sexta-feira, 29 de julho de 2022

O Voo do Cagarro - 30: Adeus facebook

Na segunda-feira percebi que, no dia anterior, tinha recebido uma mensagem email do facebook informando-me que alguém, usando abusivamente um meu antigo endereço de correio eletrónico, tinha entrado na minha conta a partir da cidade de Hanói. Segui as instruções sobre uma intrusão abusiva protegendo a minha conta com uma nova palavra-passe.

Pouco depois, fui informado que tinham sido publicados conteúdos não autorizados e, por essa razão, a minha conta estava suspensa. Pior, informavam-me que a minha conta não tinha sido pirateada. A mesma empresa que me tinha dito que havia uma entrada a partir de Hanoi, informava-me que não tinha sido alvo de pirataria…

Sem sucesso, tentei, através das poucas ferramentas ainda disponíveis, entrar em contacto com os gestores e resistir. Sem seres humanos como interlocutores, como explicar à máquina que se ela me informou que houve uma entrada abusiva então os conteúdos, provavelmente, seriam dessa pessoa e não meus, que vivo bem longe do Vietname? Nada a fazer, até porque não consigo entrar na minha conta para verificar o que lá se passa.

Quase em simultâneo, recebi uma informação da Meta (empresa que detém o facebook) referindo que o anúncio que eu desejava publicar no facebook tinha sido aprovado. Mas eu não tentei publicar qualquer anúncio!! Mais uma vez, como explicar à máquina que me bloqueia qualquer tentativa de comunicação afirmando, laconicamente, que a minha conta se encontra em revisão?

Na quinta-feira, fui informado que o anúncio, aquele que eu não pedi e que nunca vi, me tinha custado 0,64 euros. Inacreditável… Nessa curta e lacónica mensagem email afirmavam que tinha sido usado um cartão de crédito cujo número não reconheci, pelo que, segundo me parece, não foi a mim que debitaram.

Tentei vasculhar a internet sobre como comunicar de viva-voz com alguém da máquina faceboquiana e nada. Não há solução. Pelo caminho encontrei numa antiga notícia de jornal um endereço email que deveria funcionar. Escrevi e fiquei sem resposta.

Sendo que o ataque já incluía o eventual roubo, pedi que amigos com contas ativas comunicassem com o facebook para explicar o que se estava a passar. Solidariamente, escreveram, mas os meus amigos também não tiveram resposta.

Não o conseguindo fazer através do facebook ou messenger, consegui, depois de algumas tentativas, entrar na minha conta do instagram. Eliminei-a de imediato. Menos um problema potencial com a Meta (que também é dona do instagram).

Por tudo isto, logo que o consiga, não está fácil…, irei eliminar a minha conta do facebook. Compreendo agora que não ter um ser-humano disponível para falar é uma falha grave. Esta Inteligência Artificial é muito limitada para o meu gosto… Aqui fica uma sugestão para uma futura regulação desta atividade: Sugiro que se inibam as plataformas informáticas e redes sociais que não tenham seres-humanos no serviço de apoio ao cliente.

Tenho pena porque era também através do facebook que ia tendo notícias do Corvo e do Faial, particularmente das pessoas com quem não comunico tão amiúde. Era no facebook que ia lendo a opinião de muitas pessoas válidas que, infelizmente, não têm presença nos órgãos de comunicação social formais. Também, em momentos desagradáveis da minha vida, foi através do facebook que consegui fazer algum contrapeso relativamente a notícias horríveis que circulavam na comunicação social. Por outro lado, a intolerância e a desinformação que grassam no facebook são fatores de peso para que não fique assim tão triste...  

A partir de agora, quem quiser comunicar comigo pode sempre usar os métodos mais tradicionais. Mas não através do facebook, messenger ou instagram. Acaso haja alguma publicação desagradável em meu nome nestas plataformas, as minhas desculpas, mas não fui eu…

Pelo que me toca, adeus facebook!


Frederico Cardigos é biólogo-marinho no Eurostat. As opiniões manifestadas neste artigo são totalmente pessoais e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

O Voo do Cagarro - 29: Vasco Cordeiro, Presidente do Comité das Regiões Europeu


Vasco Cordeiro discursando no Comité das Regiões Europeu em 2020.
Foto: F Cardigos


Olhando para a ordem de precedências da União Europeia, temos no topo, como seria de esperar, a Presidente do Parlamento Europeu, depois os chefes de Estado e de Governo e a Presidente da Comissão Europeia, seguindo-se os presidentes do poder judicial e do Banco Central Europeu. Ainda antes dos comissários e dos eurodeputados, no décimo segundo lugar, está o Presidente do Comité das Regiões Europeu, desde há duas semanas o açoriano Vasco Ilídio Alves Cordeiro. Este é o lugar eleito mais elevado jamais atingido por um açoriano no contexto da União Europeia e isso deve ser alvo da nossa atenção e, porque não dizê-lo, alvo do nosso regozijo.

