técnicas se adaptam às características específicas da dinâmica do mar em conjunto com a topografia costeira, a obra tem corrido bem. É evidente que alguns dos eventos do último Inverno não eram esperados nem desejados, mas estão dentro da normalidade deste tipo de obras.
Em relação ao projecto inicial, as únicas grandes alterações prendem-se com a não construção da casa de apoio ao portinho e a decisão de recuperar a foz da Ribeira dos Folgados, identificada como essencial para a robustez da intervenção.

  • A memória descritiva  da obra refere-se a um complexo de piscinas naturais e à construção de um edifício integrado abaixo do nível da estrada para apoio às piscinas naturais. Que  piscinas estão previstas no projecto?
O que está previsto é fazer uma pequena alteração topográfica, aproveitando as acessibilidades geradas pela obra e necessidade de harmonização com o edifício de apoio, sendo as questões balneares detalhes de responsabilidade camarária.

  • Sabemos que São Lourenço tem problemas graves de saneamento básico. O que está previsto no projecto, nesta matéria?
O projecto está a ser compatibilizado com as intenções municipais sobre essa temática. É preciso não esquecer que a competência da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar é proteger e valorizar o litoral, sendo as competências do saneamento básico da responsabilidade da edilidade. De qualquer forma, os trabalhos conjuntos têm corrido bem e, certamente, a solução implementada no projecto de protecção costeira não afectará a intenção de saneamento básico da Câmara Municipal.

  • Para quando  o final da obra?
Não há alteração em relação à data prevista para a finalização da obra. Portanto, no final do Verão de 2011 deverá estar concluída.

  • As chuvas abundantes que cairam na ilha o ano passado agravaram os problemas da orla costeira do lugar da Maia, e existem zonas onde as derrocadas estão eminentes. Estão previstas intervenções do Governo Regional  nestas zonas da orla costeira?
Sim. Já lançamos as cartas convite para a elaboração do projecto. Aguardamos propostas. No entanto, era necessário vir a Santa Maria para, no local e em conjunto com os técnicos dos Serviços de Ambiente, verificar se há alterações que exijam novas abordagens complementares.
Aproveito para voltar a informar que a situação na Maia é preocupante e, por isso, a Secretaria Regional do Ambiente e do Mar, através da Direcção Regional do Ambiente, instalou uma estação de monitorização meteorológica e equipamentos de verificação de deslizamentos para, em conjunto com o Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos da Universidade dos Açores, efectuar um permanente acompanhamento da situação.


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Agricultura de vanguarda

BioFontinhas, Agricultura Biológica na Terceira.

Por um daqueles imprevistos do destino, dei por mim a participar numa conferência sobre pecuária “biológica”. Numa interessantíssima organização da Associação de Agricultores da Ilha do Faial, da Câmara do Comércio e Indústria da Horta, da Direcção Regional do Desenvolvimento Agrário e da Câmara Municipal da Horta, deslocou-se à Ilha do Faial o Dr. Lázaro Simbine. Adianto desde já que, há longos anos, sou adepto dos conceitos inerentes às formas alternativas de utilizar o nosso planeta e, com particular ênfase, às suas componentes energéticas e ambientais. Daí que, logo à partida, as palavras do Dr. Lázaro Simbine, um apologista da agricultura “biológica”, iriam encontrar um ouvido atento.
As suas palavras, técnicas e sapientes, explicaram as vantagens e os desafios da opção “biológica”. Entre outras coisas, ficámos a saber que, muito provavelmente, no Faial já se pratica uma agricultura próxima da dita “biológica”, mas, porque não é certificada, não lucra com essa postura. E os lucros são assinaláveis. Um produto certificado rende, em média, mais 30% do que um produto que resulta da agricultura “convencional”. Explicou-nos, também, que são necessários três anos para que uma produção passe a estar certificada depois de terem sido introduzidas as alterações necessárias. E que alterações são essas? Como não entendo nada de agricultura, registei tudo no meu bloco de apontamentos e agora partilho.
É necessário reduzir a quantidade de azoto colocado nas terras e a forma de o fazer terá de ter por base produtos naturais, recorrendo também à rotação de produções. A fixação de azoto, através do cultivo de tremoço e de fava é uma opção fácil e diversificadora da produção. São duas vantagens.
Há que pensar em ter parcelas (pastagens) mais próximas umas das outras, já que o tempo de trânsito do gado entre parcelas ditas “biológicas” pode reduzir o rendimento e contaminar a própria produção. Por outro lado, as parcelas “biológicas” que se localizem perto de outras “convencionais” podem ser invadidas pelos produtos químicos das segundas e perder a certificação.
Os suplementos alimentares (rações) terão de ser reduzidos e terão de passar a ter origem biológica. Isso será óptimo para ajudar a debelar a invasão de incenso, um dos grandes flagelos dos Açores. Se voltarem a utilizar o incenso na alimentação do gado, essa praga poderá finalmente ficar controlada…
Por último, para que a transferência para o “biológico” possa estar concluída, é necessário reduzir o número de desparasitações e utilizar, preferencialmente, produtos naturais. Como nos foi transmitido, se tivermos cuidado com o ambiente que criamos para os animais, muito provavelmente, eles nem precisarão de ser desparasitados de todo. O problema, normalmente, é ter-se uma grande concentração animal dentro de paisagens mono-específicas, sendo esse um ambiente propício para a propagação de doenças e pragas. Com a opção pelo “biológico”, este tipo de situações deixam de existir.
Segundo o Dr. Lázaro Sambine, normalmente, o grande problema com a opção “biológica” é o nível de encabeçamento. Na pecuária “convencional”, esse valor é superior a 2 cabeças por hectare, o que excede o limite para a certificação. Ora, na ilha do Faial, o encabeçamento é de 1.4! Ou seja, a grande dificuldade já está naturalmente ultrapassada.
Apesar de alguma inibição no momento da discussão, notei com muita satisfação que, ao contrário de outros, os agricultores faialenses não estão resistentes à mudança, vendo-os receptivos e entusiastas com as novas informações. Assim aconteceu nesta conferência e já antes tinha acontecido na palestra sobre produção de flores. É um óptimo sinal para o futuro!
Uma das coisas que mais gosto na opção “biológica” é a necessidade de produzir diversas espécies em simultâneo. Cada uma com a sua função (produção, protecção, conforto, etc.), as diferentes espécies estruturam uma paisagem bonita, resiliente e com elevado nível de biodiversidade. Só vantagens!
As terras do Faial são valiosas e constituem um pilar determinante para a sua sobrevivência e para o seu desenvolvimento sustentável. As perspectivas para o futuro que se anuncia poderão permitir colocar a produção agrícola e pecuária fora da ilha e obter elevados rendimentos. Um tema a seguir com atenção.