segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004

Dissertações à Volta de um Erro Meu

No último artigo que publiquei neste jornal detectei um erro. Eventualmente teria mais, mas este foi completamente involuntário e eu sabia o que era correcto. Claro que agora é fácil afirmá-lo, principalmente depois de me terem chamado a atenção para ele, mas garanto que foi um erro involuntário.

Claro que “errar é uma demonstração de incompetência” que muito me custa admitir, no entanto a verdade, verdadinha, é que errei. Errar “também é próprio do homem” o que me leva a concluir que “o homem é incompetente”, mas isso é demasiado simplista. Seria incapaz de me esconder atrás de um sofisma tão primário...

Pensei um pouco no assunto tentando encontrar uma forma simpática de contornar o erro... Seria o erro pouco grave? Poderia mesmo ser interpretado como verdade à luz de uma outra filosofia? Não, não vislumbrei qualquer forma de corromper a verdade... Esta era apenas uma: “errei”. Poderia encará-lo como uma forma de motivar comentários acerca da minha escrita, introduzindo um factor de controvérsia? Não, isso não seria verdade. Estaria a esconder um erro com uma mentira. Seria moralmente e eticamente reprovável.

Admito que fiquei mesmo perturbado. Tinha errado, tinha publicado uma informação que não correspondia à verdade. Normalmente sou cuidadoso e, após escrever um artigo, costumo dá-lo a diversas pessoas para o reverem por forma a filtrar qualquer erro. No caso de subsistirem dúvidas sobre qualquer afirmação, pura e simplesmente, retiro-a. Neste caso, após muitas atribulações acabei por ter duas versões do artigo, uma delas possuía este desagradável, terrível, erro. Essa versão corrompida e maliciosa acabou por estar mais perto do duplo-clique do meu rato e saiu para o éter internético em direcção ao inocente jornal Tribuna das Ilhas.

Normalmente não releio o que escrevo, mas, desta vez, porque uma moinha me carcomia o cérebro, fui espreitar. Gélido, reparei no erro. Pensei primeiro, ninguém vai notar, é tão insignificante. Depois chegou o primeiro telefonema: “então Frederico, aquilo correu mal, hein?” Ainda coloquei a hipótese de se estarem a referir à derrota do Benfica, mas não... Para variar, o Benfica tinha ganho, não era isso. “Oh meu amigo, então tu não sabes que (...)”. Lá estava, já era público. Miséria! O meu erro já corria os corredores entre as portas da maledicência, dos jocos e mesmo da incredulidade (sim, havia pessoas que pensavam que eu não errava).

No meio do meu desespero, de repente, fez-se luz! Errar é natural! Para ser mais enfático, errar é determinante para o avanço de toda a vida conhecida no Universo!

Passo a explicar. Como todos os que fizeram cadeiras de biologia (mesmo no ensino secundário) sabem, os cromossomas podem apresentar anomalias, chamadas de “aberrações”. Estas podem ser: deleções, duplicações, inversões, translocações, entre outras possibilidades. Muitas espécies tiveram origem em anomalias deste tipo, ou seja, a própria evolução, tal como a conhecemos, também pode ter origem em “erros”. “Erros” esses que, por selecção natural, se revelaram mais aptos do que o material genético que lhes deu origem. É engraçado, não é?! Por exemplo, os chimpazés têm 48 cromossomas e os humanos 46. A diferença foi também causada pela fusão de dois cromossomas que deram origem ao nosso par de cromossomas 2. Não é a nossa única diferença, mas é uma delas e foi causada por um erro: “os dois cromossomas fundiram-se”. Tenho que ser justo e referir que a maioria das alterações cromossómicas provocam seres não viáveis. E se acontecerem durante a vida de um ser, podem até sobreviver como entidades diferentes mas parasitas, aquilo a que chamamos cancros... No entanto, algumas, poucas, provocam seres viáveis, embora diferentes. Se essa diferença for mais adequada ao meio que a circunda, esse erro torna-se numa vantagem e aumenta a probabilidade de esse ser ter sucesso.

Portanto o meu erro pode não ter sido causado apenas pela minha precipitação, mas por um acto premeditado da própria evolução. Atrevo-me a dizer que estes pequenos erros são imprescindíveis para a nossa felicidade colectiva. Quanto mais não seja para darmos uma boa gargalhada!

P.S. O erro? Ah pois, o erro: é que ao contrário do que tinha sido afirmado o “Um pouco mais de azul” do Hubert Reeves não é um livro de “ficção científica”, mas sim de “divulgação científica”, obviamente.

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