sexta-feira, 22 de abril de 2022

Voo do Cagarro - 23: Entre a necessidade de falar da Ucrânia e os 20 anos do Tribuna das Ilhas

Bandeira de Timor-Leste colocada no topo da ilha do Pico a 10 de Setembro de 1999.
Foto: F Cardigos

Tinha esperança que pudesse mudar de tema, mas não consigo. A guerra continua a grassar na Ucrânia e o esquecimento ou conformação do Ocidente parece ser um dos grandes perigos. A invasão bárbara da Ucrânia por parte do Governo e exército russos não pode ser um novo normal. Não é!
Quando há vinte anos o Senhor Mário Frayão decidiu criar a cooperativa que, em simultâneo, dava suporte ao jornal Tribuna das Ilhas tinha diversos objetivos em vista. Obviamente, o fito principal era proporcionar um espaço plural em que, semanalmente, se pudesse expor e refletir sobre o que se passava no Faial e nas ilhas do Triângulo.
Passados estes vinte anos e seguindo as diferentes sensibilidades sociais (incluindo partidárias) e geográficas que aqui escrevem, penso que esse objetivo, no que diz respeito ao Faial, tem sido atingido. Relativamente ao Pico e a São Jorge esse sonho ainda não foi plenamente concretizado. É pena. Se no caso do Pico isso não é crucial, porque tem boas plataformas de reflexão, já relativamente a São Jorge o caso muda de figura. Por não haver um órgão de comunicação social liberto do imediatismo, a base da reflexão está presa às redes sociais, com tudo o que aí advém de mal. Esta pode ser uma análise demasiado superficial, mas é o que sinto. Estarei errado?
Uma outra razão, entre muitas, que levaram o Senhor Mário Frayão a liderar e a sensibilizar outros tantos a mergulhar na aventura do Tribuna das Ilhas era a tentativa de contribuir para criar um mundo melhor. Estou convencido que o Tribuna das Ilhas contribuiu para que o Faial esteja hoje melhor e, por inerência, para que o mundo esteja melhor.
Apesar de o balanço mundial ser positivo, ou seja, o mundo é hoje melhor do que há vinte anos atrás, há ainda disfunções que nos deixam perplexos e revoltados. Uma dessas anomalias é o que se passa na Ucrânia. Da mesma forma como em 1999 muitos escalaram até ao topo do Pico para se manifestarem contra a opressão em Timor-Leste e da mesma forma como, há quase duas dezenas de anos, no Largo do Infante da cidade da Horta, muitos se manifestaram contra a guerra no Iraque é agora necessário manter a pressão contra a barbárie que grassa por terras de leste.
Uma morte teria sido demais, mas são muitas mortes e muitas mortes de inocentes o que torna esta invasão impossível de adjetivar com precisão, pois este é um jornal em que os palavrões não cabem. Quero comemorar o Tribuna das Ilhas, mas o que se passa na Ucrânia puxa-me para trás.
Fazendo um esforço, lembro-me do entusiasmo do Senhor Mário Frayão quando, a seu pedido, realizou uma reunião na então sala de estagiários do DOP para apresentar o projeto da Cooperativa IAIC. Penso não estar a exagerar se disser que todos os que lá estávamos ficámos motivados para contribuir e tocados pela abnegação daquele Senhor que poderia estar a gozar a sua reforma, mas preferira dar o seu tempo e a sua competência pela sua terra. Depois, foi muito especial ter assistido ao estruturar do projeto e foi deslumbrante ver o Tribuna das Ilhas nascer.
Passado este tempo, o jornal teve momentos mais positivos e outros que não gostamos de recordar. Presumo que se aprendeu com os erros e este jornal estará hoje mais resiliente. A democracia apenas existe onde houver jornalistas e onde houver órgãos de comunicação social livres que espelhem o seu trabalho e a opinião de todas as tendências. O Tribuna das Ilhas continua a ter uma missão a cumprir.
Apesar de, por vezes, não ficar contente com os resultados eleitorais, reconheço com entusiasmo que democracia do Faial está viva. Isso deve-se também ao jornal Telégrafo (agora, Incentivo), à Rádio Antena Nove, aos representantes locais da RTP, Antena 1 e Lusa, ao jornal Arauto da Escola Secundária Manuel de Arriaga, aos saudosos jornais Correio da Horta, Fazendo e Avenida Marginal e, principalmente, ao jornal Tribuna da Ilhas.
Vida longa para o Tribuna das Ilhas!


