Estava de férias na Ilha do Corvo (Açores) quando me deparei com os factos que relato a seguir. Estranhamente, os dois polícias marítimos saíram simultaneamente da Ilha, após um prolongado período de serviço. Não se entende muito bem porque é que ambos foram desmobilizados ao mesmo tempo, mas não é sobre isso que quero escrever. No dia seguinte, alguém me disse: “a polícia marítima saiu, agora a frota branca até se aproxima durante o dia!” Não entendi a frase à primeira, mas, depois de olhar para o horizonte compreendi. Uma embarcação de recreio branca seguia das Flores para o Norte do Corvo por Oeste e outra por Este. Aproveitam normalmente o anoitecer para fazer a aproximação e assim garantir que poderão apanhar todo o pescado que quiserem sem serem incomodados. Por um lado, as autoridades não sabem que eles lá estão e, por outro, também não podem patrulhar aquelas águas porque não há equipamentos para tal… A corveta é grande demais e os inadequados semi-rígidos da Marinha de Guerra Portuguesa não têm equipamento para navegar na noite escura do Grupo Ocidental dos Açores. Qual é o resultado? Nas diversas imersões que realizei nestas duas ilhas contei zero cavacos e zero pelágicos e meros de grandes dimensões (excepção feita para a reserva voluntária da Ilha do Corvo). Mergulho nesta ilha desde os anos 80 e nunca vi um cenário tão triste. E é pena porque, na Ilha do Corvo, as comunidades normalmente tidas por “complicadas”, como os pescadores e caçadores submarinos, são cooperantes, interessadas e voluntariosas, mas, ao verem estes tristes espectáculos, apenas dizem “proteger para nós começa a ser igual a perder. Nós não pescamos e a única consequência é virem pescar por nós”. Gostava de os contrariar, mas a verdade é que eu vi. Ou melhor, não vi um único cavaco no mar. Perguntei na Lotaçor do Corvo e a resposta foi clara: “não há registos de cavacos vendidos nos últimos anos”. Sabem onde é que eles estão? Nos restaurantes das outras Ilhas. A nova frota branca, à qual se juntam também alguns profissionais, vende directamente aos restaurantes colocando-se numa posição de competição ilegal com os profissionais cumpridores, delapidando os recursos que são de todos e, ainda por cima, não pagando os impostos devidos. Magnífico negócio…
Fico sinceramente irritado quando me deparo com a irresponsabilidade ecológica à qual, neste caso, acresce ainda a irresponsabilidade económica. Toda a gente sabe que há escolas neste nosso país que, nas “barbas” da burocracia do IPTM, vendem os cursos de marinharia desportiva por preços módicos e com sucesso garantido. Toda a gente sabe que há uma proliferação de embarcações de recreio sem outro propósito que não seja a captura de pescado para venda. Toda a gente sabe que os restaurantes são abastecidos por pescado ilegal. Restam as perguntas: Onde anda a Inspecção Económica? A Inspecção das Pescas? A Polícia Marítima? São urgentes acções consequentes! Há trabalho feito (ver: http://www.igp.pt/), mas é preciso mais.
À irresponsabilidade da pesca ilegal acresce, por vezes, a falta de segurança desta frota mal controlada. Ao risco da sua própria segurança acresce a daqueles quem têm de os ir salvar.
Ao contrário da antiga Frota Branca, composta por belas, alvas e imponentes embarcações, cheias de gente corajosa que pescava o bacalhau na Terra Nova, esta nova frota branca não merece os nossos mares. Algo de muito estranho se passa na Marinha de Recreio em Portugal!
Felizmente, nem tudo é mau. Também há boas notícias. Ao contrário do que se chegou a suspeitar, a remoção do navio "CP Valour" foi levada a sério e já se encontra em fase adiantada de desmantelamento. Este navio de 177 metros, encalhou misteriosamente (continua a não existir um relatório público) a norte da Ilha do Faial em Dezembro de 2005. O impacto ambiental, apesar de existente, foi reduzido e, aparentemente, os prognósticos mais optimistas irão ser cumpridos, sendo o navio removido até ao final do Verão de 2006.
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