Cão num restaurante de Bruxelas.
Foto: Frederico Cardigos
Por decisão da Assembleia da
República, passará, em breve, a ser possível fazermo-nos acompanhar de animais
de estimação durante as refeições nos restaurantes em Portugal. A mudança, por
definição, é difícil e, sem surpresa, pude ouvir de imediato algumas vozes de
indignação. O interessante é que alguns dos indignados, que muito prezo, estão
aqui em Bruxelas, onde desde há muitos anos os animais de estimação são
autorizados em restaurantes, sem que eu os tenha ouvido a queixarem-se. À minha
observação, salientando a contradição, as respostas variam entre “mas aqui não
estou na minha terra” ou, usando os ditados populares, “em Roma sê romano”.
Ora, o que me parece é que os
donos dos animais interessados em os levar aos restaurantes, não para comer,
obviamente, mas para continuar a usufruir da sua salutar companhia, terão de se
interrogar se os seus animais se saberão comportar. A uma resposta negativa
terá de corresponder a atitude cívica de não os levar. Eu agradecerei. De
resto, não me incomoda nada que os animais lá estejam. Vendo bem, muitos de nós
temos gatos ou cães em casa, portanto, porque não tê-los no restaurante? Apenas
porque são de desconhecidos? Teremos de confiar e ser mais tolerantes.
Esta história dos animais na
restauração fez-me recordar outras mudanças “impossíveis” do passado recente e
ocorridas, precisamente, na restauração. Refiro-me aos telemóveis e ao tabaco.
Quando apareceram os telemóveis
nos Açores, havia uma onda de censura a quem os usasse nos restaurantes e cafés.
Lembro-me quando me chamaram à atenção apenas por ter o telemóvel em cima da
mesa... Os telemóveis eram uns objetos volumosos, barulhentos e feios, de
facto. Depois, passámos à fase contrária, em que tudo se tolerava e as pessoas
passaram não só a tê-los à vista, como os usavam e, supremo da má-educação, entretinham-se
a escolher o som de toque durante as refeições! Houve torturas medievais mais
suaves… Com o tempo e sem legislação, penso eu, ganhámos o saber coletivo de
usar o telemóvel sem incomodar os restantes, saindo inclusivamente da sala para
não incomodar, no caso de ter mesmo de atender a chamada.
Com o tabaco, quando se decidiu
bani-lo dos restaurantes, a reação foi ainda pior e a mudança, por contraste,
mais rápida. Todos, ou quase todos, diziam que a cultura portuguesa não iria
permitir banir o tabaco da maioria dos cafés e restaurantes. Até eu, que não
sou fumador, tinha dúvidas quanto à obediência e até quanto à utilidade. Mudei
quando, pela primeira vez na vida, consegui olhar de um extremo da sala para a
luz da entrada do meu café habitual (o “Peter” na Horta) sem ver poeira no ar.
Afinal não era poeira! Afinal havia diferença e os pulmões iriam agradecer.
Passados poucos dias, entendemos que a diferença tinha sido para melhor e hoje
seria impensável voltar atrás.
Trago estes dois pontos para cima
da mesa (ou não estivesse a escrever sobre restaurantes) porque me parece que,
em breve, estaremos a conviver em paz com os animais de estimação que formos
encontrando durante almoços e jantares. Esta alteração poderá ser mais rápida,
como foi o caso do tabaco, ou mais complexa e lenta, como foi com os
telemóveis. Como pessoa que passa muito tempo em Bruxelas, onde a presença de
cães nos restaurantes é frequente, apenas posso dizer que não me causa qualquer
perturbação. Estou convicto que, em breve, também não transtornará ninguém em
Portugal.