Foto: F Cardigos
Olhando para a ordem de precedências da União Europeia, temos no topo, como seria de esperar, a Presidente do Parlamento Europeu, depois os chefes de Estado e de Governo e a Presidente da Comissão Europeia, seguindo-se os presidentes do poder judicial e do Banco Central Europeu. Ainda antes dos comissários e dos eurodeputados, no décimo segundo lugar, está o Presidente do Comité das Regiões Europeu, desde há duas semanas o açoriano Vasco Ilídio Alves Cordeiro. Este é o lugar eleito mais elevado jamais atingido por um açoriano no contexto da União Europeia e isso deve ser alvo da nossa atenção e, porque não dizê-lo, alvo do nosso regozijo.
A par do Comité Económico e Social Europeu, o Comité das Regiões Europeu é um dos dois órgãos consultivos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão Europeia. Apesar dos comités não serem instituições europeias, toda a legislação pertinente tem de passar pelo seu crivo e é alvo de pareceres que, não poucas vezes, moldam as versões finais desses documentos.
O Comité das Regiões Europeu agrega representantes eleitos de 350 regiões indicados por cada Estado-membro. A eleição de Vasco Cordeiro por unanimidade e aclamação foi o corolário de um processo de campanha e sensibilização que teve início há vários anos e que, em algumas ocasiões e com emoção, pude presenciar ao vivo.
A forma como Vasco Cordeiro se apresentou perante os seus pares do Comité das Regiões, apresentando uma estratégia clara e mobilizadora, auscultando os legítimos anseios de cada um e a permanente tentativa de construir pontes levou a melhor sobre os restantes pretendentes e conquistou a posição mais alta. Nas suas intervenções, o novo Presidente dirigiu-se sempre em várias línguas, o que é entendido como respeitador da diversidade europeia, mas sem esquecer a língua de Camões e de Nemésio, o que demonstrou brio e orgulho.
Com o crescimento assimétrico da importância do Parlamento Europeu após o Tratado de Lisboa, os dois comités procuram agora reposicionar-se dentro da esfera de poder e influência de Bruxelas. Estas dores causadas pelo crescimento do Parlamento Europeu foram sentidas pelas próprias regiões ao serem arredadas de parte do protagonismo que até aí usufruíam. A pandemia não contribuiu para melhorar o panorama e esse será, quanto a mim, o grande desafio de Vasco Cordeiro: voltar a colocar os holofotes sobre a Europa das Regiões.
Estou confiante no seu sucesso. Para ajudar a demonstrar quão aguerrido e comprometido é o novo Presidente do Comité das Regiões também na Europa, permito-me recordar um episódio a que assisti há muitos anos, quando Vasco Cordeiro, em representação do então Presidente do Governo dos Açores, Carlos César, deveria discursar em Bruxelas. Pela ordem protocolar, sucediam-se as intervenções dos presidentes das regiões ultraperiféricas perante um enorme espaço absolutamente cheio. Como é natural nestas situações, por razões certamente justificáveis, os presidentes excederam-se largamente e o então Secretário Regional ficou sem tempo. Quando o responsável pela organização, um importante funcionário europeu, se preparava para fechar apressadamente a sessão, Vasco Cordeiro levantou-se e, com coragem e frontalidade, disse: “Não. Os Açores querem falar e os Açores vão falar”. Justificou com uma assertividade e uma lisura que não deixaram margem para ser contrariado ou ignorado. Falou, todos ouviram e todos aplaudiram!
Num tempo em que vemos serem desafiados os mais básicos valores humanistas, como o simples “fazer o Bem”, é reconfortante verificar o sucesso de Vasco Cordeiro na sua ascensão ao ápice de uma das maiores potencias globais. Mesmo os que não concordam com a sua visão socialista do mundo, reconhecem a sua honestidade, a sua empatia, a sua exigência, a sua procura do bem comum e o seu sorriso profundamente genuíno. Claro que tem defeitos, mas jamais serão defeitos que prejudiquem fisicamente seja quem for, muito antes pelo contrário! Algo que não podemos dizer de outros dirigentes europeus, como o atual Presidente da Federação Russa que invadiu barbaramente a Ucrânia...
Frederico Cardigos é biólogo-marinho no Eurostat. As opiniões manifestadas neste artigo são totalmente pessoais e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
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