terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Extracção de areias nos Açores

Santa Cruz das Flores, Açores.

Ao rever os artigos que já publiquei, constatei que nunca toquei num assunto que já me fez sofrer um bom bocado: a extracção de areias. No final dos anos 90, surgiu o desafio para que o DOP fizesse a avaliação das areias existentes em volta das ilhas dos Açores. À primeira vista parecia um desafio inovador, porque nunca tinha sido feito nos Açores, e era necessário organizar muito trabalho de mar. Tinha o meu nome!
Já não me recordo se me ofereci ou se fui voluntariado… O que é certo é que, em conjunto com uma belíssima equipa, lá me meti a organizar as expedições. Diga-se neste ponto, em abono da verdade, que quando comecei não entendia nada, mesmo absolutamente nada do assunto. Pior do que isso, como tinha tido uma cadeira de geologia e outra de sedimentologia na universidade, pensava que sabia… Erro…
Porque a modéstia fica bem, falei com alguns colegas mais sabedores do que eu e, em conjunto com o Fernando Tempera, lá fomos alicerçando o conhecimento e o engenho necessário para debelarmos o desafio. Nas primeiras conversas, com colegas do Departamento de Geociências, ficamos a saber que, de facto, nos Açores a areia é um bem escasso e valioso. Pelo facto de não haver areia biogénica (formada pela degradação das conchas) a areia dos Açores resulta apenas do que é emitido pelos vulcões e do que é gerado pela degradação das rochas seja no leito das ribeiras ou nos chamados “rolos” junto ao mar. Daí a sua cor escura, ao contrário da coloração mais esbranquiçada das areias continentais. Em termos estatísticos, cerca de 90% da areia dos Açores é oriunda directamente dos eventos vulcânicos, 9% das escorrências das ribeiras e 1% da abrasão costeira. Portanto, o grande fornecedor de areia do nosso arquipélago tem estado improdutivo e ainda bem. A escassez de areia, essencial para a construção civil, pode, em última análise colapsar a edificação e, consequentemente, grande parte dos investimentos estruturais e, pelo menos, os empregos directos que a actividade gera.
Por tudo isto, ficou claro que tínhamos de ir procurar onde estavam localizados os depósitos de areias no mar dos Açores, tentar contabiliza-los e definir os locais que não deveriam ser explorados por questões relacionados com a sensibilidade ambiental. Aprendemos com os colegas do então Instituto Geológico e Mineiro que o princípio para procurar areias é extraordinariamente simples. Com aparelhos sofisticados provoca-se um grande barulho à superfície do mar, um autentico pequeno sismo, analisam-se os ecos, e, a partir daí, conseguem-se identificar as lagoas de areia que existem sobre o fundo rochoso do mar.
Infelizmente, para poderem circular perto de terra, os navios utilizados têm de ter pouco calado e a possibilidade de manobrar em pouco espaço. Em súmula, têm de ser pequenos navios… honestamente, lanchas. A embarcação escolhida foi então o “Águas Vivas” ou outros equivalentes. Também infelizmente, os circuitos eléctricos emissores de som, o tal grande barulho, têm de ser independentes dos que fazem a análise do seu eco. Ou seja, para cada sistema é imprescindível ter um gerador diferente. Somando tudo, para além dos dois motores da lancha, havia a bordo três geradores, sendo um deles dedicado a provocar um “grande barulho”. Tudo isto em onze metros de barco. Tenho-vos a dizer que este não foi o pior trabalho que jamais fiz, mas andou muito perto… Para poder aguentar todo aquele barulho, colocávamos protectores auditivos e, dentro destes, auscultadores de leitores de música com o volume no máximo, ou perto disso. Foi, realmente, um trabalho muito difícil e, à conta disso, ainda hoje odeio barulho. Felizmente, não ficámos surdos, mas pouco deve ter faltado.
Depois de termos andado a transportar esta maquinaria em volta da maioria das ilhas dos Açores, desenhamos os mapas que hoje servem para definir as áreas e os volumes de areias exploráveis no arquipélago dos Açores.
Certo dia, nas Flores, depois de trabalhar durante duas semanas a fio, já meios surdos, decidimos que iríamos descansar no Domingo. Era justo e, também, se não o fizéssemos, provavelmente, fugiríamos dali. Já ninguém aguentava mais um minuto de geradores… Mal sabíamos nós que havia uma disposição nas posturas municipais de Santa Cruz das Flores que, apenas aos Domingos, permitia, que em plena Vila, se matassem porcos de forma tradicional. Ao sofrimento do animal, expresso nos guinchos agudos e penetrantes, acrescia o nosso desespero. Foi o ponto mais baixo de um dos mais difíceis trabalhos que tive na vida. Felizmente, terminou!
À parte da violência da tarefa e do contexto que envolveu alguns dos seus momentos, este foi mais um contributo que os investigadores, técnicos e marinheiros do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores deram para o desenvolvimento sustentável da nossa Região. Ter participado nisso, deixa-me verdadeiramente orgulhoso.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Abram alas para o Natal

Foto: F Cardigos.

