sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Os meros do Corvo

Mero do Caneiro dos Meros, Ilha do Corvo, Açores.
Foto: Nuno Sá.

Há uns dias atrás houve uma nova investida a favor da caça dos meros nos Açores. Como tive oportunidade de escrever num jornal diário da ilha de São Miguel, eu sou contra a caça destes magníficos animais. Enquanto decisor, por vezes, temos de ser complacentes com coisas que nos desagradam, mas, neste caso em particular, tudo aponta para a coerência e inteligência da manutenção desta proibição.

Passados poucos dias, trouxeram-me à Ilha do Corvo as festividades de Nossa Senhora dos Milagres. Aproveitei o facto de estar na ilha para fazer a monitorização de alguns locais de mergulho. Nas zonas mais costeiras, em vésperas de Gordon, pude ver as espécies previsíveis e muitos sargos-vulgares (Diplodus vulgaris), aqueles que apenas há pouco tempo apareceram nos Açores e que agora competem com o habitual sargo desta zona geográfica (Diplodus sargus cadenati). Como estes peixes apareceram em todas as ilhas dos Açores, praticamente em simultâneo, não é considerada uma introdução, mas sim uma alteração da distribuição natural. Eventualmente, terá sido provocada pela intensificação das alterações climáticas globais. Tudo isto para dizer que é normal e não merece mais do que uma anotação lacónica: “também aqui estão”.

Outro dos locais que tinha de ser monitorizado era o famosíssimo “Caneiro dos Meros”. Apesar de não haver uma empresa dedicada ao turismo de mergulho com escafandro autónomo na ilha do Corvo, o que me parece triste, praticamente todos os dias ali vi embarcações de mergulho originárias da ilha das Flores. Este simples sinal fez-me crer que o Caneiro continuaria a manter as suas características, mas tinha de verificar.

O “Caneiro dos Meros”, como o nome indica, é um vale que, neste caso, se prolonga desde profundidades menos elevadas, cerca de 12 metros, até aos 40. A descida entre os 20 e os 40 metros é praticamente imediata e é aqui que se encontram os meros. Pela simples leitura da profundidade, quando caí dentro de água pude verificar que me tinham colocado longe do local adequado. Tive que nadar um bom bocado para poder chegar ao local de “encontro”. Quando lá cheguei já tinha pouco tempo de mergulho e, pensei, já não iria ver nada. Os meros exigem que os mergulhadores lá cheguem e aguardem e, quando suas majestades desejam, aparecem. Apesar disso, ainda vi três meros, sendo que um deles tinha um porte já considerável. No entanto, não era o “Caneiro dos Meros” que esperava. Cheio de peixe, sim, com muitos corais negros, sim, mas não tinha os meros gigantescos que lá deveriam estar.

Fiquei preocupado. Estaria em risco a mais antiga reserva voluntária do país, já com 14 anos? Estaria em perigo um dos mais emblemáticos locais de mergulho de Portugal? Teriam desaparecido os meros vivos mais idosos de que tenho conhecimento?

Discretamente, partilhei estas preocupações com os meus amigos mergulhadores e eles comigo. De facto, já não os viam há algum tempo. Poucos dias depois, um amigo telefonou-me: “Frederico, oito meros incluindo o Pintas!” Vivos e fotografados. Respirei de alívio. É evidente que o Pintas não irá viver para sempre, como qualquer organismo vivo. No entanto, é sempre bom saber que este companheiro, que já conhecemos há 14 anos ainda por ali está e apenas porque os corvinos assim o querem. É um excelente exemplo a que apenas carece um investidor que, com base no Corvo, explore também este manancial. Empreendedores, procuram-se!

