Quem me está a ler é um turista. Se não for turista, por favor, imagine-se um turista. Acabou de chegar à Horta para participar na Semana do Mar e no aeroporto, simpaticamente, colocaram-lhe este jornal nas mãos. Depois de ler o interessante artigo publicado na página 7, e que, se não leu, deveria ler, cruzou os olhos com estas dicas ambientais.
Ao ler as primeiras linhas começou de imediato a desconfiar, e com razão. “Com que então tenho de me imaginar um turista…? Mas eu não sou um turista!” Vá lá… Ajude um pobre cronista em busca de público… Se não for um turista, imite um. Olhe com olhos esbugalhados para todo o lado, faça perguntas, fale alto… Falar alto, não! Aqui vai o primeiro conselho ambiental. “Não fale alto.” Imagine que diz um grande disparate. Se o disser alto toda a gente o vai ouvir e uns poderão pensar que é mesmo verdade, portanto serão enganados, e outros pensarão que é tolo, o que também não é nada bom. Claro que neste momento está a pensar “olha para este, eu nunca digo disparates”. Pois é, mas, nesse caso, também não é bom falar alto. Imagine que com grande potência vocal desvenda a resolução simplificada do teorema de Fermat? Ou revela, num momento de grande visão, os números do euromilhões da próxima semana? Já viu a fama ou o dinheiro que pode perder? Pelo sim, pelo não, fale baixo. Já agora, no seu magnífico carro alugado, não apite, nem acelere desnecessariamente. Apitar pode assustar uma vaca, sim, há muitas nestas ilhas, e ela poderá sair da cerca e fazer aquela coisa que as vacas fazem em plena via pública. E aqui tem a segunda dica ambiental: “Não assuste as vacas”. É que se andar por aí a assustar as vacas, os agricultores irão ficar furiosos por terem de perseguir as vacas pelas ruas da Horta. Eu já vi isso acontecer, e não é nada agradável. Causa muito mau ambiente.
Portanto, o senhor é um turista acabadinho de chegar à Ilha do Faial… Huummm, estou a ver… Está, certamente, a fazer aqueles comentários deslocados que começam por “Lá em Portugal também temos recolha selectiva de resíduos…” Claro! Tinha de ser! Mais um cubano que se esqueceu que está em Portugal! O nosso país é realmente minúsculo, mas, lá porque viajou de avião, porque o tempo aqui é muito mais dinâmico, por não haver poluição, por as pessoas serem infinitamente simpáticas, por haver um sotaque cantado que dá à nossa língua uma poesia invejável, por o mar ser realmente azul, por termos as melhores infra-estruturas de interpretação ambiental, por não haver pobreza explícita, por possuirmos mais de duas dezenas de espécies de cetáceos, por a visibilidade marinha ser, em média, 4 vezes superior à do Continente e por haver lindas hortênsias, não significa que tenha saído do país.
Aliás, antes de se meter a gabar as hortênsias, tenho que avisar desde já que um verdadeiro ambientalista açoriano não gosta de hortênsias. Essas flores do demónio invadiram as ilhas e, agora, ganharam uma variedade que, para além de ser mais feia, consegue reproduzir-se sem limites. Conselho ambiental: “as hortênsias não são nossas amigas”. Ao contrário, as plantas endémicas, como a urze, a azorina, o morcego-dos-Açores, entre muitos outros, esses sim, são os verdadeiros açorianos. Como provavelmente não saberá que plantas são essas, “não existem lá em Portugal…”, aconselho-o a comprar um guia de identificação. Isso até para não chamar de planta a um morcego…
Senhor turista, com todo o respeito, este arquipélago, que agora visita, tem mais Reservas da Biosfera que o resto do país, tem mais áreas Ramsar, tem as únicas Zonas Especiais de Conservação da Europa (Rede Natura 2000) e fomos considerados o segundo arquipélago do mundo em termos de turismo sustentável. Isso apenas é possível porque tentamos conter a flora invasora e protegemos a biodiversidade local, fazemos um esforço herculeano para processar correctamente os resíduos, estamos a implementar uma implacável política de preservação dos recursos dulcícolas, não pescamos demais... E aqui nasce outra dica ambiental: “no restaurante, antes de pedir o peixe, peça a lista de espécies em perigo e opte pelas que não estão”. No caso de comer carne, mais um conselho, “peça carne certificada”.
Prontos, está a ver, não custou assim tanto ser turista durante estas linhas. Para mim também foi óptimo porque ganhei um leitor durante alguns minutos. Sabe, é que neste jornal eles pagam ao leitor... Por cada milhão de leitores dão-nos uma cerveja no Peter! Outra dica: “Se usar um copo de vidro, não se esqueça de devolver, se for de plástico coloque no contentor amarelo.”.
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