Comecemos por esclarecer. Hoje em dia quando se fala em conservação da natureza há diversos factores considerados determinantes: 1) conhecimento do tema/área, 2) integração dos interessados no planeamento da conservação e 3) aproximação da gestão às populações locais. Evidentemente, enquanto profissional de biologia, interessa-me sobretudo conhecer, mas, enquanto ser humano, penso que é determinante garantir os dois outros factores para uma efectiva preservação ambiental.
A questão é que as populações locais, muito mais que as restantes, estão interessadas em preservar o seu espólio e o seu legado. Isso não significa que os outros estejam inibidos de utilizar as áreas em causa, mas a primazia da gestão é dos locais. Há quem considere que esta é uma aproximação xenófoba, ou algo do género, mas não. É puro pragmatismo.
No caso de se pretender uma exploração mineralógica a aproximação será um pouco diferente. O bem em causa não terá renovação e, por isso, não é tão determinante que a gestão seja realizada localmente. Mesmo assim, para que se garantisse a utilização de métodos “amigos do ambiente” na exploração e a reposição do local após a sua mineração seria importante que as populações locais tivessem uma palavra a dizer.
Infelizmente em Portugal e na União Europeia a aproximação à gestão dos bens renováveis não tem sido essa. Aparentemente, há um conjunto de experts que toma as decisões (consultando ou não as populações locais) e são emanados regulamentos. Curiosamente, estes regulamentos estão tão longe dos decisores locais que a sua aplicabilidade e interesse é muito baixo. E é pena.
Por vezes, a aproximação ao poder local é, erradamente, efectuada através das Câmaras Municipais. Apesar de terem interesse no bem dos seus eleitores, normalmente (diz-nos a prática), as Edilidades estão mais preocupadas com os resultados a curto prazo (até às próximas eleições) e pouco interessadas na valorização ambiental. É por essa razão que vejo com enorme preocupação a entrega da Reserva Ecológica Nacional às autarquias locais. Qual será a resposta de um presidente de câmara se tiver de decidir entre uma fábrica ou hotel ou um Parque Natural? As Câmaras devem ser parceiros neste tipo de decisões, até talvez o parceiro mais importante, mas apenas isso, um parceiro entre todos os utilizadores e interessados na conservação ambiental.
Outro “tiro no pé” à portuguesa resulta do investimento sistemático do Ministério do Ambiente na substituição dos Vigilantes da Natureza por militares da Guarda Nacional Republicana na sensibilização ambiental e fiscalização das Áreas Natura 2000. É de um completo desajuste investir numa força ambiental que não está sob a jurisdição do Ministério do Ambiente, principalmente quando em detrimento de uma força do próprio Ministério. Suspeito que este passo seja mais uma tentativa de esvaziar o Instituto para a Conservação da Natureza (de que dependem os Vigilantes da Natureza).
Em Portugal, no início do mandato do anterior Governo anunciou-se com alguma pompa a criação da Comissão dos Oceanos. Este grupo de personalidades com conhecimentos sobre a gestão dos Oceanos iria desenvolver um documento estratégico para servir de inspiração no retorno de Portugal ao mar. O que aconteceu a esse documento? Tenho enorme curiosidade em saber qual o seu conteúdo...
Inacreditavelmente os Assuntos do Mar passaram a ser subsidiários do Ministério da Defesa. Qual será a ideia? Mais submarinos? Já não basta que num país sem dinheiro para a fiscalização e a monitorização básica dos seus mares se faça o investimento inacreditável em submarinos de grande porte, mas ainda se compensa o sector militar com a gestão dos mares. Relembro que, pelo menos nos Açores, não há dinheiro para pagar a gasolina das lanchas de fiscalização da própria Armada! É esta a gestão que se pretende estimular?
Neste momento há pelo menos 37 países em fase de solicitar o alargamento da Zona Económica Exclusiva acima das 200 milhas. Em Portugal, o programa do Governo inclui a frase lacónica “apoiar a constituição do dossier português para a extensão da plataforma continental”. Que falta de ambição!
Por outro lado, a União Europeia confirmou a abertura das águas externas dos Açores às frotas internacionais. A Comissão Europeia inibiu a utilização de redes de arrasto no último momento, mas mananciais já severamente explorados como os de tubarões, atuns e espadartes poderão ser delapidados também nas águas dos Açores. Tudo isto apesar dos inúmeros avisos do Governo Regional, do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores e de organizações não-governamentais internacionais (WWF, Greenpeace e Seas at Risk). Ainda por cima a CE é conhecida por ser muito má gestora dos Oceanos, preferindo compactuar com os governos (muitas vezes populistas) e com a indústria, interesses de curto prazo que já conduziram diversas pescarias à desintegração económica. Agora chegámos aos Açores.
Vejo o futuro com preocupação, adivinhando mares estéreis e poluídos. Haverá alternativas? Penso que sim e por vezes estas alternativas chegam de onde menos se espera. Chama-me um colega à atenção para a subida do preço do petróleo que poderá viabilizar economicamente as energias alternativas. Que ironia. Um harakiri dos produtores de petróleo! Finalmente poderemos ter energias alternativas funcionais e tudo por causa da ambição ou desorganização dos países produtores. Magnificamente maquiavélico!
Publicado na coluna "Casa-Alugada" da Revista Mundo Submerso