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Inspirados pelo Mar dos Açores


Cagarros em frenesim alimentar. 
As pardelas-de-bico amarelo, conhecidas nas regiões autónomas por cagarros ou cagarras, são hoje aves marinhas estimadas pelas populações e úteis auxiliares na pesca do atum.
Foto: Carlos Toste Mendes - Centro de Mergulho do Hotel Ocidental 

No final do ano de 2003, em representação dos Açores, participei numa reunião da Convenção OSPAR em Tavira. Nela, partilhando pontos de vista sobre a necessidade de criar verdadeiras áreas marinhas protegidas, retorquiu-me um técnico do Instituto para a Conservação da Natureza: “as colónias portuguesas de pardelas representam os vértices de um polígono que tem de ser português”. Discretamente, esbocei numa folha de papel um polígono que tinha como extremos as Berlengas, as Selvagens e a Ilha do Corvo e concluí intimamente: “um triângulo gigante e perfeito, o triângulo de Portugal”. Talvez, neste momento, tenha ficado particularmente claro na minha mente que Portugal tem um enorme espaço que é seu sobre o qual deve ter direitos, mas tem, acima de tudo, responsabilidades. Enquanto locatários deste planeta, os humanos têm a responsabilidade de o manter, de o preservar e, quando necessário, de o recuperar. No entanto, para podermos exercer essa obrigação e usufruir dos direitos, o percurso seria então, e ainda é, longo.
Este percurso teve início, na realidade, com a preparação da Expo 98. Depois, passou pelo Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos de 2004, incluiu a Estratégia Nacional para o Mar de 2007 e culminou, até ao momento, na submissão em 2009 à Organização das Nações Unidas da proposta de Portugal para a delimitação da sua Plataforma Continental. Estes marcos são públicos e notórios, altamente dignificantes para o nosso país e para os envolvidos; mas este artigo focalizar-se-á mais no percurso que os Açores têm seguido, contribuindo assim para o regresso de Portugal ao mar, que começa ainda antes do tal triângulo esboçado em Tavira com 1.8 milhões de quilómetros quadrados.  
Um dos factos cruciais e que muito auxiliou o bom andamento deste processo açoriano foi a aliança que se estabeleceu entre o Governo das ilhas e a Universidade dos Açores. Houve, em todos os momentos, uma sincronia de visão e uma enorme solidariedade nos objetivos a atingir, com particular ênfase para o Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, liderado então pelo Doutor Ricardo Serrão Santos, mas incluindo todos os recantos da academia insular. Isso permitiu ter sempre uma ferramenta de auxílio à decisão e uma representação abrangente e livre das grilhetas do formalismo da governação. Foi assim que em todas as reuniões internacionais relevantes, muitas delas pautadas pela ausência do Governo Português, estiveram representantes dos Açores.
Se nem sempre foi assim, hoje, felizmente, tende-se para um entendimento mais claro entre os representantes do arquipélago e nacionais, complementando-se uns aos outros, permitindo uma presença internacional constante e inteligente do nosso país. Não havendo recursos financeiros para estarmos todos em todas as reuniões, assim, com o cruzamento de informações, com uma boa coordenação e com objetivos bem definidos, temos uma maior capacidade de ação.
Voltando ao nosso percurso. A Universidade envolveu-se em projetos científicos internacionais como o BIOMARE, que resultou depois no MARBEF, uma rede de excelência, o OASIS e EXOCET/D, entre tantos outros, com os quais lançou âncoras de conhecimento em áreas tão diferentes e complementares como as áreas marinhas protegidas, os montes submarinos e as fontes hidrotermais. Ao mesmo tempo, aí numa parceria mais próxima com o Governo Regional e, no caso através do Departamento de Biologia, foram-se estabelecendo os modelos jurídicos necessários para poder gerir o nosso mar de uma forma coerente e consequente.
Ao nível do Governo Regional, criou-se um departamento autónomo responsável pelo Mar, unido ao do Ambiente, e deram-se contributos decisivos para o lançamento e fortalecimento da Política Marítima Europeia. Penso que a Região remota mais visitada pelo então Comissário europeu das Pescas terá sido os Açores.
Foi então que se estabeleceram as regras de uso de locais da Zona Económica Exclusiva (ZEE) especialmente importantes para a ciência, resultado de trabalhos científicos, diversas reuniões de utilizadores e muito diálogo. As regras foram publicadas em relatório e são, ainda hoje, cumpridas escrupulosamente por todos os envolvidos, desde a comunidade científica até à comunidade de pescadores. No final do processo, a organização não-governamental para o ambiente, WWF, premiou os envolvidos com o galardão Gift to the Earth.
Foram várias as conclusões que fomos tirando ao longo deste percurso. Primeiro, ficou claro que apenas com um investimento sério na componente ambiental poderíamos proteger os nossos mares. A abertura da área externa da ZEE dos Açores às frotas internacionais, com a complacência do Governo Português, foi um erro terrível, mas também uma enorme aprendizagem. Depois, compreendemos que a ONU e a Convenção OSPAR estariam recetivas a uma classificação de áreas fora do Mar Territorial e mesmo para lá da ZEE. Em terceiro lugar, compreendemos que não haveria forma de atribuir a qualquer das ilhas a gestão do alto-mar dos Açores e, portanto, a gestão teria de ser feita por um órgão à parte.
