sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Voo do Cagarro - 33: Revolta!

Como já partilhei aqui algumas vezes, viver num dos pequenos países no centro da Europa permite, sem grande dificuldade, conduzir até aos países limítrofes e sentir culturas e estares diferentes. Costumamos dizer por piada que, às vezes, é mais fácil chegar a outro país do que permanecer naquele onde estamos, dadas as curtas distâncias. Quem vive na Holanda, na Bélgica ou no Luxemburgo, para já não falar no Mónaco ou no Liechtenstein, já teve certamente essa sensação. Por essa razão, não hesito em partir, sozinho ou com quem quero bem, para uma boa road-trip.

Infelizmente, este artigo não é para celebrar esse prazer.

Este artigo é para fazer uma enfática recomendação: nunca, mas nunca conduzir cansado. Adormecer nestas viagens, particularmente se decorrerem à noite e em autoestradas monótonas, é uma contingência totalmente plausível quando se dormiu mal ou bebeu um copito.

É muito melhor dormir, recuperar e depois continuar a fazer os quilómetros que faltarem. Se isso implicar faltar ao trabalho, paciência. Se isso implicar chegar atrasado para a ceia de Natal, que assim seja. Mas nunca, jamais!, conduzir estrada fora sem estar em perfeitas condições para o fazer.

Uma das piores notícias que se pode receber é a da morte de um amigo. Quando essa morte é acompanhada pela morte de metade da sua família, incluindo dois filhos de um e quatro anos, perguntamo-nos qual o sentido da vida. Que raio de justiça existe no mundo?!

Foi esta notícia que recebi há pouco. Aparentemente, o meu amigo forçou. Conhecendo-o, aposto que forçou apenas um pouquinho, talvez para poder estar mais tempo com os avós dos seus filhos… Não sei… Oxalá ele estivesse aqui para me dizer o que aconteceu para não ter esboçado sequer uma travagem antes do seu potente carro entrar por baixo de um camião que estava mal estacionado na beira da autoestrada. Que revolta!

Evidentemente, o camião não deveria estar ali, mas o meu amigo não podia ter adormecido ao volante. Não podia mesmo! E eu, que gosto tanto dele, estou tão zangado! Apetece-me chamar-lhe todos os nomes de tão zangado que estou. Mais do que isso, estou absolutamente triste por não o poder fazer. Queria poder voar no tempo até aquela autoestrada na Áustria e falar com ele antes de entrar no carro ou abaná-lo antes de ele adormecer… Não posso.

Aquilo que posso fazer é desejar com muita força que os restantes elementos da sua família, que estão a lutar entre a vida e a morte, recuperem e que recuperem com qualidade. Aquilo que posso fazer é escrever este artigo e gritar para todos os que se querem aventurar na estrada: tenham cuidado e descansem. É tão simples. Descansar. Parar o carro, correr até um hotel e passar uma boa noite de sono. O mundo pode mesmo esperar. O mundo não pode mesmo é perder-vos!


Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.

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