Nos últimos tempos, tem estado em cima da mesa a discussão institucional da Directiva Comunitária o Meio Marinho. Esta Directiva determinará que os Estados são responsáveis pela manutenção do bom estado ecológico dos seus mares e quais as acções genéricas que se devem tomar em caso de este não ser atingido. Por princípio poderá parecer uma óptima notícia para a protecção dos mares e, se tivermos em atenção outras iniciativas europeias do passado, como as Directivas Aves e Habitats, podemos esperar o melhor.
Por razões relacionadas com as minhas actuais tarefas, tenho acompanhado o desenvolvimento desta Directiva. Isto tem-me permitido verificar como estes processos se desenvolvem ao nível da Comissão e começar a pensar que, realmente, esta Directiva pode não ter consequências tão boas como as outras que referi anteriormente. É que, de há uns tempos a esta parte, a consideração pelas regiões ultra-periféricas tem decaído para uma segunda linha. Por exemplo: quando a Comissão resolveu abrir as águas exteriores dos Açores à pesca industrial europeia esqueceu-se de proibir a utilização de redes de arrasto e de cerco. Não fosse a incansável luta dos nossos (leia-se “açorianos”) deputados europeus, pescadores locais, governo regional e universidade e hoje, possivelmente, já não haveria corais de profundidade nas nossas águas. A mesma Comissão, com a ajuda do governo português, esqueceu-se de colocar um limite ao número de embarcações que podem pescar nas águas exteriores dos Açores. Ou seja, neste momento, o número de embarcações que podem estar a pescar num determinado momento nas nossas águas exteriores (entre as 100 e as 200 milhas) pode ser superior a 1000000. Claro que este número nunca será atingido e utilizei-o para enfatizar que não há um limite estabelecido! Quais as consequências para as populações de espadarte, a pesca de excelência nesta área? Quais as consequências para as tintureiras, a quem muitas vezes cortam as barbatanas e voltam a libertá-las ainda vivas!! para que não ocupem espaço nos porões? Quais as consequências para as “protegidas” tartarugas, que são apanhadas nos anzóis e depois de libertadas ficam, comprovadamente, desnorteadas tal o nível de ferimentos? Pois, a Comissão não sabe, e nós também não sabemos, mas ambos desconfiamos. A postura é que é diferente. Nós temos gritado para que a irresponsabilidade pare, mas a Comissão tem fechado os olhos esquecendo os seus propósitos alegadamente precaucionários. Estou a ser um pouco injusto, dado que muito temos beneficiado com a Comissão e em diferentes áreas, mas, neste caso, as coisas não têm sido tão simples.
Vem tudo isto a propósito da tal Directiva que agora está em discussão. Os Açores têm reiterado que há três pontos que devem ser modificados: 1- O que é o “Bom Estado Ecológico” tem que estar definido na Directiva. Até agora os textos têm referido que este estado deverá ser definido pelos países. Ora, conhecendo a atitude típica dos governos dos países, provavelmente, irão definir parâmetros pouco coerentes e minimalistas para garantir que nunca serão atingidos negativamente. É esta a postura que tem sido seguida com as pescas, em que as quotas e os tamanhos mínimos raramente são compatíveis com a situação ecológica das populações piscícolas. Veja-se o caso do bacalhau no Mar do Norte. Curiosamente, também neste caso a excepção é açoriana, em que as quotas de goraz são, aparentemente, minimalistas em relação ao manancial existente.
2- Outro dos pontos em que os Açores têm sido particularmente enfáticos está relacionado com a definição de Região. Para a Comissão Europeia há apenas três Regiões e resultam de três Convenções Europeias: o Mar do Norte (Convenção HelCom), o Mar Mediterrâneo (Convenção de Barcelona) e o NE Atlântico (Convenção OSPAR). Os Açores, Madeira e Canárias têm-se batido para que seja criada a Região Macaronésica. Pensamos que apenas com esta Região se poderá garantir uma boa gestão, consolidada na homogeneidade ecológica, económica e social desta enorme área. Esta questão já tinha sido abordada em iniciativas anteriores e o resultado foi sempre de enfatizar a coerência dos arquipélagos exteriores como foi o caso da Directiva Habitats, a criação das Regiões Ultra-Periféricas e o Programa Interreg. Porque é que agora se tenta esquecer este facto, tentando esconder a Madeira e as Canárias numa Convenção a que nem sequer pertencem?
3- Outro dos pontos que tem suscitado algum desentendimento é o financiamento. A Região tem chamado a atenção para a necessidade de estabelecer quem é que irá pagar as despesas inerentes à aplicação da Directiva. A própria Directiva refere que não há a criação de instrumentos financeiros para a sua aplicação, mas, em documentos de trabalho, estima que a sua aplicação à nossa Região poderá onerar-nos em várias dezenas de milhões de euros. Sendo esta uma região ultra-periférica, em que todos os tostões contam, como poderemos nós honrar os compromissos impostos?
Posto tudo isto, olho com alguma desconfiança para esta Directiva e pergunto-me se será este o caminho mais adequado. Já se comprovou que as regiões são melhor geridas localmente, desde que enquadradas por normas gerais, como foi o caso da Directiva Habitats. Porque se insiste agora em introduzir precipitadamente uma Directiva do Meio Marinho cujo principal objectivo, o Bom Estado Ecológico, nem sequer é definido? Nem parece da União Europeia.
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