Como resposta à insensata abertura da área externa da ZEE dos Açores, encetámos uma luta legal para que se voltassem a colocar limitações à exploração dos nossos mares. Apesar de ainda estarmos longe de uma vitória em toda a linha, conseguimos banir as redes de emalhar e de arrasto de profundidade. Somos dos poucos territórios do mundo que está livre dessas artes delapidadoras dos recursos e dos fundos marinhos. Como reconhecimento, a mediática organização internacional Greenpeace veio em 2005 aos Açores durante a sua campanha “Defending our Oceans” com o navio “Esperanza” para enfatizar a boa política ambiental marinha do arquipélago.
Apesar do esquema geral da ação que a seguir se descreve ter sido gizado em 2004, apenas em 2007 foi tornado público o primeiro passo que demonstrava a intenção e indicava os contornos da mesma. Não foi fácil convencer os deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores da importância de ter um Parque Marinho sem fronteira externa. Em tom quase jocoso, acusavam o Governo de querer gerir “as praias da Florida”. Tinham alguma razão, mas o alcance da opção ficou claro logo a seguir. No início de Outubro do ano de 2007, na cidade da Horta, era apresentada a intenção do Governo de Portugal, sob proposta dos Açores, de classificar como Área Marinha Protegida, ao abrigo da Convenção OSPAR, a fonte hidrotermal de grande profundidade Rainbow. Num entendimento perfeito entre os parceiros açorianos e a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental, os argumentos jurídicos e técnicos apresentados prevaleceram e a aposta foi ganha. A 227 milhas a Sul-sudoeste da Ilha das Flores, portanto para lá do limite da ZEE, o Rainbow tornava-se o primeiro novo território português de além-mar desde Quionga; conquistada em 1916 e reconhecida como portuguesa em 1919. Ganharam os Açores, mas, essencialmente, ganhou Portugal até porque a mesma argumentação foi depois utilizada noutros contextos.
Se Quionga foi ganha como resultado de uma guerra, o Rainbow foi ganho com conhecimento científico e entendimento entre parceiros internacionais num processo em que não houve vencidos, apenas um mundo melhor e mais responsabilizado pelo seu uso e pela sua proteção.
Integrando os conhecimentos científicos adquiridos dentro do arquipélago, incluindo projetos com génese externa, como seja o IBAS Marinhas, coordenado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, com os compromissos internacionais assumidos por Portugal no âmbito das Diretivas Aves e Habitats, ficaram rapidamente desenhados os locais que iriam integrar o Parque Marinho dos Açores dentro da Subárea da ZEE de Portugal correspondente aos Açores. No entanto, para além do Rainbow, faltavam definir as restantes zonas do alto-mar. Nesse momento, alicerçados pelo bom conhecimento científico e pela excelente integração nos grupos internacionais, lançamos mais um repto a Portugal: “vamos classificar o Altair, o Anti-altair, a Crista Médio Atlântica a Norte dos Açores e a Josephine!” Mais uma vez, houve um entendimento perfeito, embora tardio, entre os Açores, a Secretaria de Estado do Ambiente, a Agência Portuguesa para o Ambiente e a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental. Com articulações perfeitas, o resultado apenas podia ser um, e foi. No seio da Convenção OSPAR, numa reunião que decorreu na Noruega em Setembro de 2010 ficavam definidos mais três sítios do alto-mar em volta dos Açores e 4 para o todo Português. Um destes sítios em particular, a chamada Crista Médio-Atlântica a Norte dos Açores (também conhecida pelo seu acrónimo em inglês MARNA), tem uma área maior que todo o território emerso de Portugal!
Reconhecidas as áreas importantes, do ponto de vista ambiental, no alto mar dos Açores, faltava agora estruturar o Parque Marinho do ponto de vista legal. Tendo por base o Estatuto Político-Administrativo da Região, estabelecemos um regime legal que dota o Parque Marinho dos Açores de um órgão de gestão responsável pela implementação das regras que o próprio diploma estabelece. Dada a inerente obrigação da gestão partilhada do mar, trocamos impressões prévias com os responsáveis continentais e, mais uma vez, houve unanimidade nas diferentes opções específicas. Mais tarde, o Parque Marinho dos Açores foi aprovado na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores com a unanimidade e o aplauso dos partidos aí sentados. Com onze sítios ambientalmente importantes definidos, o Parque traça a linha daquilo que os Açores apelidam como a sua zona de influência e, ao mesmo tempo, estabelece, desde logo, quais são as zonas de extração limitada por razões ambientais.
Evidentemente, do ponto de vista histórico e cultural, o mar é importante para os Açores. Muito acima disso, no entanto, o oceano que rodeia as ilhas é determinante para o futuro dos açorianos. As nove ilhas dos Açores têm pouco mais de dois mil quilómetros quadrados de terra, mas o mar que nos rodeia tem mais de 2 milhões. Encontramo-nos limitados por terra, mas incitados pelo mar. Portanto, quando se fala em extração de minerais, pesquisa biotecnológica do mar profundo ou aproveitamento energético no Mar dos Açores estamos a falar numa área que os açorianos já reconheceram, já tomaram e que querem usar para que se concretize o regresso de Portugal ao Mar. Ou, posto de outra forma, para que se cumpra Portugal!

