sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O prazer de ajudar a fazer


Vista interior do Aquário de Porto Pim.
Por FredericoCardigos

Nos últimos dias tenho sido confrontado com a minha própria consciência sobre o desempenho do Governo a que pertenço. Teremos feito tudo bem? Fizemos o que estava ao nosso alcance? Poderíamos ter feito mais?
Hoje, fruto do ganhar de consciência moral coletiva, já não se cataloga o desempenho das lideranças pela obra, mas sim pela consequência. Ou seja, no caso do Governo, a maioria das pessoas não faz a avaliação pela quantidade de betão gasta, mas sim pelo aumento dos níveis da qualidade de vida e a sua sustentabilidade. Apesar disso, a estruturação dos Açores, parada durante décadas de ditadura e, depois, lenta por duas décadas de inadaptação aos novos paradigmas europeus, teve 14 anos de elevadíssima energia. Grande parte da rede de escolas e da rede de estradas foi renovada, a maioria dos hospitais e centros de saúde tem novos edifícios ou, pelo menos, novas valências e os portos, marinas e aeroportos estão hoje num patamar sem comparação com o passado recente. Penso que é incontestável reconhecer a diferença.
Nos últimos dois anos, como resultado de uma crise profunda, de uma necessidade de concentrar esforços financeiros na manutenção e funcionamento destas estruturas e porque, felizmente, as grandes necessidades estavam já colmatadas, houve, de facto, uma redução no investimento estrutural. Esta redução, que se alargou também ao setor privado, torna-se particularmente evidente quando vemos a crise que paira na construção civil e os baixos níveis de importação de cimento. O investimento, a existir, foi propositadamente concentrado em pequenas obras que fizessem diferença, mas que não implicassem dispêndios financeiros que não estivessem ao nosso alcance.
Outras unidades geográficas, incluindo alguns municípios dos Açores, nunca se conformaram com as suas capacidades financeiras e o desastre foi arrasador. Ainda hoje autarquias como Vila Franca, Calheta de São Jorge e Povoação vivem quotidianamente com a amargura do investimento zero. O fantasma dos despedimentos paira sobre esses locais, o que tem implicações claras na qualidade de vida dos cidadãos que trabalham na dependência dessas instituições. Não irá acontecer, até porque os esforços estão agora concentrados no pilar social, mas a mera possibilidade de perder o emprego é angustiante o suficiente para uma redução da qualidade de vida individual. Também por essa razão, e estando nós em véspera de eleições, é absolutamente necessário concentrar os esforços nos projetos de Governo que tenham preocupações sociais acrescidas.
Apesar desta mudança de paradigma, continuamos a investir. No departamento do Governo onde trabalho, conseguimos reorientar o investimento para soluções que fossem pouco dispendiosas, altamente consequentes e valorizadoras do património existente. Apenas analisando a ilha do Faial, com esta aproximação, recuperamos o Miradouro da Lira, a Casa das Lavadeiras no Capelo, a Casa dos Cantoneiros, auxiliámos a recuperação do porto da Ribeirinha e, com a recuperação de parte da levada e diversos trilhos, criámos o Trilho dos Dez Vulcões. Outras obras estão na sua fase final; como seja a recuperação da Casa dos Dabney na Praia de Porto Pim (incluindo a adega, o celeiro e as cisternas de água) e a antiga fábrica da baleia, que agora terá o nome de Aquário de Porto Pim. Em paralelo, melhoramos as condições no Jardim Botânico, adquirimos e recuperamos os Charcos de Pedro Miguel e criámos diversas valências para a observação de aves. Nenhuma destas obras foi especialmente dispendiosa, mas todas promovem a recuperação do património e facilitam a criação de emprego. Digamos que é uma aproximação cirúrgica ao investimento. Consequência: entre outros, o Parque Natural do Faial foi o vencedor do Prémio Eden Portugal 2011.
Penso que o caminho da sustentabilidade financeira, social e ambiental deverá continuar a ser trilhado. Para quem concordar, sugiro que veja com cuidado os programas eleitorais das diferentes candidaturas às eleições de dia 14 e opte pela que for mais coerente. Não nos iludamos com obras megalómanas que não irão existir. Foquemo-nos no que faz diferença para o nosso dia-a-dia e para os nossos filhos.
Se fizemos um bom trabalho, que era a pergunta inicial, cabe-lhe a si decidir. Qualquer que fosse a minha resposta, por mais entusiasta ou justificada que fosse, seria sempre a minha resposta e, neste caso, é a sua opinião que conta. Para mim, foi um prazer ajudar a fazer!

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Caulerpa


Caulerpa webbiana semi-recoberta por areia.