Manifestação pela paz na Horta em 2003.
Foto: F Cardigos

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Voo do Cagarro - 22: Não esquecer a Ucrânia

Cores da Ucrânia em frente da embaixada da Rússia em Bruxelas.
Foto F Cardigos
 
Até no futebol, esse “jogo praticado por vândalos”, quando um jogador agride outro, é expulso. Simples, não é? A violência, sem ser em legítima defesa e consequência de um ato violento, é condenada por qualquer sociedade decente.
É por esta razão que condeno, sem hesitação, a invasão da Ucrânia perpetrada pelo Governo da Rússia. Os agressores, liderados por Putin, atuam de forma não provocada e estão a condenar à morte e ao sofrimento milhares de pessoas, incluindo muitas no seu próprio país.
Estaria tentado em afirmar que isso não acontece no mundo livre. Mas será mesmo assim?
Acontece que há uns dias, um ator, a que chamarei simplesmente de Smith para não lhe dar importância, durante uma cerimónia pública, agrediu um humorista quando este estava simplesmente a fazer humor. Às palavras respondeu com uma agressão física.
É evidente que a dimensão é incomparável com o que se passa na Ucrânia até porque o nível de sofrimento gerado é totalmente distinto. Dito isto, na sua génese está o mesmo ponto ético: agressão física como resposta a atitudes não beligerantes.
Consequência deste ato, o Smith, que não merece título, deveria ter sido imediatamente detido para se explicar perante as autoridades. Mas os organizadores do evento resolveram, afinal, pedir-lhe delicadamente que saísse.
O Smith considerou que não tinha de abandonar o local e não abandonou. Ninguém se lembrou de o retirar da sala. Antes pelo contrário, perante o amuo do agressor, deram-lhe um prémio e aplaudiram-no de pé. Parece surreal, não é?! Mas aconteceu num dos eventos televisionados mais vistos do mundo, a cerimónia dos Óscares da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, nos Estados Unidos da América.
Responder a palavras com violência e sair incólume apenas pode acontecer em sociedades doentes. De facto, nos EUA, as pessoas podem andar armadas na rua. Perante isso, compreendemos facilmente que há problemas muito profundos e este caso, a agressão bárbara do Smith, é apenas mais um.
No ano de 2020 houve mais de 21 mil mortes violentas nos Estados Unidos da América. Naquele país, o nível de violência é tão elevado que, em alguns locais mais complicados, se poderia considerar estar em guerra civil.
Os Estados Unidos da América, com a sua complacência com o uso de armas e a tolerância perante a violência estão em centésimo vigésimo quinto lugar no índice de países mais pacíficos (segundo o Global Peace Index). Em sentido contrário, Portugal é o terceiro país mais pacífico, logo a seguir à Islândia e Nova Zelândia.
Sinto-me feliz no meu país tranquilo e pacífico. Temos as nossas quezílias com os Espanhóis, é certo, mas ninguém com juízo pensa em invadir Olivença, assim como os nossos vizinhos não tomam de assalto as águas em redor das Selvagens. Antes pelo contrário, como no Couto Misto, valoriza-se a dupla herança cultural de lusos e galegos em atos dignos que já chegaram ao Parlamento Europeu. Gosto de tantas coisas em Espanha espanhola que jamais me passaria pela cabeça em a tornar portuguesa. A diversidade é linda!
É esta paz ativa e curiosa, de olhos bem abertos em contemplação da diferença, que me fazem entristecer ainda mais com o que se passa na Ucrânia e, noutra dimensão, mas com a mesma génese, na gala dos Óscares. Como seres humanos, conseguimos fazer muito melhor, tenho a certeza!