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Sobre os Jogos Olímpicos


Esta Veronica dabneyi, planta endémica dos Açores,
é mais rara do que um vencedor de uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos!

Decorreram até ao último final de semana os Jogos Olímpicos de Verão na cidade de Londres, capital do Reino Unido. Neste evento, concorrem mais de uma dezena de milhar de atletas pelas poucas centenas de medalhas disponíveis.
Não deveria ser este o propósito essencial das olimpíadas, mas sim contribuir para obtenção de níveis de excelência humana (mais rápido, mais alto e mais forte) num convívio saudável e leal entre as nações. O Barão Pierre de Coubertin, o grande responsável pelo ressurgir das Olimpíadas no final do século XIX, entendia que a educação apenas estava completa com a componente física individual e elevou esse conceito até ao que é hoje considerado o mais prestigiado acontecimento cívico global.
No entanto, de facto, o empenho de muitos centra-se apenas na contabilização das medalhas. É uma forma simples de aferir até que ponto uma nação tem empenho na excelência dos seus atletas e é universalmente compreensível. Nestes jogos olímpicos, o destaque foi para Estados Unidos da América e para a China, tal como em Pequim 2008, embora por ordem inversa. 
Alguns amigos declaram-me a sua desilusão pela única medalha dos portugueses. No entanto, vendo bem, havendo “apenas” cerca de mil medalhas em disputa, é natural que não ganhemos muitas.
Vejamos, em cerca de 200 países, no mundo há sete mil milhões de pessoas. Cada uma destas pessoas pode ter a ambição de conquistar uma destas medalhas e, portanto, fazendo uma divisão simples, temos uma medalha por cada 7 milhões de habitantes do planeta Terra. Tendo em consideração esta aproximação simplista, Portugal, com 10 milhões de habitantes, tem “direito” a uma medalha. Já a China, com 1,3 mil milhões de pessoas, deveria obter 186 medalhas. Como, na realidade, nos jogos, ganhou “apenas” 87, isso significa que está abaixo do que seria expectável. Por outro lado, os Estados Unidos da América, com 300 milhões de pessoas, deveriam obter 43 medalhas. Na realidade, em Londres ganharam 104 medalhas, o que os colocam claramente acima das espectativas e que, de alguma forma, espelha a importância que a competição, a todos os níveis, representa para este país e, também, a competência que detém na formação de atletas.
Se os Açores fossem um país participante, usando também uma aproximação estatística simplista, deveríamos ter uma medalha em cada 30 Olimpíadas, ou seja, uma medalha a cada 120 anos, já que os Jogos Olímpicos apenas se realizam de quatro em quatro anos. Isto é, mais vale determo-nos nas coisas realmente importantes dos Jogos Olímpicos e nos valores que lhe estão subjacentes e deixarmos a medalha para Portugal e as medalhas para a Europa, com quem também nos podemos identificar.
Aliás, a União Europeia, com 500 milhões de habitantes, nesta aproximação simplista, tem “direito” a 71 medalhas. Agora repare-se… em Londres, a União Europeia, pelas minhas contas, ganhou 300 medalhas! Ou seja, uma proporção entre o obtido e expectável muito maior que os Estados Unidos da América, 4,3 contra 2,4. Ou seja, somos os maiores ! Na realidade, não é bem assim porque há um limite de atletas por país, o que beneficia a União Europeia com mais de duas dezenas de países a contribuir, ficando assim com um número superior e desproporcionado de atletas. De qualquer forma, a Europa é realmente competitiva e possui boas escolas desportivas, ao nível dos melhores.
A massa crítica, neste caso estabelecida em número de seres humanos em cada território, condiciona indelevelmente o número de medalhas que se pode obter. Colocando de uma forma mais construtiva e consequente, em qualquer momento das nossas vidas: “a união faz a força!”.
Há, no entanto, países que têm totais assimetrias nesta espectável proporção. Não me compete, nem seria hábil para o explicar, mas… de facto, a Austrália tem uma proporção entre medalhas obtidas e expectáveis de 11. Melhor ainda, a Jamaica do grande Usain Bolt tem uma proporção de 32! Números a reter e indicativos de que tudo é possível.
Apanágio máximo de que tudo é possível é a incrível marca de 22 medalhas para um único ser humano. As contas são mais difíceis de fazer, até porque as medalhas foram obtidas em três eventos, mas, sem adiantar a matemática por trás (até porque é duvidosa), diria que a probabilidade de uma coisa destas acontecer é de 0,0000022%. Portanto, estatisticamente, não aconteceu e o Michael Phelps não existe… mas existe! Posto de outra forma, tudo é possível; Basta ter vontade, ser competente e ser trabalhador  (e ter alguma sorte…). Para os jovens, a mensagem é descubram o que gostam de fazer e para o que têm jeito e empenhem-se, mesmo que a probabilidade seja baixa, é realmente possível conquistar os nossos sonhos!

