quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

Desejos para 2004

Apesar de não acreditar no Pai Natal, não deixo de ter desejos para 2004. Basicamente, espero que o mundo se torne num local um pouco melhor ou, pelo menos, que aumentem as perspectivas de ele um dia melhorar. Penso que a humanidade ainda não compreendeu que os problemas que mais dores de cabeça lhe podem provocar a longo prazo estão relacionados com o ambiente. De facto, os problemas sociais têm um enorme peso na nossa felicidade a curto prazo, são eles que, mais directamente, afectam a nossa dignidade e felicidade, mas os problemas ambientais podem comprometer a nossa existência enquanto espécie. Mais doloroso é aperceber-se que os erros feitos hoje podem, irreversivelmente, determinar a nossa capacidade de existir mais tarde e pouco esteja a ser feito para os corrigir.

É por tudo isto que os meus desejos para 2004 passam pela alteração da política ambiental do meu país. Envergonha-me a inexistência de uma estratégia ambiental séria e concertada. Embaraça-me verificar que tem de ser a União Europeia a propor (quase impor) medidas de conservação do ambiente marinho. Citando um deputado europeu, Paulo Casaca: “a decisão [da abertura consentida da ZEE de Portugal] é totalmente contrária aos princípios da precaução, ignora os princípios de direito internacional da salvaguarda das ZEE (...), tem muitos aspectos de controlo virtualmente impossível e, acima de tudo, representa uma brutal negação do princípio que esteve na base da formulação nacional da Estratégia dos Oceanos (...)”. O mesmo eurodeputado cita Martin Fragueiro (Associação de Armadores de Barcos de Pesca de Marin, Vigo) para considerar que é uma ilusão pensar que os espanhóis estivessem assim tão interessados nas nossas águas porque “não têm recursos que justifiquem a operação”. Se estavam ou não, já nem é muito importante, mas, agora, podem!

O meu desejo é que os nossos governantes entendam que é necessário conhecer para explorar sustentadamente; explorar recursos sem os conhecer é uma atitude típica dos países do terceiro mundo em que o desespero dita as regras. Pior ainda, é ter indicações que os recursos estão severamente explorados e continuar a tentar explorá-los da mesma forma. Humilhante, é ter de ser a Comissão Europeia a empurrar o governo Português para proteger os recursos do seu próprio país.

A nível global, os meus desejos passam pela ratificação do Protocolo de Kyoto. Não irá resolver todos os nossos problemas, mas uma assinatura da Rússia naquele Protocolo poderácatapultar o mundo para um patamar mais arejado. Volto a repetir, não resolve todos os problemas, mas dá-nos esperança e... estamos a precisar tanto. Penso que, associadas à ratificação do Protocolo de Kyoto, irão surgir algumas medidas locais, mas de longo alcance, incluindo o investimento sério e concertado em energias alternativas. Têm-se visto algumas medidas muito interessantes, nomeadamente em Londres onde já há autocarros experimentais movidos a água. Imagine-se isto multiplicado por todos os países do mundo comcapacidade financeira para o fazer! Mas não são apenas os países ricos que podem, com eficiência, apostar nas energias alternativas. Na Índia, mais precisamente em Nova Deli, todos os meios de transporte públicos foram recentemente convertidos de gasolina e gasóleo em gás natural. Quase todos os indicadores de poluição da Organização Mundial de Saúde (excepto o “número de partículas”) estão agora a ser respeitados nesta cidade (redução no mercúrio, benzeno e 32% no monóxido de carbono e 39% no dióxido de enxofre). Que bela forma decombater aquilo que a OMS classificou de “epidemia silenciosa”.

Apoiemo-nos nos exemplos positivos e não nos agarremos a formas populistas de fazer política. Os nossos filhos merecem um mundo muito melhor do que aquele que nos preparamos para lhes deixar.

Nota: as citações do eurodeputado Paulo Casaca foram retiradas do seu artigo “Oceanos: estratégia ou folclore?” publicado no Jornal Correio da Horta e escrito em 9/12/2003. Mais informação sobre o plano de recuperação da qualidade do ar em Nova Deli, por exemplo, em http://www.ccities.doe.gov/pdfs/03partner_awards.pdf.


Publicado na coluna "Casa-Alugada"

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004

Dissertações à Volta de um Erro Meu

No último artigo que publiquei neste jornal detectei um erro. Eventualmente teria mais, mas este foi completamente involuntário e eu sabia o que era correcto. Claro que agora é fácil afirmá-lo, principalmente depois de me terem chamado a atenção para ele, mas garanto que foi um erro involuntário.

Claro que “errar é uma demonstração de incompetência” que muito me custa admitir, no entanto a verdade, verdadinha, é que errei. Errar “também é próprio do homem” o que me leva a concluir que “o homem é incompetente”, mas isso é demasiado simplista. Seria incapaz de me esconder atrás de um sofisma tão primário...

