Entre as muitas coisas inúteis que faço, há o gosto de verificar os jogadores e jogadoras que alinham nas minhas equipas de futebol favoritas. Verifico o nome, a nacionalidade, o percurso clubístico… Totalmente inútil. Sei que não faz muito sentido e que não abona a meu favor, mas a honestidade impõe que seja claro.
Enquanto escrevo este artigo, durante uma viagem de comboio entre Bruxelas e o Luxemburgo, na mesma carruagem que eu, há uma pessoa a fazer tricot, uma a trabalhar com muitos papeis, duas a olhar para o infinito, três a consultar compulsivamente as redes sociais através do telemóvel, uma a lutar com a sua consola de jogos, outra ainda a ocupar-se das suas cavidades faciais e muitas que não consigo entender o que estão a fazer. Entre as coisas inúteis que se passam nesta carruagem, talvez ler nomes de jogadores não seja assim tão grave… Provavelmente, abaixo do tricot e acima dos restantes, não?
Foi assim, a ler nomes, que me cruzei com o jogador Williams nas fileiras do Athletic de Bilbao. Poderia não ser importante, mas acontece que este clube é conhecido por apenas contratar jogadores com uma ligação muito profunda ao País Basco. “Williams não é lá um nome muito basco” foi o que retive e ia passar para a próxima equipa. No entanto, vendo bem, não era apenas um “Williams”, mas sim dois. Intrigante…
Sei que a minha curiosidade deveria ter sido mais forte, mas não foi. Dois Williams aparentemente perdidos na equipa de Bilbao impunham a minha imediata ação, mas não aconteceu.
A vez seguinte que ouvi o nome de um destes Williams foi num epílogo de um drama. Nicholas Williams acabava de fazer um passe mortífero para Álvaro Morata e este aproveitou para marcar contra Portugal e tirar o nosso país da Liga Europeia das Nações de 2022. Devia claramente ter sido suficiente para reter a minha atenção, mas, mesmo assim, não foi...
O meu cérebro não ligou as coisas até que li “A incrível história dos irmãos Williams: juntos no clube, separados na seleção”, no jornal Público. O artigo de Francisco Fernandes Ferreira está muitíssimo bem escrito e é aconselhável mesmo para quem não gosta ou simplesmente não entende o futebol.
Nicholas, extremo, é o mais novo e Iñaki, ponta de lança, o mais idoso dos irmãos Williams que jogam na equipa principal de futebol sénior masculino do Athletic de Bilbao. É habitual Iñaki passar a bola para Nicholas marcar e, ainda mais frequentemente, Nicholas passa e Iñaki fatura.
Iñaki está a ficar velhote para jogador de futebol profissional e, por diversas razões, nunca saiu do Athletic de Bilbao. É mesmo o jogador que mais vezes seguidas jogou na principal divisão espanhola.
Já Nicholas, ainda novo, está no momento de dar o salto e fala-se na sua saída para os milhões dos melhores clubes da Premier League, a principal liga de futebol em Inglaterra. Perante a escolha, a única exigência que fez para voltar a assinar pelo Athletic é que “de forma alguma” o seu irmão mais velho seja transferido para outro clube.
Nicholas está prestes a trocar, ou pelo menos a adiar, milhões de euros para poder continuar a ter o prazer de jogar futebol com o seu irmão no clube de ambos. A história pessoal dos irmãos Williams deixa vislumbrar que as razões para esta exigência de proteção familiar seja mais profunda e com génese a milhares de quilómetros de distância, mas, para o compreender na totalidade terá de ler o artigo do Público.
Os irmãos Williams, nitidamente africanos e orgulhosamente oriundos do Gana, a jogar no Athletic… Esta é, na realidade, uma história de heroísmo e superação, também no feminino, que vale a pena ler. Demorou, mas agora sou fã dos irmãos Williams.
A única coisa que vou aqui desvendar é que Iñaki joga pela seleção de futebol nacional do Gana e o irmão, como já referi, joga por Espanha. Se tudo lhes correr bem, nos quartos de final do campeonato do Mundo de Futebol que aí vem, os irmãos irão jogar um contra o outro num jogo oficial pela primeira vez.
Eu posso não saber o que farei até lá, nem o que farei no dia depois disso. Nesse dia em particular, seja lá quando for, poder-me-ão facilmente encontrar “colado” em frente a um ecrã de televisão. De previsível lágrima no canto do olho, lá estarei, paradoxalmente, torcendo pelos irmãos Williams.
Neste caso, passar de uma atividade inútil a uma história de superação estava à distância da minha própria atenção. Quantas vezes isso me terá acontecido? Nesta sociedade obcecada com a velocidade, a aceleração, a eficiência e a eficácia, quantas histórias edificantes ficarão por contar? Sinto que é cada vez mais importante desacelerar e, em vez de apenas olhar, há que ver atentamente a beleza do mundo.
* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Artigo de opinião escrito a título pessoal. As informações aqui transmitidas podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
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