Há uns dias atrás a professora Cristina Carvalhinho, da Escola Secundária Dr. Manuel Arriaga (Liceu da Horta), convidou-me para ir à sua escola falar sobre divulgação científica durante os “Encontros com a Ciência”. Porque a solicitação foi feita um pouco em cima da hora, não haveria recurso a “bengalas” (leia-se “projector de vídeo, slides, ou algo do género”) por isso fiquei um pouco “apanhado”... De facto, eu, apesar de trabalhar numa instituição universitária, não estou muito habituado a dar aulas e essa é uma das razões porque ando sempre com a maquinaria multimédia atrás; nada como uma boa apresentação com imagens e gráficos para colmatar alguma hesitação ou imperfeição na linguagem. Digamos que utilizando este método tenho conseguido transmitir algumas ideias que espero serem úteis para a boa utilização do nosso mundo e em particular dos nossos recursos. Desta vez, porém, iria ser diferente, não havia qualquer hipótese de na pequena, mas confortável, biblioteca do Liceu colocar um sistema desse género, ainda por cima não havia tempo...
Como sou um pouco caloiro, nesta coisa das conferências sem apoio multimédia, não tinha a certeza de ter transmitido bem estas ideias ou ter sido suficientemente cativante, por isso, aqui ficam novamente sintetizadas as ideias que tentei transmitir.
Esbocei duas ou três ideias numa folha A4 e lá fui. Basicamente, tentei transmitir que existem três vectores distintos de transmissão de informação científica: 1- os trabalhos científicos propriamente ditos, 2- a divulgação científica para o público não especializado e 3- a ficção científica.
Qualquer um dos vectores pode ser transmitido através de qualquer dos meios de comunicação, no entanto, tipicamente, os trabalhos puramente científicos são geralmente transmitidos através de artigos científicos (revistos pelos pares), a divulgação científica é muitas vezes feita através de programas televisivos e a ficção científica é também transmitida através de livros. Claro que este esquema não constitui uma regra, tem imensas e saudáveis excepções, e há outras formas de transmitir ciência, fazer divulgação ou meter as pessoas dentro do sonho da ficção, mas, aplicando à minha própria cultura, verifico que alguns dos melhores exemplos de cada um dos temas me foram transmitidos através dos meios que referi.
Alguns dos melhores cientistas a nível mundial são hábeis gestores da transmissão de informação através de cada uma destas vias. Talvez os melhores, mesmo os melhores, de facto, não. Não têm tempo para fazer investigação e dispersarem-se na divulgação ou perderem-se na ficção; a realidade ocupa-lhes demasiado tempo. Mas mesmo esses têm quem faça por eles. Lembro-me do cientista inglês que conseguiu em 1995 comprovar o último teorema de Fermat, Andrew Wiles. Não perdeu um segundo com a divulgação, mas um jornalista, Simon Singh, fê-lo por ele e de forma magistral, aconselho vivamente o livro “A Solução do Último Teorema de Fermat”. Este livro, acaba por nos alertar indirectamente para o problema da falta de investigação não-aplicada. Aquela investigação de base, necessária, mas sem grande aplicabilidade ou visibilidade. É preciso que mais Simon Singh tenham a capacidade de transmitir conceitos verdadeiramente esotéricos em ideias comuns para que as pessoas compreendam a importância da investigação de base.
Outros cientistas de topo são exímios divulgadores e escritores. Para mim o que melhor, e que alia as três vertentes, é o Carl Sagan. Não sou especialista em astronomia, portanto não posso avaliar, na primeira pessoa, a sua obra enquanto investigador, mas é certo que publicou nas melhores revistas, foi controverso e a sua obra é reconhecida. No entanto, posso avaliá-lo enquanto divulgador científico e aí é o melhor! A sua série “Cosmos” levou-nos a todos os recantos do universo de uma forma tão séria e holística, longe dos sofismas europeus ou das imposições norte-americanas. Sublime. A quem não viu a série aconselho com urgência a leitura do livro. É excepcional. Aliás, deixem-me reforçar, não entendo como é que podemos viver neste universo sem entender as estrelas os planetas, as dimensões galácticas, e tudo o resto. Como é que estamos tão preocupados em saber como vai a vidinha da rainha de Inglaterra e não entender, ou sequer ter a ideia, do grãozinhozinho que isso é ao lado do enorme e intemporal e fantástico universo.
Ao nível da ficção científica, Carl Sagan escreveu um livro excepcional chamado “Contacto”. Foi esse livro que enviou para o mundo de tentar saber sempre um pouco mais (ao qual convencionou chamar de “investigação científica”). Como qualquer livro de ficção científica alia alguma realidade a uma história ainda impossível. Não posso desvendar a trama, mas é tão engraçado quanto possível, no entanto, ficção.
Como dizia atrás, há outros exemplos: Hubert Reeves que ao nível da ficção científica escreveu o “um pouco mais de azul” e que também ele é imperdível. Em Portugal há diversos exemplos, mas deixem-me que destaque o homem da moda: João Magueijo. Este cientista português, defensor da velocidade de luz variável, vive em Inglaterra e publicou recentemente um livro em que tenta explicar a sua teoria numa linguagem acessível. Como ele é jovem e sem “papas na língua” utiliza um discurso muito aberto e tão irreverente que algumas partes foram censuradas na conservadora Grã-Bertanha. Ainda não li, mas, como ele certamente diria, é dos próximos na minha “wish list”!
Artigo corrigido em: http://cardigoso.blogspot.com/2004/02/dissertacoes-volta-de-um-erro-meu.html
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