As mantas são um dos tesouros do Mar dos Açores.
Graças aos seus territórios ultraperiféricos e ultramarinos,
a França é considerada uma enorme potência marítima a nível mundial, talvez,
hoje em dia, apenas ultrapassada pelos Estados Unidos da América e,
eventualmente, pelo Reino Unido. Analisando o rácio entre o território marinho
e terrestre, de facto, a França apresenta uma relação de 17 para 1. Ou seja,
por cada quilómetro quadrado em terra, aquele país tem 17 de mar. Assim,
entende-se o porquê desta propensão para o estudo e a ocupação estratégica militar
do mar sob a sua jurisdição. Os investimentos feitos em navios científicos como
o fabuloso “Pourquois pas?” ficam explicados.
No caso de Portugal, esta relação, curiosamente, é um pouco
superior, é de 18 para 1. Ou seja, por cada quilómetro quadrado de terra há 18
de mar. Penso que esta relação justifica plenamente o desejo de retorno do
nosso país ao gigante azul e confirma o interesse do investimento nas
plataformas de investigação marinha como sejam o “D. Carlos”, o “Gago Coutinho”
e o “Luso”. Também, nesta mesma perspectiva, faz todo o sentido pensar em delimitar
oficialmente a nossa plataforma continental, o que faria esta relação crescer
para 39:1!
Mas, no nosso arquipélago, estes valores atingem uma
dimensão completamente diferente, quase estonteante! A relação entre o mar e a
terra no arquipélago é de 387 para 1. É um rácio que aponta, claramente, o
caminho a seguir ou, parafraseando o Presidente do Governo dos Açores, “o mar é
o futuro!” No entanto, esta aventura numérica está longe de terminar por aqui.
Se, como é expectável, a intenção de extensão da plataforma for aceite, nos
Açores passaremos a ter uma relação de mil para um. Ou seja, cada açoriano,
muito mais do que se preocupar com o seu hectare de terra ou com os seus três
metros de linha de costa, deveria olhar claramente para os 10 quilómetros
quadrados de mar que o esperam. Para os açorianos em particular, “o mar é o
futuro!”
Apenas com o que escrevi até aqui, já faria todo o sentido
pensar no mar como o grande motivador do progresso nos Açores. Na realidade, no
entanto, temos de ser muito mais exigentes que isso. É necessário perceber o
que fazer com estes milhões de quilómetros cúbicos de água. O que fazer com
tanto e tão profundo fundo marinho?
Obviamente, há uma estratégia montada que assenta no
conhecimento, na planificação, na aposta na sensibilização ambiental, também
como ferramenta de adopção patrimonial, e no empreendedorismo privado. Os
primeiros resultados, já com diversas certificações internacionais, confirmam o
rigor e a pertinência do percurso escolhido pela Região.
Os cientistas dos Açores, particularmente desde a fundação
da Universidade, em conjunto com diversos parceiros nacionais e internacionais,
estudam detalhadamente os nossos mares. Desde a componente aérea, onde se
incluem as aves marinhas, passando pela circulação oceânica das grandes massas
de água, os mananciais de pescado e a geologia e dinâmica dos fundos, todos os
detalhes têm sido escalpelizados. Como quaisquer cientistas, mais do que
respostas, têm encontrado novas perguntas, novos desafios para debelar. Graças
a estes conhecimentos, aprendeu-se nos Açores a encarar o mar não como uma
fronteira ou um caminho tormentoso, mas sim como um bem patrimonial a respeitar
e a preservar e uma fascinante oportunidade de alicerçar o progresso.
Testemunhas do efeito positivo da sensibilização ambiental,
a campanha “SOS Cagarro” envolve milhares de açorianos todos os anos. Graças a
ela, esta ave está mais protegida. Também, o “Açores Entre Mares”, actividade
de adesão participativa que decorre entre o Dia Europeu do Mar e o Dia Mundial
dos Oceanos, gera dezenas de actividades de acção e promoção do Ambiente
Marinho.
Em paralelo, alguns empreendedores, assentes na informação
científica recolhida, começam a transformar dados em projectos de investimento.
Alguns deles estão no mar e apresentam já resultados economicamente muito
favoráveis. Para além das actividades tradicionais, como o transporte marítimo,
as pescas e a extração de inertes, há novas actividades turísticas
implementadas e começam a aproximar-se interessados na exploração dos grandes
fundos oceânicos.
Entre as actividades turísticas, destacam-se a navegação de
recreio, que tem tido valores sempre crescentes nos Açores nos últimos anos. Espera-se
que, com os investimentos realizados na rede regional de marinas, venham ainda a
ampliar-se os actuais registos.
A observação de cetáceos, que começou como uma actividade
quase familiar na ilha do Pico, hoje movimenta dezenas de milhares de turistas
e gera rendimentos brutos superiores a duas dezenas de milhões de euros anuais.
Com a extensão da observação a todas as ilhas, o que ainda não aconteceu,
prevê-se também neste caso um aumento sustentável.
