Caulerpa webbiana semi-recoberta por areia.
Foto: F Cardigos SIARAM
Uma das maiores dores de cabeça que me acompanha desde o dia
em que comecei a trabalhar na Secretaria Regional do Ambiente e do Mar tem o
nome de Caulerpa webbiana. Esta alga
verde, perecida com esparguete e com um nome quase arredondado, passe o toque
de poesia, chegou ao Faial em 2002.
Os mergulhadores do DOP da Universidade dos Açores têm como
hábito recolher amostras de tudo o que não conseguem identificar. Neste caso, o
colega em causa pegou no pedacinho de alga e colocou num tubo de ensaio que foi
fechado para posterior identificação por um especialista. Tudo certo. No
entanto, como a alga era estranha demais e havia outros assuntos prioritários a
que acorrer (dá-se-lhes o nome de “incêndios” no jargão universitário), a
amostra foi ficando…
Em 2005, num mergulho noturno, uma outra equipa encontrou
uma mancha verde garrida, com cerca de um metro de diâmetro, na chamada Baía de
Entre Montes. Alertados, passados poucos dias, vários operadores de mergulho da
ilha do Faial reportavam outras colónias um pouco por toda a Baía da Horta.
A alga era bonita e o seu verde era realmente contrastante
com tudo o que estava reportado para os Açores. Foi nesse momento que se
iniciou um período de pesquisa intensa. Que alga era aquela? Como cá chegou? Que
ameaça representava? Como se eliminava?
As perguntas foram obtendo respostas a partir de 2006. Mas estas
respostas estavam longe de ser agradáveis. Provavelmente, a alga, visto que
apareceu apenas no Porto da Horta, terá vindo fixa num casco de um barco ou na
sua água de lastro. A alga pertence a um dos cem mais agressivos géneros de
organismos existentes no mundo. Outras algas do mesmo género são responsáveis
por autênticos desastres ambientais e económicos no Mediterrâneo. Nos Estados
Unidos, há unidades de combate à Caulerpa
que monitorizam e combatem qualquer novo foco ao primeiro alerta. Uma vez
instalada, a Caulerpa propaga-se
rapidamente, ocupando novo território e inibindo a presença das espécies
locais.
A nossa Caulerpa
webbiana existe também na Madeira e nas Caraíbas. No entanto, nesses
locais, as manchas pouco passam dos centímetros de diâmetro. Nos Açores, as
manchas chegam a ter vários metros! A alga produz uma toxina que, nos Açores, repele
os organismos, peixes e invertebrados, que se pudessem dela alimentar.
Aparentemente, os organismos do nosso arquipélago ainda não se conseguiram
adaptar à presença desta alga, provavelmente devido à sua entrada recente. Ou
seja, em termos terrestres, poderíamos comparar a um enorme prado de plantas
venenosas. É nisto que se transformou grande parte da Baía da Horta nos últimos
anos.
Alguma coisa teria de ser feita. Em 2008 foram estabelecidos
os contratos necessários para começar a combater efetivamente a alga. Começou a
luta. Equipas lideradas por diversos investigadores do DOP e constituídas por
incansáveis mergulhadores profissionais, diariamente lançam-se à água, isolam
com cobertores especiais uma determinada área ocupada pela Caulerpa e introduzem no seu interior produtos tóxicos. Não é um
trabalho bonito, mas é uma ação cirúrgica. Apenas a alga é prejudicada.
Depois de três anos de combate, constatou-se que estávamos a
conseguir conter o ímpeto da expansão inicial, mas, mesmo assim, havia sempre colónias
em novos locais. A sensação era de sucesso relativo no final de cada época, mas,
no início da seguinte, as novas colónias estavam um pouco mais longe. Para além
disso, o núcleo central da distribuição da Caulerpa
estava, de ano para ano, mais forte e mais vigoroso. Eram já dezenas de metros
seguidos contínuos de alga verde.
No início deste Verão, constatando novo progresso por parte
da alga, percebemos que algo mais agressivo teria de ser feito. Depois de
diversas reuniões de trabalho e vários mergulhos na área de distribuição da
invasora, ficou decidido que, para além das ações cirúrgicas na zona das novas
colónias, teríamos de atacar o “coração” da distribuição.
Com base nas primeiras experiências feitas no ano passado e
que demonstraram ser muito eficientes, aproveitamos as dragagens do porto da
Horta para fazer os primeiros recobrimentos da alga com inertes (essencialmente
areia).
Esta semana, tive a possibilidade de ir verificar os
resultados. Estes primeiros resultados são promissores. A alga está eficientemente
recoberta e basta apenas uma pequena camada de areia para que ela comece logo a
regredir passados poucos dias. A Caulerpa
webbiana sem luz morre de imediato. É o seu calcanhar de Aquiles.
Evidentemente, esta é uma técnica que apenas pode ser
utilizada nos locais em que a densidade da alga é muito elevada. Caso
contrário, estaremos também a destruir outros organismos, o que seria demasiado
negativo para o ecossistema. No entanto, nos locais em que a cobertura de Caulerpa está acima dos 70%, esta parece
ser a técnica a utilizar.
Quem sabe, finalmente, estaremos a ganhar uma parte da
batalha. Honestamente, temos que ser claros, a Caulerpa webbiana está nos Açores, muito provavelmente, para ficar.
Apesar disso, e como foi introduzida pela mão do homem, temos de a combater,
dando assim tempo para que as espécies locais se adaptem e integrem a alga
invasora como parte dos habitats marinhos antes delas próprias serem
destruídas. Como no outro dia li num livro sábio, “esta não é uma guerra,
porque as guerras têm fim”.
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