A par do Comité Económico e Social Europeu, o Comité das Regiões Europeu é um dos dois órgãos consultivos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão Europeia. Apesar dos comités não serem instituições europeias, toda a legislação pertinente tem de passar pelo seu crivo e é alvo de pareceres que, não poucas vezes, moldam as versões finais desses documentos.

O Comité das Regiões Europeu agrega representantes eleitos de 350 regiões indicados por cada Estado-membro. A eleição de Vasco Cordeiro por unanimidade e aclamação foi o corolário de um processo de campanha e sensibilização que teve início há vários anos e que, em algumas ocasiões e com emoção, pude presenciar ao vivo.

A forma como Vasco Cordeiro se apresentou perante os seus pares do Comité das Regiões, apresentando uma estratégia clara e mobilizadora, auscultando os legítimos anseios de cada um e a permanente tentativa de construir pontes levou a melhor sobre os restantes pretendentes e conquistou a posição mais alta. Nas suas intervenções, o novo Presidente dirigiu-se sempre em várias línguas, o que é entendido como respeitador da diversidade europeia, mas sem esquecer a língua de Camões e de Nemésio, o que demonstrou brio e orgulho.

Com o crescimento assimétrico da importância do Parlamento Europeu após o Tratado de Lisboa, os dois comités procuram agora reposicionar-se dentro da esfera de poder e influência de Bruxelas. Estas dores causadas pelo crescimento do Parlamento Europeu foram sentidas pelas próprias regiões ao serem arredadas de parte do protagonismo que até aí usufruíam. A pandemia não contribuiu para melhorar o panorama e esse será, quanto a mim, o grande desafio de Vasco Cordeiro: voltar a colocar os holofotes sobre a Europa das Regiões.

Estou confiante no seu sucesso. Para ajudar a demonstrar quão aguerrido e comprometido é o novo Presidente do Comité das Regiões também na Europa, permito-me recordar um episódio a que assisti há muitos anos, quando Vasco Cordeiro, em representação do então Presidente do Governo dos Açores, Carlos César, deveria discursar em Bruxelas. Pela ordem protocolar, sucediam-se as intervenções dos presidentes das regiões ultraperiféricas perante um enorme espaço absolutamente cheio. Como é natural nestas situações, por razões certamente justificáveis, os presidentes excederam-se largamente e o então Secretário Regional ficou sem tempo. Quando o responsável pela organização, um importante funcionário europeu, se preparava para fechar apressadamente a sessão, Vasco Cordeiro levantou-se e, com coragem e frontalidade, disse: “Não. Os Açores querem falar e os Açores vão falar”. Justificou com uma assertividade e uma lisura que não deixaram margem para ser contrariado ou ignorado. Falou, todos ouviram e todos aplaudiram!

Num tempo em que vemos serem desafiados os mais básicos valores humanistas, como o simples “fazer o Bem”, é reconfortante verificar o sucesso de Vasco Cordeiro na sua ascensão ao ápice de uma das maiores potencias globais. Mesmo os que não concordam com a sua visão socialista do mundo, reconhecem a sua honestidade, a sua empatia, a sua exigência, a sua procura do bem comum e o seu sorriso profundamente genuíno. Claro que tem defeitos, mas jamais serão defeitos que prejudiquem fisicamente seja quem for, muito antes pelo contrário! Algo que não podemos dizer de outros dirigentes europeus, como o atual Presidente da Federação Russa que invadiu barbaramente a Ucrânia...

