Neve em Bruxelas.
Foto: F Cardigos
Foto: F Cardigos
O conceito de “mau tempo” depende largamente do gosto pessoal
e da experiência que temos ao longo da vida. O meu coincide parcialmente com o
de muitas pessoas, mas não com a totalidade. Gosto de Sol sobre um céu azul, da
brisa refrescante sobre a tarde, mas gosto de neve e frio, especialmente se
tiver um bom casaco, e gosto do mau tempo no mar… Gosto do vento forte, da
emoção das ondas grandes, gosto de sentir os salpicos de mar a polvilhar-me a
cara enquanto se tenta navegar para o porto de abrigo de qualquer ilha dos
Açores e gosto de sentir o barco a escorregar nas ondas... Gostos… Aborrece-me
o tempo indefinido, entre as boas abertas e a chuva molha-tolos, ou as rajadas ocasionais
num amanhecer sombrio. Se é para ser, que seja a sério!
Vem tudo isto a propósito do tempo de Bruxelas. Para a
maioria das pessoas, a cidade de Bruxelas tem um céu permanente cinzento,
raramente se vislumbra o Sol, chove muito e faz frio. Se é verdade que a capital
Europeia tem tudo isso, não é menos verdade que há muitos dias de céu azul, com
um Sol radioso e temperaturas generosas. Quando isso acontece, muitos dos
cidadãos da cidade ocupam os parques e jardins usufruindo sofregamente do “bom
tempo”. Aos milhares, e estou longe de estar a exagerar, polvilham todas as
zonas verdes de tapetes onde se deitam a conversar ou a apanhar Sol, se
exercitam a tocar um instrumento musical, a praticar um desporto em família ou
a jogar um qualquer jogo de tabuleiro. Passam os finais de tarde durante a
semana ou dias inteiros no final de semana em espaços centrais e emblemáticos,
como o Parque do Cinquentenário, ou na floresta que circunda a cidade de
Bruxelas, a Forêt de Soignes. Talvez resultado da escassez de oportunidades,
sempre que o “bom tempo” desponta, dá-se esta "deslocação de massas"
benigna e entusiasta.
Assim, quando informo que venho dos Açores segue-se quase
sempre a pergunta, “mas como é que conseguiste trocar o bom tempo das ilhas
pelo cinzento de Bruxelas?”. É que, ainda por cima, à inexplicável ilusão de que
as ilhas são todas tropicais, nos boletins meteorológicos televisivos locais,
ao “bom tempo” é muitas vezes associado o Anticiclone dos Açores. Portanto,
para um belga médio, o “bom tempo” é dos Açores e quem disser o contrário
mente.
A experiência ensinou-me a não afrontar este mito e tentar ser
conciliador, o que me leva a tentar explicar que o tempo nos Açores é
“susceptível”. Não é bom nem mau, tem “personalidade própria”. Depois, com o
correr da conversa, tento explicar que o tempo nos Açores tem uma
“personalidade própria” “muito forte” e que uma das artes dos Açorianos é saber
conviver com os elementos fazendo das contingências atmosféricas uma das suas
mais valias. Navegar à vela com vento é muito mais engraçado do que o fazer na
calmaria, fazer um trilho no meio da bruma torna o levantar da mesma um
espectáculo inesquecível, com uma qualquer caldeira a emergir por entre as
nuvens.
Passei o ano nos Açores. Fui até ao Corvo e entre o calor
familiar dentro de casa e as tempestades à volta, usufrui daquilo que os Açores
têm de muito bom. Não é para todos, admito, mas, tal como a música clássica, a
pintura expressionista ou a gastronomia asiática, o tempo dos Açores primeiro
estranha-se e, depois, entranha-se. Para mim, hoje em dia, um Inverno sem uma
boa borrasca açoriana não é Inverno a sério, mas, ao mesmo tempo, começo a
conseguir compreender o prazer de uma boa tempestade de neve. Lá está, gostos…