Lembro-me de uma antiga crónica de Vasco Pulido Valente, no jornal Público, em que dividia o mundo da educação das crianças entre o que é verdade e o resto. Defendia este brilhante cronista que, por exemplo, as histórias que relatavam amizades impossíveis entre animais deveriam ser banidas. Por exemplo, acrescento eu, amizades entre gatos e ratos ou tigres da Malásia e ursos, os primeiros por impossibilidade ecológica e os segundos também por impossibilidade geográfica, são deseducativos e causam embaraços na própria “consciência de si” das crianças. Ou seja, se os animaizinhos são tão “queridos”, “até falam”, “porque é que eu tenho de os comer?”, principalmente implicando isso a sua morte?! Isto para já não falar na farsa do século: o Pai Natal…
Devemos motivar a imaginação das crianças com mentiras e impossibilidades ou fortalecer a sua identidade com a dura verdade. Não tenho resposta, apenas opinião. A minha opinião é… tem dias e tem limites. Estranha resposta?! Talvez não. A minha experiência enquanto pai é de que as crianças sabem bem distinguir entre o que é pragmático e os amigos imaginários ou do mundo da imaginação dos adultos. O gato lá de casa e o gato das botas são entidades diferentes cuja única semelhança é miarem da mesma forma, excepto quando o das botas faz as suas longas serenatas… O pato, amigo do Pocoyo, e o pato que aparece no arroz também são entidades diferentes, sendo que o do arroz é muito mais saboroso, mas sem tanta piada.
Então, e qual é o limite? O limite, na minha mui modesta opinião, é quando os animais imaginários passam a ter características reais. Os filmes em que se colocam animais a ridiculamente mexer os lábios, imitando palavras reais, não são educativos e misturam os limites traçados pelas crianças. Atenção, não é que não goste de algumas excelentes abordagens cinematográficas, apenas penso que elas devem ser apresentadas às crianças depois de terem a capacidade de distinguir e achar piada à coisa. Senão, ficam apenas confusas...
Aquilo que está claramente para lá do limite do tolerável é utilizar o mundo do imaginário para estimular o consumismo e o egoísmo das crianças. Isso é devastador. Ou seja, Pai Natal, não obrigado! Para os meus filhos, o Pai Natal será sempre uma farsa desde que nasceram. “O Pai Natal não existe” é um dos conceitos que têm enraizado desde que se lembram de ouvir palavras. Assim, nunca foram alvo daquelas chantagens ridículas, na minha opinião, “se não te portas bem, o Pai Natal não te traz uma prenda”.
Tudo o que expus atrás é discutível. Admito. Cada pai e cada mãe, melhor do que ninguém, saberá qual a abordagem educativa que serve ao seu filho. O que não é discutível, no entanto, é o mau serviço que algumas empresas fazem aos nossos filhos. No outro dia, estava calmamente a almoçar num daqueles cafés que têm a televisão ligada. Desta forma, ao mesmo tempo que se almoça, vão-se ouvindo e vendo as notícias, trocando impressões sobre o dia-a-dia, ficando mais informados, podendo colaborar mais eficientemente para fortalecer a cidadania que se espera de todos nós. Até aqui, tudo bem. Reforço que o que ali estávamos a ver era o que, potencialmente, todas as crianças deste país poderiam estar a ver. A certo passo, nas notícias da TVI começam a mostrar uma senhora a ser chicoteada. Eu nem queria acreditar… Como é possível…? Dizia a notícia que ela tinha cometido o crime de “usar calças”. Ainda meio perplexo, pedi ao empregado que mudasse o canal porque me recusava a estar no mesmo espaço em que este tipo de imagens fosse difundido. Penso que o senhor não percebeu à primeira porque estava com outros afazeres e por isso tive que ser mais claro. “Recuso-me a estar perante imagens de um canal televisivo que difunde actos de barbárie como uma mulher a ser chicoteada”. Aproveitar a forma absolutamente imoral como alguns Estados tratam as mulheres para aumentar audiências e, adicionalmente, expor as nossas crianças a estas disfunções é demais para mim e intolerável para a educação que queremos para os nossos descendentes. Meio segundo depois, o senhor estava convictamente a mudar de canal.
Neste Natal, tenhamos atenção às crianças. Penso que mais do que prendas, elas agradecerão a construção de uma educação baseada na verdade e com valores bem estruturados e consequentes. É o que tentarei fazer.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Arquitecturas

Foto: F Cardigos - SIARAM.

