O Imperativo da Reforma Eleitoral em Portugal
Estava preocupado,
sentia a responsabilidade do meu dever de votar. Pensava em todos os que
lutaram pela democracia em Portugal, que lutaram e morreram pelo simples
direito a votar e estava preocupado que o meu voto, colocado na urna no
consulado no Luxemburgo, não chegasse a tempo ao meu círculo eleitoral no Faial
(Açores). Noutras eleições, um pouco aleatoriamente, umas vezes o voto chegou a
tempo, outras não. Nas eleições anteriores consegui mesmo ir aos Açores, mas, desta
vez, limitações laborais impediram a minha deslocação.
Correu bem e o
voto chegou a tempo! Ótimo!
No entanto, este
processo tem que acabar. No tempo da informática, não faz qualquer sentido
votar num papel, transportar fisicamente esse papel até milhares de
quilómetros de distância e, depois, um conjunto de seres humanos serem chamados
para o contabilizar. Muitos dizem que a segurança do processo eleitoral exige
estas metodologias antiquadas, onerosas e ambientalmente desadequadas.
Claro que isso é
uma conveniente falta à verdade. Na minha opinião, a verdade é que a inércia de
quem legisla e de quem gere o processo eleitoral tem atrasado um processo
inevitável e necessário. Evidentemente, se o Estado usa processos
computorizados para comunicar com os cidadãos e se mesmo os nossos impostos são
pagos por processos telemáticos, por que razão o voto, um processo tão simples,
exige que um papel dê a volta ao mundo? São coisas de Estado rico!
Se, por acaso,
tivéssemos índices de participação eleitoral elevados, eu até entendia que não
houvesse um esforço para fazer melhor. Agora reparem, há uma grande discussão
porque o partido antissistema teve cerca de um milhão de votos. Admito que é
muito e merece reflexão, até por respeito por todos aqueles que lutaram pela
democracia e que eu mencionava no início deste escrito. No entanto, não merece
também preocupação ter havido cerca de três milhões de abstencionistas?! Três
milhões de pessoas que estavam em condições de votar e que abdicaram de o fazer!?
Isto tem de ser pensado. Pelo menos, tem de ser esclarecido o que leva tantas
pessoas a abdicar de exercer o seu direito e o seu dever cívico.
Talvez seja
necessário aprender umas coisas com a Bélgica a esse nível. Este país
que acolhe muitos dos que me leem já tem o voto eletrónico implementado há mais
de trinta anos! Não é um dia ou dois, são trinta anos! Nós, no nosso belo país
à beira-mar plantado, ainda estamos na preguiçosa fase do projeto-piloto.
Quantas pessoas que não podem ou não querem deslocar-se até à mesa de voto ou que
se recusam a enviar cópia do seu bilhete de identidade dentro de um envelope,
se prestariam a votar remotamente a partir do conforto do seu lar ou do seu
local de trabalho? Particularmente para os emigrantes, como eu, isso seria um
excelente serviço prestado pelo Estado. O voto eletrónico é um passo necessário
para se poder votar remotamente, mas não é o único e, na Bélgica, não se vota
remotamente. No entanto, caso o decidam fazer, já estão com um passo de trinta
anos à nossa frente.
Outra coisa que
poderíamos aprender com a Bélgica e com o Luxemburgo está relacionado com a obrigatoriedade
do voto. Durante o Estado Novo, em Portugal, o voto era informalmente obrigatório
porque permitia identificar quem apoiava os apelos à abstenção promovidos pela
oposição. Isso pode justificar parte da resistência à obrigatoriedade de voto
em Portugal. Somos também o resultado da nossa História.
O racional essencial
do voto obrigatório insere-se no contexto de que os cidadãos têm algumas
obrigações básicas a cumprir perante o Estado. Uma dessas obrigações é
respeitar a lei, incluindo pagar os impostos, e, para estes dois países, votar.
Que contributo dá um cidadão ao seu Estado se nem sequer vota?! Sinceramente,
gosto muito das liberdades, mas custa-me a admitir que o esforço de votar seja
assim tão elevado.
Com a Estónia,
um país avançado em termos de informatização do processo eleitoral, talvez pudéssemos
aprender que é possível ter um sistema em que os eleitores podem votar
antecipadamente por via eletrónica, voltar a votar, para o caso de se terem
enganado ou terem sido coagidos, e ainda podem optar por votar fisicamente no
dia das eleições. Obviamente, conta apenas a última ação, sendo anuladas as
anteriores. Seguir os bons exemplos não significa copiá-los; significa apenas
fazer alguma coisa e inspirados pelos melhores…
Por último, uma
lição que a nação poderia aprender com os Açores era a criação de um círculo
nacional de compensação que recolhesse os votos dos eleitores que não
contribuíram para eleger deputados. Por exemplo, em Portalegre, em Bragança, nos
círculos da Europa e do resto do mundo apenas dois partidos elegeram deputados.
Todas as dezenas de milhares de pessoas que nestes quatro círculos votaram
noutros partidos viram os seus votos não contarem para nada. Claro que é
desmotivador, tendo a concordar, e quem vê o seu voto ir para o “lixo” deve pensar
duas vezes antes de ir votar na próxima vez.
Talvez,
inicialmente, este círculo de compensação pudesse ter uma dezena de deputados.
Parece-me um bom número para a experiência. Depois, verificar-se-ia como
funcionava e afinar-se-ia o processo. Para além das vantagens relacionadas com
o aproveitamento dos votos e de ser potencialmente mobilizador de parte dos
abstencionistas, haveria ainda que considerar que este círculo poderia fomentar
ainda mais a coesão nacional, até porque grande parte dos votos teriam origem
nas circunscrições menos povoadas, em que mais votos são perdidos.
