No Verão, uma das tarefas que me está atribuída profissionalmente é viajar entre as ilhas dos Açores e monitorizar alguns índices de saúde ambiental marinha. Não é uma tarefacomplicada, embora seja exigente do ponto de vista físico. É necessário mergulhar muito, registar a abundância da maioria das espécies e depois retirar algumas conclusões. Uma das tarefas complementares, para certificar que os dados obtidos estão correctos é conversar com os utilizadores. Estes utilizadores vão desde o pescador (que é a melhor fonte de informação), aos operadores turísticos (começando pelos guias de mergulho, e passando pelos skippers de embarcações de passeio), aos polícias marítimos e a outros interessados. A informação obtida por esta segunda via tem a vantagem de calibrar os dados obtidos durante o mergulho e de dilatar o período de amostragem para além do momento de monitorização.
Durante esta actividade, quando se proporciona ou há interesse por parte da população local, fazemos palestras públicas em que explicamos o nosso trabalho e mostramos algumas imagens do que temos visto no mar. Vivam as máquinas fotográficas digitais, que permitem sair fora de água e ter acesso imediato às imagens e com uma qualidade muito razoável! Da discussão gerada nas palestras obtém-se ainda mais informação que acaba por servir de complemento às entrevistas específicas.
Utilizando esta aproximação a três tempos: verificação no local, entrevistas e palestras obtém-se um quadro realista do estado do ambiente e podem fazer-se sugestões sobre o caminho a seguir no sentido de manter ou recuperar os valores ambientais. Estas sugestões são mais tarde adaptadas à realidade sócio-económica pelos gestores políticos sob a forma de lei, regulamentos, disposições transitórias, etc. Este é o processo.
Apesar de não ser nossa competência, pelo facto de estarmos no terreno, somos alvo de desabafos sobre o empenho e eficiência das medidas de conservação da natureza. É interessante verificar que não há qualquer conversa que não passe por duas carências: falta de participação pública e de fiscalização. Em relação à primeira, parece-me que é um problema global. A falta de empenho das pessoas nas decisões que as afectam resulta em factos tão graves como a abstenção nos processos de escolha de representantes (abstenção eleitoral), daí não ficar espantado pelo mesmo acontecer no mar. No entanto, sabendo quão bonito e espectacular pode ser o mar, parece-me que ainda poderemos fazer mais para cativar o público. É algo que as pessoas que se preocupam pela coisa marinha terão de fazer no quotidiano.
Já a segunda resulta de problemas mais palpáveis e com resolução mais fácil, caso passe a haver interesse por parte do poder político e, a outros níveis, pelas estruturas por ele criadas. O nível de fiscalização do mar desceu a níveis tão baixos que chega a ser hilariante pelas piores razões. Basta sair para o mar, coisa que a polícia marítima não faz tantas vezes como o necessário, para ver as enormidades ambientais mais inacreditáveis. Para além do ambiente, a própria segurança no mar é de todo esquecida pelos prevaricadores. Receio o pior e não apenas em termos ambientais... E quando questionados os prevaricadores, a resposta é unanime: “se não formos nós são os outros, o mar está a saque!” Quando interrogada a polícia marítima, a resposta também é unanime: “dêem-nos meios!”.
Não vou aqui debater as razões que estão por trás deste alheamento, mas é inacreditável que quando se fala da manutenção da jurisdição de Portugal sobre as 200 milhas da ZEE, os mesmos dirigentes se esqueçam que aos direitos estão associadas responsabilidades. O alheamento da protecção das zonas costeiras de Portugal tem de terminar urgentemente, antes que seja tarde demais. Está à vista de todos (e este todos é mesmo TODOS) que o mar está abandonado. É urgentíssimo fazer alguma coisa!
Publicado na coluna "Casa Alugada"
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