Qualquer mergulhador que utilize um instrumento de auxílio à respiração subaquática está sujeito a um conjunto de problemas de saúde. Estes problemas são estudados por um ramo particular da medicina, a medicina hiperbárica. Genericamente, o que acontece é que os seres humanos, ao respirarem um gás a uma pressão elevada, não reagem da mesma forma que à pressão normal (cerca de 1 atmosfera). Por exemplo, a partir de certa pressão, por causa da toxicidade do Azoto (um dos gases quem compõe o ar) passa-se mesmo a sofrer de uma doença chamada narcose. Deixa-se de raciocinar de forma adequada, parecendo as reacções do mergulhador semelhantes a um indivíduo ébrio. Felizmente, o regresso a uma profundidade adequada liberta novamente o mergulhador desta “bebedeira das profundidades”. Caso insista em submergir, o mergulhador poderá chegar a um ponto em que a pressão parcial do Oxigénio (outro dos gases que compõe o ar) seja tão elevada que se torna tóxica. A esta pressão/profundidade pode-se entrar em convulsões e, no caso limite, morrer. Outro dos gases que compõe o ar e que nos pode trazer problemas, quando submergidos, é o dióxido de Carbono. Quando estamos a mergulhar e nos cansamos muito, involuntariamente, aumentamos o ritmo respiratório causando uma certa ineficiência na respiração. Nesse caso, a concentração de dióxido de Carbono aumenta e o mergulhador ganha uma certa sensação de claustrofobia que, nos casos mais graves, resulta em pânico. Refiro estas três patologias para enfatizar que os três gases que maior importância têm na nossa respiração, debaixo de água, são uma “carga de trabalhos”.
No entanto, a patologia que mais aterroriza os mergulhadores é o acidente de descompressão. Esta patalogia ocorre quando, depois dos gases se misturarem com o sangue a uma determinada pressão, há uma diminuição súbita de pressão no ambiente, ou, por outras palavras, é igual a uma subida rápida. Isto resulta num aumento repentino do volume de Azoto que, formando pequenas bolhas gasosas, pode bloquear os vasos sanguíneos. É o equivalente a uma trombose. Ao contrário da trombose, no entanto, caso sejam imediatamente tratados, os casos ligeiros de acidente de descompressão têm cura. É especialmente para esses casos que é indispensável a existência de uma câmara hiperbárica. No interior desta câmara, semelhante a um cilindro de grandes dimensões, os mergulhadores estão sujeitos a um “mergulho” controlado por forma a que, por aumento da pressão, se reduzam o tamanho das bolhas de Azoto e se desbloqueiem os vasos sanguíneos. Parece simples mas, na realidade, é um pouco complicado. Entre outros factores, há sequências de mergulho (tempo vs. profundidade vs. misturas gasosas) determinadas clinicamente, de acordo com a gravidade e tipo de acidente.
O único instrumento essencial para isto funcionar é a dita câmara. Este instrumento tem associada uma equipa de pessoas constituída, pelo menos, por um médico e um conjunto de operadores. O médico deverá ser especialista em medicina hiperbárica, liderar o grupo de operadores, treinando-os e, em caso de acidente, indicar com detalhe a sequência de operações que cada um deverá executar. Este médico deverá estar ainda encarregue de fazer a supervisão técnica da câmara, zelando pela sua conservação e precavendo as suas manutenções periódicas.
O que acontece com a câmara de descompressão da Horta (propriedade do Clube Naval e instalada sob protocolo no Hospital) é que, apesar de todos os alertas, a manutenção periódica não foi realizada. Em termos legais a câmara não pode operar (Decreto-Lei 97/2000) e em termos morais a sua operação poderá ser delicada. Ou seja, os operadores e doentes que entram na câmara sujeitam-se a um risco acrescido. Eu sou um dos operadores da câmara hiperbárica e um potencial doente, dado que mergulho quotidianamente. O risco no seu funcionamento é confirmado pelo médico que nos treinou, enquanto operadores, e que sempre liderou a operação da câmara hiperbárica, Dr. Luís Quintino. Este médico, especialista em medicina hiperbárica, considera que a câmara tem mesmo de ser revista e não está em condições de trabalhar. Penso compreender, em parte, a posição da Administração Hospitalar (por quem tenho estima) ao querer orientar as escassas verbas dos Serviços de Saúde para outras áreas que considera prioritárias. Mas, quando houver um acidente de descompressão, e eles irão inevitavelmente e infelizmente acontecer, quem me irá pedir para entrar dentro da câmara? Ou sequer operá-la? Caso haja uma ruptura, com descompressão imediata da câmara, todos os que estiverem no seu interior poderão ficar com embolias. Caso haja um incêndio, a câmara pode explodir com consequências graves até para o edifício do hospital. Tendo tudo isto em atenção, quem irá pedir aos operadores voluntários para operar uma câmara hiperbárica sem a revisão efectuada? Quem terá coragem de o pedir aos meus colegas? Eu não. Quando houver o próximo acidente teremos de decidir entre arriscar a nossa vida acima do admissível ou salvar um outro ser humano. Não me parece justo.
Por outro lado, caso a câmara encerre em definitivo, quem irá socorrer um turista que venha aos Açores e tenha um azar de mergulho? Quem dará apoio aos mergulhadores lúdicos, aos técnicos do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores e outros profissionais caso haja um acidente? Compreendo que as verbas anunciadas para realizar a revisão sejam elevadas, e até penso que não deverá ser o Hospital directamente a suportá-las, mas considero que se devem arranjar soluções urgentes para este delicado problema. A utilização desta câmara já recuperou duas dezenas de mergulhadores. Muitos deles, caso não houvesse câmara, teriam sequelas para toda a vida.
Para além destes casos, resultantes de acidentes de mergulho, há uma série de patologias (p. ex. complicações acessórias aos diabetes, intoxicações por monóxido de Carbono, infecções por micróbios anaeróbios, etc.) que poderiam beneficiar com a utilização terapêutica da câmara. Não sou médico por isso não me irei alargar neste tema, no entanto, estou certo que a Ilha do Faial e o Arquipélago dos Açores ficarão mais pobres caso percam esta valência.
Gostei muito do seu artigo. prof, Jorge Henrique. jorgelacerda@yahoo.com.br
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