Navio "CP Valour" encalhado na Praia do Norte, Faial, Açores, em 2005.
Foto: F Cardigos ImagDOP
Penso que muitos de nós, como eu, consideramos a capacidade de recuperação um dos fenómenos mais interessantes do mundo natural. Os cientistas, com essa enorme tendência para tudo quantificarem, classificam também os diferentes sistemas (áreas, populações, espécies, etc.) de acordo com a sua capacidade de regeneração e dão-lhe o nome de “resiliência”.
Uma área muito resiliente consegue recuperar facilmente de uma agressão e outra, que não seja tão resiliente, terá maiores dificuldades. Por exemplo, a Praia do Norte na Ilha do Faial demonstrou ser muito resiliente porque, pouco tempo depois da remoção do navio “CP Valour”, já está ambientalmente recuperada. Por outro lado, a população de lobos-marinhos dos Açores não era suficientemente resiliente já que, depois da agressão de que foi alvo no início do povoamento das ilhas, não resistiu à extinção local, ao contrário do que aconteceu à população da Madeira, que ainda persiste. Ambas eram pouco resistentes, mas a da Madeira revelou-se suficientemente resiliente e recuperou; a população dos Açores não o era.
Continuando a aplicar ao meio marinho, existem diversas técnicas para aumentar a resiliência de um determinado habitat. Uma destas técnicas inclui a criação de áreas marinhas protegidas. Propositadamente, não utilizei o termo reserva já que este, muitas vezes, é utilizado como sinónimo de zona em que são excluídas todas as actividades. Habitualmente, não é a exclusão de todas as actividades que é determinante para o aumento da resiliência de uma determinada área. É importante, sim, que todas as actividades sejam aí equacionadas tendo como prioridade absoluta o bom funcionamento do ecossistema, já que será isso que lhe trará a maior parte da sua resiliência.
Nalgumas situações, são mesmo equacionadas áreas marinhas protegidas para funcionar como elemento do aumento de resiliência em áreas limítrofes. Aproveitando o efeito positivo destas áreas protegidas (chamado pelos cientistas de “efeito de reserva”), as áreas limítrofes são bafejadas pela entrada dos organismos oriundos das zonas com utilização limitada.
É este efeito de reserva que se pretende obter com a grande maioria das áreas marinhas protegidas de média e de grande dimensão. Ou seja, com as limitações impostas numa determinada área, iremos aumentar a resistência e, acima de tudo, a resiliência das áreas exploradas. Aplicando à Baía da Praia do Norte na Ilha do Faial, depois da agressão que sofreu com a presença do navio “CP Valour”, conseguiu recuperar rapidamente também porque está inserida numa enorme área marinha protegida. Para quem estranhe esta última afirmação, relembro que não se podem utilizar as artes de pesca por palangre até três milhas da costa, as artes com rede de arrasto estão banidas dentro de toda a Zona Económica Exclusiva [quadro legal actual], a Praia está limitada por duas áreas de interdição à captura de lapas e, pouco tempo depois do acidente, foi decretada uma zona de exclusão às actividades marítimas.
Tive o privilégio de assistir à recuperação da Baía da Praia do Norte. Foi um caso clássico de um processo bem sucedido. É evidente, como não testámos a hipótese alternativa, não podemos afirmar como seria se não houvesse uma tão boa gestão dos recursos marinhos no arquipélago, mas, diz-me o bom senso, não seria uma recuperação tão expedita nem tão completa.
Infelizmente, esta resiliência está em perigo. As nossas águas estiveram durante vários anos abertas à pesca pelo nocivo arrasto de fundo porque a Comissão Europeia se tinha esquecido [tb. *] de impor essa limitação aquando da abertura até às cem milhas [posteriormente incluída] e, imagine-se, tivemos que aumentar o esforço de pesca local para garantir que não era dada permissão à entrada de outras frotas nas nossas águas. No entanto, o mais louco no meio de tudo isto é que se tentarmos gerir os nossos mananciais de acordo com as melhores indicações científicas e reagindo ao dinâmico preço do pescado nos mercados, optando, por exemplo, por pescar menos, podemos perder a quota, ou seja, o direito de voltar a pescar quando for sensato ou conveniente… [*]
É por estas razões que fico verdadeiramente assustado quando oiço responsáveis de nível europeu afirmarem que não há razões científicas que apoiem a recuperação da exclusividade da zona marinha para os Estados ou Regiões ribeirinhas até às 200 milhas. Evidentemente, quando estas não sabem gerir, isso justifica-se [*]. Não é o caso dos Açores [ex. *, *]. Algo está mal nas decisões centrais no que diz respeito às Pescas e os Açores estão a ser, por isso, penalizados. A nossa resiliência está ameaçada por decisões centrais que, em vez de serem invertidas, estão a ser fortalecidas com capítulos infelizes dos diferentes Tratados Europeus, incluindo o de Lisboa.