Pensei um pouco no assunto tentando encontrar uma forma simpática de contornar o erro... Seria o erro pouco grave? Poderia mesmo ser interpretado como verdade à luz de uma outra filosofia? Não, não vislumbrei qualquer forma de corromper a verdade... Esta era apenas uma: “errei”. Poderia encará-lo como uma forma de motivar comentários acerca da minha escrita, introduzindo um factor de controvérsia? Não, isso não seria verdade. Estaria a esconder um erro com uma mentira. Seria moralmente e eticamente reprovável.

Admito que fiquei mesmo perturbado. Tinha errado, tinha publicado uma informação que não correspondia à verdade. Normalmente sou cuidadoso e, após escrever um artigo, costumo dá-lo a diversas pessoas para o reverem por forma a filtrar qualquer erro. No caso de subsistirem dúvidas sobre qualquer afirmação, pura e simplesmente, retiro-a. Neste caso, após muitas atribulações acabei por ter duas versões do artigo, uma delas possuía este desagradável, terrível, erro. Essa versão corrompida e maliciosa acabou por estar mais perto do duplo-clique do meu rato e saiu para o éter internético em direcção ao inocente jornal Tribuna das Ilhas.

Normalmente não releio o que escrevo, mas, desta vez, porque uma moinha me carcomia o cérebro, fui espreitar. Gélido, reparei no erro. Pensei primeiro, ninguém vai notar, é tão insignificante. Depois chegou o primeiro telefonema: “então Frederico, aquilo correu mal, hein?” Ainda coloquei a hipótese de se estarem a referir à derrota do Benfica, mas não... Para variar, o Benfica tinha ganho, não era isso. “Oh meu amigo, então tu não sabes que (...)”. Lá estava, já era público. Miséria! O meu erro já corria os corredores entre as portas da maledicência, dos jocos e mesmo da incredulidade (sim, havia pessoas que pensavam que eu não errava).

No meio do meu desespero, de repente, fez-se luz! Errar é natural! Para ser mais enfático, errar é determinante para o avanço de toda a vida conhecida no Universo!

Passo a explicar. Como todos os que fizeram cadeiras de biologia (mesmo no ensino secundário) sabem, os cromossomas podem apresentar anomalias, chamadas de “aberrações”. Estas podem ser: deleções, duplicações, inversões, translocações, entre outras possibilidades. Muitas espécies tiveram origem em anomalias deste tipo, ou seja, a própria evolução, tal como a conhecemos, também pode ter origem em “erros”. “Erros” esses que, por selecção natural, se revelaram mais aptos do que o material genético que lhes deu origem. É engraçado, não é?! Por exemplo, os chimpazés têm 48 cromossomas e os humanos 46. A diferença foi também causada pela fusão de dois cromossomas que deram origem ao nosso par de cromossomas 2. Não é a nossa única diferença, mas é uma delas e foi causada por um erro: “os dois cromossomas fundiram-se”. Tenho que ser justo e referir que a maioria das alterações cromossómicas provocam seres não viáveis. E se acontecerem durante a vida de um ser, podem até sobreviver como entidades diferentes mas parasitas, aquilo a que chamamos cancros... No entanto, algumas, poucas, provocam seres viáveis, embora diferentes. Se essa diferença for mais adequada ao meio que a circunda, esse erro torna-se numa vantagem e aumenta a probabilidade de esse ser ter sucesso.

Portanto o meu erro pode não ter sido causado apenas pela minha precipitação, mas por um acto premeditado da própria evolução. Atrevo-me a dizer que estes pequenos erros são imprescindíveis para a nossa felicidade colectiva. Quanto mais não seja para darmos uma boa gargalhada!

P.S. O erro? Ah pois, o erro: é que ao contrário do que tinha sido afirmado o “Um pouco mais de azul” do Hubert Reeves não é um livro de “ficção científica”, mas sim de “divulgação científica”, obviamente.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004

Divulgação Científica

Há uns dias atrás a professora Cristina Carvalhinho, da Escola Secundária Dr. Manuel Arriaga (Liceu da Horta), convidou-me para ir à sua escola falar sobre divulgação científica durante os “Encontros com a Ciência”. Porque a solicitação foi feita um pouco em cima da hora, não haveria recurso a “bengalas” (leia-se “projector de vídeo, slides, ou algo do género”) por isso fiquei um pouco “apanhado”... De facto, eu, apesar de trabalhar numa instituição universitária, não estou muito habituado a dar aulas e essa é uma das razões porque ando sempre com a maquinaria multimédia atrás; nada como uma boa apresentação com imagens e gráficos para colmatar alguma hesitação ou imperfeição na linguagem. Digamos que utilizando este método tenho conseguido transmitir algumas ideias que espero serem úteis para a boa utilização do nosso mundo e em particular dos nossos recursos. Desta vez, porém, iria ser diferente, não havia qualquer hipótese de na pequena, mas confortável, biblioteca do Liceu colocar um sistema desse género, ainda por cima não havia tempo...

