Bandeira de Timor-Leste no topo da Ilha do Pico, Açores, no dia 10 de setembro de 1999
Foto: F Cardigos
Leio os jornais regionais dos Açores, aqui em Bruxelas, e registo as palavras do Ministro Pedro Siza Vieira ao visitar a ilha do Faial após a passagem do furacão “Lorenzo”. Disse ele, “É notável como esta comunidade, toda ela, se mobilizou para ajudar a recuperar as praias, a limpar as ruas, as casas e esse também é um exemplo para todo o país”.
Apenas os que não viviam no Faial
em 1998 podem ficar surpreendidos com isso. Lembro-me bem como, imediatamente,
os faialenses e os que estavam de visita se organizaram para dar apoio aos
milhares de pessoas que quase tudo tinham perdido. Coordenados pelos bombeiros
e pelas forças vivas da ilha, todos se mobilizaram para transportar víveres,
medicamentos e comida ou, simplesmente, dar uma palavra de alento. A seguir
chegaram os militares e iniciou-se o derribamento das estruturas cuja solidez
apresentava perigo, foram construídas pontes e reconstruídas estradas. Depois,
passados muitos meses, a normalidade voltou progressivamente. O que eu quero
enfatizar é que a primeira onda de ajuda foi então endógena e, sem surpresa,
agora endógena foi.
Portugal, diga-se com orgulho, tem
uma longa tradição de solidariedade. Nas minhas memórias mais antigas estão as extensas
listas de donativos que os continentais deram em apoio às vítimas e à
reconstrução na sequência do terramoto dos Açores de 1980. Isto não aconteceu
por qualquer tentativa de exibição, longe disso, porque os dadores eram muito
maioritariamente anónimos. Na televisão, a seguir ao telejornal, passava uma
lista infindável de dadores e o valor atribuído à frente. Nesse período houve
muitos apostadores, provavelmente centenas, que ganharam o segundo prémio do
totobola e ele foi inteirinho para a Terceira, São Jorge e Graciosa, as ilhas
mais tocadas pelo sismo de 80. Não era um valor muito elevado, mas era dinheiro
e muitos, abnegadamente, o doaram. Não sei que parte desta história é
romanceada pela minha memória, mas a enorme onda de solidariedade nacional está
largamente registada nos órgãos de comunicação social.
E esta solidariedade manifesta-se
também com outros países. Fomos nós que ajudámos a Finlândia quando eram um povo
que estava à beira da fome e, curiosamente, não nos incomodamos praticamente
nada com a recente falta de reciprocidade de alguns dos seus dirigentes. Mais
perto de nós, no final do milénio, Lisboa e Portugal inteiro encheram-se de
branco em solidariedade pelo povo de Timor Leste. Esta é uma belíssima história
que urge ser registada dignamente e contada por quem saiba. Este branco também
chegou aos Açores e pessoas do Faial e do Pico foram até ao ponto mais alto de
Portugal colocar uma bandeira de Timor-Leste, cujo esplendor chegasse a
Ramelau. Não sei se chegou, mas chegou certamente o branco de Portugal. Foi uma
extraordinária onda de solidariedade internacional.
Os portugueses são uma mistura de
povos. Para não ir mais atrás na história, aos lusitanos misturam-se os
romanos, árabes, galegos e outros espanhóis, judeus, os flamengos, os franceses
que nos invadiram três vezes, os ciganos, os africanos, os brasileiros e, mais
recentemente, os povos do Leste. Talvez por sermos esta fabulosa mistura, temos
particular empatia por qualquer povo que sofra. Somos todos irmãos!
Somos assim e, para mim é o ponto
alto da pátria. Se alguma coisa me faz sentir patriota e comover-me quando oiço
um fado aqui na Bélgica é recordar-me do dia em que Lisboa se vestiu de branco
e parou para que o mundo olhasse para Timor-Leste. E o mundo olhou.
Não estranho o que aconteceu no
Faial nos últimos dias. Mas enche-me de orgulho e quero dizer bem alto que estes
são os Açorianos e este é o meu país: Portugal!