Já escrevi isto, mas, dado que estou recorrentemente a ouvir este erro, deixem-me repetir: “Áreas Marinhas Protegidas não são Reservas Integrais!”. Ou seja, pelo facto de classificar uma área como área marinha protegida não fica implícito que se irá impedir o seu uso. Segundo a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza e Recursos Naturais), numa versão simplificada, área marinha protegida é uma zona do mar, definida por lei e com um sistema dedicado que a regula tendo em vista a conservação da natureza ou salvaguarda dos recursos marinhos. Por “sistema” entende-se uma direcção, um corpo técnico ou outra entidade que tenha jurisdição sobre a área e aí possa promover ou inibir actividades. A classificação está relacionada com os usos possíveis, mas não implica que não se possa utilizar. Depois de classificar uma área como área marinha protegida, pode-se dividir a área em diversas partes de acordo com as características que possuem. A isto chama-se zonamento. Por exemplo, na Paisagem Protegida do Monte da Guia, na Ilha do Faial, Açores, existe uma área marinha (em volta do Monte) e que possui uma pequena zona que é Reserva Integral (as Caldeirinhas). Uma Reserva Integral não pode ser invadida por ninguém! Bom, há duas excepções: forças da ordem e técnicos devidamente autorizados pela entidade gestora. Normalmente, as áreas classificadas como Reserva Integral são muito pequenas e baseiam-se em justificações muito fortes. Por exemplo, a Área Marinha Protegida de Fernando Noronha (que é grande) tem uma pequena baía classificada como Reserva Integral (Baía dos Golfinhos). Esta baía foi identificada como um local importante para a reprodução dos golfinhos-rotadores e por essa razão está proibida a entrada a qualquer embarcação ou ser humano. É de tal forma protegida que, mesmo por terra, só se pode vislumbrar ao longe uma parte da baía.
A parte Sul das Desertas, na Madeira, também é Reserva Integral. Neste caso, foi declarada para protecção dos lobos-marinhos. Hoje em dia todos os dados indicam ter-se tratado de uma boa opção e, aparentemente, a população de lobos-marinhos, antes à beira da extinção, parece estar a renascer das cinzas.
Na ilha de Ustica, em Itália, a parte Norte tem uma pequeníssima parte que é Reserva Integral e a restante parte Norte pode ser utilizada desde que não haja extracção (pesca, caça, extracção de areia, etc.). Na parte Sul podem-se fazer todas as actividades (desde que de acordo com a lei geral, claro!). Neste caso, a justificação da Reserva Integral está relacionadacom a manutenção de um local com as características primitivas. A entidade gestora deste local espera que este pequeno local possa servir de termo de comparação para eventuais impactos das actividades que têm lugar nas restantes áreas. É um método engenhoso e muito divulgado a nível internacional.
Outros exemplos interessantes são as “áreas de silêncio”. Em certos locais há nidificação de aves marinhas junto à costa, em plena ravina. Quando uma embarcação passa a grande velocidade, fazendo grande barulho (como as motas de água), as aves podem assustar-se e as mais jovens cair para dentro de água e afogarem-se. Isto acontece, por exemplo, com osgarajaus. Para evitar que as aves marinhas caiam dentro de água pode-se impedir que, naquela zona costeira, junto à colónia nidificante, as embarcações passem a grande velocidade ou a fazer barulho. Como as aves não estão sempre a nidificar, esta zona até pode ser declarada “de silêncio” apenas em parte do ano.
As combinações de métodos para obter determinados resultados são tão complexos que não me atrevo a tentar sintetizá-los a todos. De qualquer forma, quero escrever o meu exemplo favorito de zonamento. Na Ilha do Corvo (Açores), há um local muito conhecido pelos mergulhadores. Trata-se do Caneiro dos Meros. Neste local os pescadores profissionais decidiram deixar de pescar junto ao fundo. O resultado foi muito interessante, os meros que aí vivem são os mesmos desde há cinco anos (posso confirmá-lo porque fui lá filmá-los pela primeira vez em 23 de Dezembro de 1998) e estão habituados à presença humana. Aproximam-se dos mergulhadores e permitem belíssimas fotografias. Ou seja, este zonamento voluntário permitiu o aparecimento de uma outra actividade com interesse económico: o turismo de mergulho.
Publicado na coluna "Casa-Alugada"
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