Um dos temas com que sou confrontado amiúde está relacionado com as intervenções arquitectónicas em áreas com elevada sensibilidade ambiental, cultural ou social. E o tema não é pacífico.


Evidentemente, a primeira consideração a ter quando se concebe uma intervenção estrutural está relacionada com o objectivo concreto. Ou seja, antes da solução arquitectónica, o primeiro item é o objectivo. Se o objectivo for recuperar o património, evidentemente, a funcionalidade terá de se sujeitar às regras impostas pela própria recuperação. Assim, sem pensar muito no assunto, entre os objectivos mais comuns que colocamos na lista de requisitos quando pensamos em fazer uma obra contam-se: cumprir uma função, recuperar património cultural e valorizar património ambiental.

Por exemplo, quando se decidiu construir um edifício de recepção ao visitante na entrada da Furna do Enxofre na Ilha Graciosa colocou-se como objectivo número um a funcionalidade. Isso não significa que os restantes não fossem tidos em conta, mas, claramente, estávamos conscientes que, pela simples ocupação do espaço, o mundo natural não podia ficar valorizado com a presença de uma estrutura num local onde, anteriormente, não existia.

No caso do Centro de Interpretação do Lajido de Santa Luzia no Pico, a ideia inicial era recuperar o património cultural. Secundariamente, havia a funcionalidade (alojar uma exposição sobre a Paisagem da Vinha e os serviços do Parque Natural de Ilha) e a valorização do local. Penso que foi cumprido, mas não foi fácil até porque, mesmo as pequeníssimas diferenças entre o edifício recuperado e o que estava antes, foram alvo de meticulosas, mas importantes, críticas.

Pegando num caso mais perto de nós, quando se decidiu recuperar a antiga fábrica da baleia, ao pedirmos ao arquitecto que liderasse a intervenção, já sabíamos que iria resultar num projecto que valorizaria o património, mas, dificilmente, respeitaria totalmente a estrutura que nós conhecemos. Em abono da verdade, este edifício, conhecido pelos trintões e quarentões como “o tufo”, a antiga discoteca, tinha sido antes uma fábrica de processamento de baleia e de secagem de peixe. Ou seja, não era um edifício, mas sim uma sucessão deles e com funções muito variadas. Portanto, o arquitecto interpretou o edifício como agora é apresentado e que, em conclusão, resulta numa intervenção com a fusão de diversos estilos. Há quem goste e há sempre quem não goste.

Curiosamente, esta ambivalência na opinião sobre as novas estruturas tem já uma longa história, certamente com mais de cem anos. Por exemplo, quando se decidiu construir a Torre Eiffel, em Paris, houve abaixo-assinados e a estrutura teve mesmo de ser protegida porque se receava um atentado bombista. Hoje é uma das estruturas mais visitadas do mundo e é um símbolo universal de Paris e da humanidade. Quem imaginaria no longínquo ano de 1889?

Há outros exemplos da controvérsia da intervenção arquitectónica, mas a ideia base que hoje sustento sobre o assunto e que me foi ensinado por um amigo do Instituto Superior Técnico, é que, tal como na música, a boa arquitectura sobrevive. Se a jaula metálica que colocamos nas traseiras do Farol dos Capelinhos for uma boa ideia, daqui a uns anos ainda lá estará. Se não for um conceito adequado, o tempo a levará.

Entretanto, e como presságio positivo em relação ao futuro, ficam os prémios e reconhecimentos nacionais e internacionais obtidos pela unidade de acesso à Gruta das Torres, pelo Centro de Interpretação do Lajido de Santa Luzia, pelo Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos e pelo Centro de Interpretação da Fábrica do Boqueirão. Estão de parabéns os arquitectos Inês e Miguel Vieira, Ana Laura Vasconcelos e Nuno Lopes. As suas obras já são motivo de orgulho!