Uma das maiores dores de cabeça que me acompanha desde o dia em que comecei a trabalhar na Secretaria Regional do Ambiente e do Mar tem o nome de Caulerpa webbiana. Esta alga verde, perecida com esparguete e com um nome quase arredondado, passe o toque de poesia, chegou ao Faial em 2002.
Os mergulhadores do DOP da Universidade dos Açores têm como hábito recolher amostras de tudo o que não conseguem identificar. Neste caso, o colega em causa pegou no pedacinho de alga e colocou num tubo de ensaio que foi fechado para posterior identificação por um especialista. Tudo certo. No entanto, como a alga era estranha demais e havia outros assuntos prioritários a que acorrer (dá-se-lhes o nome de “incêndios” no jargão universitário), a amostra foi ficando…
Em 2005, num mergulho noturno, uma outra equipa encontrou uma mancha verde garrida, com cerca de um metro de diâmetro, na chamada Baía de Entre Montes. Alertados, passados poucos dias, vários operadores de mergulho da ilha do Faial reportavam outras colónias um pouco por toda a Baía da Horta.
A alga era bonita e o seu verde era realmente contrastante com tudo o que estava reportado para os Açores. Foi nesse momento que se iniciou um período de pesquisa intensa. Que alga era aquela? Como cá chegou? Que ameaça representava? Como se eliminava?
As perguntas foram obtendo respostas a partir de 2006. Mas estas respostas estavam longe de ser agradáveis. Provavelmente, a alga, visto que apareceu apenas no Porto da Horta, terá vindo fixa num casco de um barco ou na sua água de lastro. A alga pertence a um dos cem mais agressivos géneros de organismos existentes no mundo. Outras algas do mesmo género são responsáveis por autênticos desastres ambientais e económicos no Mediterrâneo. Nos Estados Unidos, há unidades de combate à Caulerpa que monitorizam e combatem qualquer novo foco ao primeiro alerta. Uma vez instalada, a Caulerpa propaga-se rapidamente, ocupando novo território e inibindo a presença das espécies locais.
A nossa Caulerpa webbiana existe também na Madeira e nas Caraíbas. No entanto, nesses locais, as manchas pouco passam dos centímetros de diâmetro. Nos Açores, as manchas chegam a ter vários metros! A alga produz uma toxina que, nos Açores, repele os organismos, peixes e invertebrados, que se pudessem dela alimentar. Aparentemente, os organismos do nosso arquipélago ainda não se conseguiram adaptar à presença desta alga, provavelmente devido à sua entrada recente. Ou seja, em termos terrestres, poderíamos comparar a um enorme prado de plantas venenosas. É nisto que se transformou grande parte da Baía da Horta nos últimos anos.
Alguma coisa teria de ser feita. Em 2008 foram estabelecidos os contratos necessários para começar a combater efetivamente a alga. Começou a luta. Equipas lideradas por diversos investigadores do DOP e constituídas por incansáveis mergulhadores profissionais, diariamente lançam-se à água, isolam com cobertores especiais uma determinada área ocupada pela Caulerpa e introduzem no seu interior produtos tóxicos. Não é um trabalho bonito, mas é uma ação cirúrgica. Apenas a alga é prejudicada.
Depois de três anos de combate, constatou-se que estávamos a conseguir conter o ímpeto da expansão inicial, mas, mesmo assim, havia sempre colónias em novos locais. A sensação era de sucesso relativo no final de cada época, mas, no início da seguinte, as novas colónias estavam um pouco mais longe. Para além disso, o núcleo central da distribuição da Caulerpa estava, de ano para ano, mais forte e mais vigoroso. Eram já dezenas de metros seguidos contínuos de alga verde.
No início deste Verão, constatando novo progresso por parte da alga, percebemos que algo mais agressivo teria de ser feito. Depois de diversas reuniões de trabalho e vários mergulhos na área de distribuição da invasora, ficou decidido que, para além das ações cirúrgicas na zona das novas colónias, teríamos de atacar o “coração” da distribuição.
Com base nas primeiras experiências feitas no ano passado e que demonstraram ser muito eficientes, aproveitamos as dragagens do porto da Horta para fazer os primeiros recobrimentos da alga com inertes (essencialmente areia).
Esta semana, tive a possibilidade de ir verificar os resultados. Estes primeiros resultados são promissores. A alga está eficientemente recoberta e basta apenas uma pequena camada de areia para que ela comece logo a regredir passados poucos dias. A Caulerpa webbiana sem luz morre de imediato. É o seu calcanhar de Aquiles.
Evidentemente, esta é uma técnica que apenas pode ser utilizada nos locais em que a densidade da alga é muito elevada. Caso contrário, estaremos também a destruir outros organismos, o que seria demasiado negativo para o ecossistema. No entanto, nos locais em que a cobertura de Caulerpa está acima dos 70%, esta parece ser a técnica a utilizar.
Quem sabe, finalmente, estaremos a ganhar uma parte da batalha. Honestamente, temos que ser claros, a Caulerpa webbiana está nos Açores, muito provavelmente, para ficar. Apesar disso, e como foi introduzida pela mão do homem, temos de a combater, dando assim tempo para que as espécies locais se adaptem e integrem a alga invasora como parte dos habitats marinhos antes delas próprias serem destruídas. Como no outro dia li num livro sábio, “esta não é uma guerra, porque as guerras têm fim”.