Uma das vantagens
de fazer parte de uma organização como a Câmara do Comércio Belgo-Portuguesa é
estar inserido num grupo que pensa e dialoga sobre estes problemas. Apoiados na
experiência obtida por cada um nas suas diferentes realidades, conseguimos ver
mais longe e propor soluções. Há que ser imaginativo e dar contributos para
vitalização da democracia. A inspiração pode e deve vir dos exemplos
inquestionavelmente democráticos que existem na União Europeia. Na minha
opinião, em vésperas dos 50 anos do 25 de Abril, da muito nossa Revolução dos
Cravos, a democracia em Portugal está a precisar dessa boa inspiração.
Feliz Páscoa para
todos vós e para as vossas famílias!
* Frederico Cardigos é vice-presidente da Câmara do Comércio Belgo-Portuguesa e é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.
The Imperative of Electoral Reform in Portugal
I was worried, I felt the responsibility of
my duty to vote. I thought of all those who fought for democracy in Portugal,
who fought and died for the simple right to vote, and I was worried that my
vote, placed in the ballot box at the consulate in Luxembourg, wouldn't reach
my constituency in Faial (Azores) in time. In other elections, somewhat
randomly, sometimes the vote arrived on time, sometimes not. In previous
elections, I did manage to go to the Azores, but this time, work constraints
prevented me from going.
It went well and the vote arrived on time!
That's great!
However, this process has to stop. In
the age of information technology, it makes no sense to vote on a piece of
paper, physically transport it thousands of kilometers away and then have a
bunch of human beings called in to count it. Many say that the security of the
electoral process requires these antiquated, costly and environmentally unsound
methodologies.
Of course, this is a convenient lack of
truth. In my opinion, the truth is that the inertia of those who legislate and
those who manage the electoral process has delayed an inevitable and necessary
process. Of course, if the state uses computerized processes to communicate
with citizens and if even our taxes are paid by telematic processes, why does
voting, such a simple process, require a piece of paper to go around the world?
These are the things of a rich state!
If, by chance, we had high voter turnout
rates, I could understand not making an effort to do better. Now look, there's
a big discussion because the anti-establishment party got around a million
votes. I admit that it's a lot and deserves reflection, not least out of
respect for all those who fought for democracy and whom I mentioned at the
beginning of this article. However, isn't it also worrying that there were
around three million abstainers?! Three million people who were in a position
to vote and who refrained from doing so? This needs to be considered. At the
very least, it needs to be clarified why so many people gave up exercising
their civic right and duty.
Perhaps we need to learn something from
Belgium in this respect. This country, which is home to many of you, has
had electronic voting in place for over thirty years! Not a day or two, thirty
years! We, in our beautiful country by the sea, are still in the lazy phase of
the pilot project. How many people who can't or won't travel to the polling
station, who refuse to send a copy of their ID card in an envelope, would be
willing to vote remotely from the comfort of their home or workplace?
Particularly for emigrants like myself, this would be an excellent service
provided by the state. Electronic voting is a necessary step towards being able
to vote remotely, but it's not the only one, and in Belgium, remote voting does not exist. However, if they decide
to do so, they are already thirty years ahead of us.
Another thing we could learn from Belgium
and Luxembourg relates to compulsory voting. During the Estado Novo in
Portugal, voting was informally compulsory as it allowed to identify those who
supported the opposition's calls for abstention. This may explain some of the
resistance to compulsory voting in Portugal. We are also the result of our History.
The essential rationale for compulsory
voting is that citizens have some basic obligations to fulfil towards the
state. One of these obligations is to respect the law, including paying taxes,
and for these two countries, voting. What contribution does a citizen make to
their state if they don't even vote?! Frankly, I'm very fond of freedoms, but I
find it hard to admit that the effort involved in voting is so high.
With Estonia, an advanced country in
terms of computerizing the electoral process, perhaps we could learn that
it is possible to have a system in which voters can vote electronically in
advance, vote again in case they have made a mistake or been coerced, and can
even choose to vote physically on election day. Obviously, only the last action
counts and the previous ones are annulled. Following good examples doesn't mean
copying them; it just means doing something and being inspired by the best...
Finally, one lesson the nation could learn
from the Azores is to create a national compensation constituency to
collect the votes of voters who did not contribute to electing MPs. For
example, in Portalegre, in Bragança, in the constituencies of Europe and the
rest of the world, only two parties elected MPs. All the tens of thousands of
people who voted for other parties in these four constituencies saw their votes
count for nothing. Of course it's demotivating, I agree, and anyone who sees
their vote go to waste should think twice before voting next time.
Perhaps, initially, this compensation
circle could have a dozen deputies. That seems like a good number for the
experiment. Then we'd see how it worked and fine-tune the process. In addition
to the advantages of using votes and potentially mobilizing some of the
abstentionists, we should also consider that this circle could further promote
national cohesion, not least because a large part of the votes would come from
the least populated constituencies, where the most votes are lost.
One of the advantages of being part of an
organization like the Belgo-Portuguese Chamber of Commerce is that you are part
of a group that thinks and talks about these problems. Supported by the
experience gained by each person in their different realities, we can see
further and propose solutions. We have to be imaginative and contribute to the
vitalization of democracy. Inspiration can and should come from the
unquestionably democratic examples that exist in the European Union. In my
opinion, on the eve of the 50th anniversary of 25 April, of our Carnation
Revolution, democracy in Portugal is in need of some good inspiration.
Happy Easter to all of you and your
families!
Frederico Cardigos is vice-president of the Belgo-Portuguese Chamber of Commerce and a marine biologist at Eurostat. The ideas expressed in this article are the sole responsibility of the author and may not coincide with the official position of the European Union.
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