 

Frederico Cardigos é biólogo-marinho no Eurostat. As opiniões manifestadas neste artigo são totalmente pessoais e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.



sexta-feira, 1 de julho de 2022

O Voo do Cagarro 28: Conferência das Nações Unidas para os Oceanos em Lisboa

 
Imagem da abertura da Conferência dos Oceanos em Lisboa.
Foto: F Cardigos


Enquanto começo a escrever estas linhas, um centro comercial na Ucrânia foi bombardeado por militares do Governo da Federação Russa. Mais uma atitude incompreensível dentro de uma guerra inadmissível. Mesmo sem saber qual é a solução para esta encruzilhada, na minha opinião, o único caminho viável será através do diálogo diplomático.
No meio desta falta de bom senso e em total contracorrente, Russos, Ucranianos e todas as nações do mundo estão juntos, reunidos em Lisboa, na Conferência das Nações Unidas para os Oceanos (UNOC). Acaba por constituir mais uma oportunidade para ajudar a resolver este problema tendo, no entanto, como missão central o consolidar de soluções impreteríveis para a salvaguarda de oceanos saudáveis.
Tal como a paz, qualquer um dos 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável das Nações Unidas (ODS) é imprescindível para o nosso sucesso enquanto espécie. Aquele que trouxe a Lisboa delegados do mundo inteiro é o ODS 14 dedicado aos Oceanos.
Foi extraordinário verificar como os responsáveis políticos não enjeitaram apontar problemas e assumir responsabilidades quanto à debilidade de implementação de soluções. Notou-se claramente que entendem a urgência e que assumem o compromisso de fazer mais e melhor. As futuras gerações agradecem, mas, atenção, querem ação e exigem resultados!
É preciso ter em enorme sentido que todos nós dependemos dos oceanos. Ao contrário, os oceanos não dependem de nós. Quando nos extinguirmos, os oceanos por cá continuarão, a biodiversidade restaurar-se-á naturalmente e os serviços dos ecossistemas imprescindíveis para a existência de Gaia voltarão ao seu esplendor. A única peça que faltará nesta belíssima manta de retalhos seremos nós…
Como não poderia deixar de ser, os Açores e a Madeira estiveram presentes na UNOC e representados ao mais alto nível. Os cientistas marinhos do Faial, com uma delegação do Instituto Okeanos da Universidade dos Açores muito bem composta, participaram nas discussões, aportando o conhecimento que deverá servir de base às soluções que os políticos regionais irão considerar quando executarem as ações que irão consubstanciar os compromissos que têm assumido. O Observatório do Mar dos Açores, uma das poucas organizações não governamentais para o ambiente dos Açores, registou e, certamente, exigirá acompanhar a implementação dessas soluções.
Entre estes compromissos, destaco a proteção de 30% dos oceanos até 2030. É uma meta que não pode ser feita apenas de papel. Haverá que escolher áreas significativas e diversificadas e promover atividades que aí garantam a saúde dos oceanos. Isso implicará, i
nevitavelmente, desafios com consequências nas atividades extrativas e mesmo contemplativas. Vai ser difícil, mas é um compromisso assumido e que terá de ser cumprido. É um dos contributos que os Açores terão de dar para o mundo. Começámos bem, com o estabelecimento dos Parques Naturais de Ilha e o Parque Marinho dos Açores, mas esses eram apenas alguns dos passos iniciais. Reconheço o empenho dos sucessivos governos dos Açores, mas temos de fazer mais e melhor. Dou a maior força!
No meu caso, estive envolvido na organização das “IV Rotas da Economia Azul da Bélgica e Portugal”. Este momento, que foi um dos eventos paralelos oficiais da UNOC, tentou mostrar como os projetos-piloto são fundamentais para o estabelecimento de soluções marítimas economicamente interessantes, socialmente aceitáveis e ambientalmente adequadas. O Parlamento e a Comissão Europeia, os governos da Bélgica e Portugal, as associações ambientalistas, os clusters empresariais para a economia azul dos dois países, cientistas, inúmeras empresas e outros interessados marcaram presença.
As ligações da aristocracia lusa com a Flandres remontam ao tempo de D. Afonso Henriques, muito antes de existir a Bélgica e quando Portugal era apenas um projeto que insistia em nascer. Foi também por isso muito agradável registar a participação da Casa Real Portuguesa neste evento.
A organização, a Câmara do Comércio Belgo-Portuguesa, tem sede na Bélgica. Estando em Portugal, contou com o apoio abnegado da Sociedade de Advogados Morais Leitão, que cedeu um dos seus auditórios em Lisboa. Para além desta empresa, a Sciaena, a Haedes, o Fórum Oceano e a Blawe Cluster completaram o leque de imprescindíveis apoios.
Penso que construímos bases de confiança legal, política, ambiental e empresarial, assentes em bom conhecimento científico, para que se venham a constituir ainda mais alianças entre os dois países. Há que aproveitar as sinergias entre Portugal e a Bélgica. Com uma pontinha de indisfarçado orgulho, penso que ajudamos a que o mar do mundo ficasse um pouquinho melhor.