domingo, 11 de março de 2018

Crónicas de Bruxelas: 15 - Todos participam na construção europeia


Berlaymont, o edifício principal da Comissão Europeia
Foto: F Cardigos

Cada uma das instituições europeias tem características e missões específicas. À Comissão Europeia cabe, entre outros, o papel de propor nova legislação, a execução da legislação, juntamente com os Estados Membros, e gerir o dia a dia da União. O Parlamento representa os cidadãos da União Europeia e o Conselho representa os diferentes Governos nacionais. Conjuntamente, cabe ao Parlamento e ao Conselho legislar sobre as propostas da Comissão Europeia.
As características indelevelmente democráticas da União Europeia obrigam a Comissão a estar permanentemente em comunicação com todos os parceiros e partes interessadas. Também por essa razão, ao longo dos últimos anos, habituámo-nos a encontrar funcionários da Comissão em muitas discussões públicas. Nessas discussões, de forma pró-ativa, os representantes da Comissão expõem, esclarecem dúvidas e registam preocupações, desafios e ambições. Mesmo nos Açores, tivemos disso exemplo recentemente, com a chefe da Unidade RUP da Comissão a dialogar com os interessados sobre o futuro da Coesão.
No entanto, esta está longe de ser a única forma de auscultação da Comissão Europeia. São múltiplas as maneiras como a Comissão perscruta direta e indiretamente os cidadãos Europeus. Entre as ferramentas utilizadas destacam-se, por um lado, as avaliações ex ante (avaliação de impacto das propostas legislativas) e ex post (avaliação de resultados da legislação) , os inquéritos direcionados a um grupo específico, as mencionadas reuniões, e, por outro, as consultas públicas. A diferença entre o primeiro grupo e o segundo é que no primeiro a Comissão vai à procura dos interessados, munindo-se de gestores e especialistas nas diferentes temáticas, e, no segundo caso, espera que haja reação por parte dos interessados, partindo do principio que as pessoas que estão interessadas irão participar e, caso não participem, é porque não têm nada a dizer sobre a temática em causa ou confiaram num interlocutor comum.
Todas estas ferramentas são utilizadas, por exemplo, na preparação de nova legislação. Por vezes, o resultado da consulta pública pode mesmo inibir o lançamento de novas propostas de legislação. É disso exemplo a gorada intenção de integração das diretivas Aves e Habitats. As organizações não governamentais para o ambiente, como a Birdlife, mobilizaram os cidadãos e, na fase de consulta pública, a Comissão Europeia recebeu centenas de milhares de respostas demonstrando grande preocupação quanto à iniciativa legislativa. Independentemente de outras razões terem também contribuído para a alteração de planos por parte da Comissão, os factos são que houve contestação ao nível da consulta pública e a Comissão Europeia recuou. Foi um processo de indubitável consequência.
Em resumo, a fase de consulta pública é tomada a sério por parte da Comissão aquando da construção das novas propostas legislativas. Para além da Comissão, também o Conselho e principalmente o Parlamento, analisam as opiniões expressas pelos cidadãos e usam-nas para tornar mais robustas ou mesmo alterar as suas posições negociais aquando do processo legislativo ordinário, em que são finalizados os Regulamentos e as Diretivas que nos governam.
A Comissão Europeia costuma ter cerca de uma dezena de consultas públicas a decorrer em simultâneo. Neste momento, estando nas vésperas da apresentação da proposta de orçamento para o quadro financeiro plurianual pós-2020, a Comissão Europeia tem seis consultas públicas especificamente relacionados com este tópico.
Este conjunto de consultas públicas em particular merece a nossa atenção. Relembro que obras como as Portas do Mar, em São Miguel, o Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos, no Faial e centenas de outros investimentos em todas as ilhas foram possíveis também graças ao apoio comunitário. No entanto, a política de coesão que facilitou esta parceria está ameaçada por correntes de pensamento que privilegiam os retornos financeiros de curto prazo. Porque a União Europeia nasceu também da valorização dos aspetos não económicos, porque a coesão e a solidariedade são bens estruturais e porque temos que pugnar pelos nossos interesses, parece-me fundamental expressarmos, de forma coletiva ou individual, o que nos parecer mais relevante. O futuro da União Europeia tal como a conhecemos pode depender disso.

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