Fico fascinado ao contemplar os desafios que a humanidade identifica, enfrenta e resolve coletivamente. Um dos mais conhecidos desses desafios foi o debelar do problema dos
clorofluorocarbonetos (CFC). Relembrando, em 1974,
Sherwood Rowland e
Mario Molina descobriram que os CFC podem destruir a camada de ozono atmosférico da Terra que bloqueia os raios ultravioletas oriundos do sol. Quando os cientistas relataram as suas descobertas, os CFC eram amplamente utilizados em frigoríficos e em sprays. Reforçados pela descoberta por outros investigadores de que a camada de ozono sobre a Antártida estava a desaparecer, os cientistas convenceram os industriais céticos, os decisores políticos e o público quanto ao perigo dos CFC. Iniciou-se assim o processo para a sua eliminação progressiva a nível mundial e o para o desenvolvimento de alternativas mais seguras.
Mas não é caso único. No período pós-guerra e até ao final do século XX, a humanidade foi capaz de se unir e resolver outros problemas. Hoje, inspirado por um programa de rádio que aconselho (“
Radiolab” da National Public Radio), gostaria de partilhar a história recente de dois metais pesados: o chumbo e o mercúrio.
O chumbo é um elemento que, se bem utilizado, é muitíssimo útil em diversas circunstâncias e não constitui qualquer problema. No entanto, mesmo em concentrações ínfimas no corpo humano, o chumbo é tóxico. Segundo diversas instituições oficiais, o envenenamento por chumbo pode incluir consequências como formigueiro nas mãos e pés, dor abdominal, obstipação, dores de cabeça, irritabilidade, infertilidade, problemas de memória, decréscimo de capacidade intelectual, problemas comportamentais e, em casos mais graves, anemia, convulsões, coma e morte. Apenas para se entender a dimensão do problema, a utilização de chumbo em utensílios de cozinha e em canalizações foi reconhecida como um dos fatores responsáveis pela degradação e colapso do Império Romano.
A meio do século XX, um cientista de nome
Clair Patterson descobriu que o chumbo já não se limitava a canalizações com interesse arqueológico, mas estava agora por todo o lado. O chumbo, transportado pelos combustíveis fósseis, estava fora de controlo. Literalmente.
No final dos anos 70, outro cientista,
Herb Needleman, verificou que, como consequência da contaminação por chumbo, as crianças apresentavam um menor quociente de inteligência (QI). Em termos médios, 10 microgramas de chumbo por litro de sangue implicavam uma redução de 4 pontos no QI.
Nada disto pareceu despoletar ação séria até que dois analistas económicos, o casal
Joel Schwartz e
Ronnie Levin, por indicação da Agência para o Ambiente dos Estados Unidos da América, determinaram que o valor ganho pelas indústrias petrolíferas por manterem o chumbo na gasolina era de 100 milhões de dólares por ano. Ao mesmo tempo, já por sua iniciativa, calcularam qual a perda de rendimentos causada pela redução no QI e concluíram que, por cada ponto de QI, o rendimento individual descia 1%. Segundo os seus números, em termos societais, a soma da redução de rendimentos, do aumento da despesa com a educação e do aumento da despesa com a saúde ascendia, no total, a mil milhões de dólares por ano. Os argumentos eram avassaladores, quebrou-se a resistência por parte da indústria petrolífera e nasceu a gasolina sem chumbo. Em pouco tempo, 90% do chumbo desapareceu dos seres humanos e do ambiente em geral. Genial!
O mercúrio foi outro dos mega-problemas que, apesar de ainda não estar totalmente debelado, tem tido tais progressos que, possivelmente, se pode considerar já sob controlo. Nos seres humanos, o envenenamento por mercúrio provoca ataxia, dormência nas mãos e pés, fraqueza muscular geral, perda de visão periférica, danos na audição e na fala, insanidade, paralisia, paralisia cerebral, coma e morte. Mas comecemos pelo princípio.
No início da segunda metade do século XX, em
Minamata, Japão, milhares de pessoas, particularmente as oriundas de comunidades piscatórias, desenvolveram uma
doença que resultava de uma exposição severa ao mercúrio. Os trabalhos científicos realizados permitiram confirmar que o mercúrio havia bioacumulado nos organismos marinhos que serviam de alimento às populações locais. Como determinado pelos cientistas, os responsáveis pelo aumento do mercúrio na água eram os esgotos de um complexo industrial fabril existente na área e, passado demasiado tempo na perspetiva dos que sofriam com a doença, começou-se a resolver o problema.
Curiosamente, o
Faial teve uma palavra a dizer na compreensão do ciclo do mercúrio. Nos anos 90, o
Doutor Luís Monteiro, do DOP da Universidade dos Açores (hoje, Okeanos), belíssimo amigo e excelente cientista que, infelizmente, já não se encontra entre nós, fez um estudo em que recolheu e analisou penas de aves marinhas guardadas em museus. Sabendo que a acumulação de mercúrio apenas se dá enquanto a ave está viva, conseguiu verificar a variação de concentração deste metal na biosfera do planeta ao longo do tempo. Recorrendo ao espólio existente nos museus, viajou até ao passado. Assim, confirmou e partilhou connosco que a aceleração do crescimento das concentrações de mercúrio ao longo de cem anos acompanharam como uma luva bem ajustada o crescimento industrial. Por este trabalho especificamente, o Doutor Luís Monteiro foi agraciado com o Prémio “IMAR - Luiz Saldanha”, atribuído ao melhor trabalho de jovens cientistas marinhos em Portugal nesse ano.
Hoje em dia, a indústria pauta a sua ação por regras precisas e severas no que diz respeito à utilização do mercúrio. Mais uma vez, conhecendo em detalhe a temática, torna-se mais fácil estabelecer planos e resolver o problema. Assim foi. De 2011 a 2020, as emissões de mercúrio foram reduzidas em 64%. O problema está a desvanecer-se progressivamente. Os seres humanos conseguiram, mais uma vez!
Para o futuro, a humanidade terá de lidar com problemas a curtíssimo prazo (alterações climáticas, perda de biodiversidade, poluição por plásticos e negacionismos), problemas a curto prazo (autodestruição de origem bélica), a médio prazo (proteger a Terra de meteoros) e a longo prazo (degradação do DNA). Conseguiremos? Apenas depende de nós... todos!