Meios de transportes quinhentistas no Museu da Marinha
Foto: Frederico Cardigos
Foto: Frederico Cardigos
Uma das teorias que mais aprecio no mundo da biologia está
relacionada com a falta de diversidade genética nas populações fundadoras. O
conceito é muito simples, mas com aplicações que vão muito além da biologia.
Basicamente, aquilo que se postula é que, num novo povoamento, a diversidade de
indivíduos é, muito provavelmente, menor que na população original. Se
pensarmos um pouco, rapidamente concluímos que apenas poderia ser desta forma.
Imaginemos a diversidade da população portuguesa residente
em Portugal na atualidade. A sua diversidade genética é equivalente aos seus
cerca de 10 milhões de indivíduos. Uma diversidade extraordinária. Se, no
século XVI, uma pequena componente da nossa população, digamos de 1000 pessoas,
saísse de Portugal e fosse, imaginemos, para o Brasil, obviamente, essa
subpopulação teria uma diversidade genética muito menor, principalmente, como
muitas vezes era o caso, se a população dadora fosse ela própria já segregada
(limitada a poucas povoações relativamente isoladas). É lógico. O resultado dos
cruzamentos dessa população ao longo de gerações, admitindo que não havia
cruzamentos com os índios sul-americanos ou com as restantes populações de
outros países europeus que colonizaram o Brasil, teria sempre uma diversidade mais
baixa que a população portuguesa de Portugal. Aliás, porque a população
original, na metrópole, também aumenta a sua diversidade ao longo das gerações,
muito dificilmente a subpopulação brasileira poderia atingir os níveis de
diversidade de Portugal.
No entanto, como todos sabemos, a população portuguesa que
chegou ao Brasil não se manteve isolada e, rapidamente, houve cruzamentos com a
população local dando origem a uma extraordinária diversidade. Tudo isto é
pacífico. A coisa, para mim, torna-se particularmente engraçada quando saímos
das questões de genética e entramos na linguística.
Ora acontece que a língua não se mistura com a mesma
facilidade. Não podemos colocar um português e um índio do Amazonas a falar um
com o outro, nas respetivas línguas originais, e esperar que a geração seguinte
fale com uma mistura das duas. Apesar de ser exatamente isso que acontece a
nível genético, não é de todo o que acontece a nível linguístico. A geração
seguinte, na melhor das hipóteses, falará as duas línguas de forma independente
e, por vezes, contaminará de forma limitada cada uma das línguas com sotaques e
com as palavras que esta não tinha originalmente. Voltando ao Brasil do século
XVI, imagino que o português local tenha sido contaminado com as palavras
inerentes aos nomes das espécies de plantas e animais que não conheciam e, em
sentido contrário, os indígenas tenham usado palavras portuguesas para, por
exemplo, descreverem a instrumentação usada nos navios. Ou seja,
exemplificando, certamente que as línguas locais do Brasil ganharam a palavra
“astrolábio” e os portugueses, que jamais tinham visto um “tucano”, adotaram esse
nome na língua de Camões.
Voltemos um pouco atrás. Muitos de nós, eu certamente,
gostamos muito da forma como os brasileiros falam português. Aquele quase
cantar atrai-nos e, parece-me, um português mais simples, bonito, prático e
escorreito. É assim que eu sinto. Na música, especialmente, o português do
Brasil sabe-me mesmo bem.
Não há descrições muito precisas, tanto quanto sei, sobre a
forma como se falava português no Portugal do século XVI. No entanto, porque
não houve diversidade suficiente para uma grande evolução da língua no Brasil,
imagino que o português do Brasil se deve aproximar muito do português que se
falava em Portugal no século XVI, especialmente o que falavam as populações que
para lá emigraram.
Para Brasil e Portugal, sendo uma teoria com alguma
validade, tanto quanto sei, nunca foi comprovada ou estudada. Já os franceses
estudaram a relação entre o francês do Canadá e o francês falado em França e
concluíram que o québécois (francês falado no Estado do Quebeque no Canadá) é,
na realidade, um francês antigo. Lá está, reforça-se a possibilidade da minha
teoria relativamente ao português do Brasil. Resta saber se é verdade… Entre a
teoria e a realidade vai um mundo de possibilidades e eu não sou filologista.
Estando muitas vezes em Bruxelas, pergunto-me frequentemente
se o meu português irá mudar, contaminado com palavras do francês, do flamengo
e das outras dezenas de línguas que por aqui se falam. Expressões como “et
voilá”, quando concluo uma tarefa, ou um “dank u wel”, para agradecer qualquer
coisa, saem-me ocasionalmente, mas desaparecem muito rapidamente quando passo
uns dias em Portugal da mesma forma como os francesismos ou americanismos, que
pareciam perenes, desaparecem rapidamente do léxico dos emigrantes portugueses
que regressaram de França e dos Estados Unidos da América. As línguas, a nível
individual, são como a água e o azeite, podem misturar-se se agitamos muito,
mas, passado pouco tempo, estão novamente separadas. Há maravilhosas exceções,
como os crioulos, o que torna tudo isto ainda mais fascinante!
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