Como sou um pouco caloiro, nesta coisa das conferências sem apoio multimédia, não tinha a certeza de ter transmitido bem estas ideias ou ter sido suficientemente cativante, por isso, aqui ficam novamente sintetizadas as ideias que tentei transmitir.

Esbocei duas ou três ideias numa folha A4 e lá fui. Basicamente, tentei transmitir que existem três vectores distintos de transmissão de informação científica: 1- os trabalhos científicos propriamente ditos, 2- a divulgação científica para o público não especializado e 3- a ficção científica.

Qualquer um dos vectores pode ser transmitido através de qualquer dos meios de comunicação, no entanto, tipicamente, os trabalhos puramente científicos são geralmente transmitidos através de artigos científicos (revistos pelos pares), a divulgação científica é muitas vezes feita através de programas televisivos e a ficção científica é também transmitida através de livros. Claro que este esquema não constitui uma regra, tem imensas e saudáveis excepções, e há outras formas de transmitir ciência, fazer divulgação ou meter as pessoas dentro do sonho da ficção, mas, aplicando à minha própria cultura, verifico que alguns dos melhores exemplos de cada um dos temas me foram transmitidos através dos meios que referi.

Alguns dos melhores cientistas a nível mundial são hábeis gestores da transmissão de informação através de cada uma destas vias. Talvez os melhores, mesmo os melhores, de facto, não. Não têm tempo para fazer investigação e dispersarem-se na divulgação ou perderem-se na ficção; a realidade ocupa-lhes demasiado tempo. Mas mesmo esses têm quem faça por eles. Lembro-me do cientista inglês que conseguiu em 1995 comprovar o último teorema de Fermat, Andrew Wiles. Não perdeu um segundo com a divulgação, mas um jornalista, Simon Singh, fê-lo por ele e de forma magistral, aconselho vivamente o livro “A Solução do Último Teorema de Fermat”. Este livro, acaba por nos alertar indirectamente para o problema da falta de investigação não-aplicada. Aquela investigação de base, necessária, mas sem grande aplicabilidade ou visibilidade. É preciso que mais Simon Singh tenham a capacidade de transmitir conceitos verdadeiramente esotéricos em ideias comuns para que as pessoas compreendam a importância da investigação de base.

Outros cientistas de topo são exímios divulgadores e escritores. Para mim o que melhor, e que alia as três vertentes, é o Carl Sagan. Não sou especialista em astronomia, portanto não posso avaliar, na primeira pessoa, a sua obra enquanto investigador, mas é certo que publicou nas melhores revistas, foi controverso e a sua obra é reconhecida. No entanto, posso avaliá-lo enquanto divulgador científico e aí é o melhor! A sua série “Cosmos” levou-nos a todos os recantos do universo de uma forma tão séria e holística, longe dos sofismas europeus ou das imposições norte-americanas. Sublime. A quem não viu a série aconselho com urgência a leitura do livro. É excepcional. Aliás, deixem-me reforçar, não entendo como é que podemos viver neste universo sem entender as estrelas os planetas, as dimensões galácticas, e tudo o resto. Como é que estamos tão preocupados em saber como vai a vidinha da rainha de Inglaterra e não entender, ou sequer ter a ideia, do grãozinhozinho que isso é ao lado do enorme e intemporal e fantástico universo.

Ao nível da ficção científica, Carl Sagan escreveu um livro excepcional chamado “Contacto”. Foi esse livro que enviou para o mundo de tentar saber sempre um pouco mais (ao qual convencionou chamar de “investigação científica”). Como qualquer livro de ficção científica alia alguma realidade a uma história ainda impossível. Não posso desvendar a trama, mas é tão engraçado quanto possível, no entanto, ficção.

Como dizia atrás, há outros exemplos: Hubert Reeves que ao nível da ficção científica escreveu o “um pouco mais de azul” e que também ele é imperdível. Em Portugal há diversos exemplos, mas deixem-me que destaque o homem da moda: João Magueijo. Este cientista português, defensor da velocidade de luz variável, vive em Inglaterra e publicou recentemente um livro em que tenta explicar a sua teoria numa linguagem acessível. Como ele é jovem e sem “papas na língua” utiliza um discurso muito aberto e tão irreverente que algumas partes foram censuradas na conservadora Grã-Bertanha. Ainda não li, mas, como ele certamente diria, é dos próximos na minha “wish list”!