Até há pouco tempo, o mergulho com escafandro autónomo praticamente
não tinha expressão no nosso arquipélago. Mesmo com uma temperatura de água
muitíssimo razoável, visibilidades fantásticas e peixes de grande porte,
parecia faltar qualquer coisa. Com os investimentos feitos pelos empreendedores
e autoridades nas ilhas de menor dimensão, como a Graciosa, o Corvo, Santa
Maria e as Flores, esse problema ficou ultrapassado. Agora, com a descoberta
das agregações de tintureira, aparentemente, esta actividade irá crescer
abruptamente. Penso que deverá haver cuidado no tentar aumentar os rendimentos
e não na massificação do mergulho, embora, claramente, ainda haja espaço para
crescimento. No entanto, mais do que trazer mais pessoas para o arquipélago,
terá de haver uma clara orientação no sentido da manutenção da excelência.
E os Açores, com todos os prémios e reconhecimentos que
receberam nos últimos anos (Reservas da Biosfera, QualityCoast, OSPAR, Rede
Natura 2000, EDEN…) são mesmo considerados um local de excelência, onde o homem
vive em harmonia com a natureza. Mais do que não podermos estragar essa imagem,
temos de manter e melhorar os factos que a sustentam.
Tudo o que referi até aqui é o que os economistas chamariam
de business as usual ou, como os
artistas diriam, “não há aqui uma ideia rasgada”! Pois não. As ideias
inovadoras estão para lá do horizonte e, as melhores ainda, estão a milhares de
metros de profundidade.
Quem conseguir implementar uma ideia de aproveitamento
energético do largo açoriano, talvez associado à captura de Carbono, como seja
o cultivo de algas, aí sim, haverá inovação revolucionária que poderá
catapultar o progresso dos Açores.
Junto das fontes hidrotermais há organismos que não
necessitam de luz para gerar alimento, que resistem a temperaturas altíssimas,
conseguindo mesmo recuperar o próprio DNA nos casos mais extremos, e que vivem
“felizes” em ambientes diversas vezes mais poluídos que a mais industrializada
das cidades emergentes do nosso planeta. Como conseguem? Que soluções
biológicas poderíamos daqui retirar? Que fármacos poderiam daqui advir? Na
Universidade dos Açores já há muitas ideias sobre estas questões, faltando
apenas que o empresário empreendedor e inteligente se aproxime.
Nos fundos oceânicos em volta e nas fontes hidrotermais os
cientistas descobriram jazidas de minerais como Cobre, Zinco e Ferro,
encerrados nos chamados sulfuretos polimetálicos. São conhecidas as
localizações de algumas destas jazidas à superfície, mas ninguém sabe até que
profundidade se estendem. Se for até pouca profundidade não se justifica a
exploração, mas se este aspecto tridimensional se prolongar além fundo
estaremos perante autênticas fortunas. É cedo para lançar foguetes, mas é
essencial pensar estrategicamente sobre este potencial. Nem nos Açores, nem
sequer em Portugal, há tecnologia que nos permita sondar e, muito menos,
explorar estes locais, mas isso não significa que nos devemos abster e deixar
que explorem os nossos fundos sem contrapartidas justas. Não! Teremos de ser
parceiros activos e garantir que, de forma perene, grande parte dos dividendos
ficam na nossa Região, enriquecendo o nosso País.
Dando os primeiros passos nesta “batalha”, o Governo, como
lhe competia, estruturou o Parque Marinho dos Açores. Nele, incluindo já vastas
áreas para lá da Zona Económica Exclusiva, estão delimitadas as zonas
ambientalmente mais sensíveis. Resultado de um trabalho científico e político
de anos, o Governo conseguiu garantir a reserva de certos espaços para a
salvaguarda da biodiversidade e para os estudos não intrusivos.
Nesta sequência, está agora a ser elaborado o Plano de
Ordenamento do Espaço Marítimo que, incidindo sobre todo o alto mar a ser
delimitado por Portugal em volta dos Açores, incluirá referências às novas
dinâmicas dando-lhes território, abrindo o caminho e ajudando a que se estabeleçam.
Este percurso, a que a Comissária Europeia Damanaki chamou de “Crescimento
Azul”, começa, escrevo-o com orgulho, a ter a primeira consumação no
Arquipélago dos Açores. Para que o percurso seja realizado até ao final,
teremos também de estar particularmente atentos ao desenvolvimento do Plano de
Acção da Estratégia para o Atlântico, recentemente lançado pela Comissão em
Lisboa.
Para tornar tudo isto numa realidade efectiva, para
passarmos da oportunidade ou do potencial aos euros e aos empregos, temos de dar
um passo muito importante em 2012. É necessário que os açorianos se entreguem
ao mar, que partam da boa ciência e descubram onde estão os métodos para que se
consubstancie esta metamorfose de forma elegante. Realisticamente, sabemos que
não será em 2012 que os investimentos surgirão, até porque o investimento
responsável, mesmo que inclua um elevado grau de risco, demora tempo a concretizar-se,
mas será em 2012 que ficará claro se conseguiremos agarrar este mar que é nosso
e contribuir com firmeza para que se faça Portugal! Estou certo que os Açores,
pelo exemplo do que já são, irão conseguir vencer este entusiástico desafio.