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Porquê proteger os meros nos Açores?


Mero fotografado na Reserva Voluntária do Caneiro dos Meros,
na Ilha do Corvo, Açores.
Foto: F Cardigos ImagDOP

Obviamente, todos temos direito à opinião, acrescendo que o nosso respeito por essa mesma opinião é maior quando é emitida por pessoas conhecedoras e inteligentes. Mesmo que não concordasse, como “manda” uma das maiores organizações não-governamentais do mundo, deveria esforçar-me para que essa opinião fosse disseminada livremente.
O que se passa no caso dos meros, curiosamente, é que há pessoas igualmente informadas, inteligentes e empenhadas que defendem posições antagónicas. Ou seja, há pessoas que consideram que estes animais podem ser caçados, que isso não afetará as suas populações e será uma mais-valia para a economia. Por outro lado, há um outro conjunto de pessoas que considera que caçar meros é um ato lesa-turismo subaquático e que terá influência nas populações existentes. Curiosamente, ambos os lados têm trabalhos científicos a sustentar as suas opiniões.
E que penso eu sobre o assunto? Eu assisti às chacinas de meros nas Flores dos finais dos anos 70. Animais majestosos eram arrastados por cima do Porto das Poças, alguns ainda vivos, e esquartejados para gaudio dos caçadores submarinos franceses que usavam as ilhas como um local de treino para os campeonatos europeus. Eu vi e não gostei. Alguns daqueles animais eram muito mais velhos do que eu e, alguns deles, eram mais velhos do que eu sou hoje. Não são animais para serem mortos apenas para treino para uma competição distante. Era um enorme desrespeito e ainda bem que terminou. Sou apologista que se usem os recursos naturais de forma letal para o que é necessário, não para atividades recreativas.
Hoje, depois de os conhecer debaixo de água, penso ainda que os meros são criaturas fantásticas, pachorrentas, grandes, que não hesitam em chegar-se aos mergulhadores e roçar-se neles. Os meros dão excelentes fotografias subaquáticas. Ora, tendo obtido tanto prazer com os meros vivos, porque iria eu contribuir para os matar. Ou seja, “és tão engraçado, deixa-me cá dar-te um tiro e matar-te”… Não faria sentido. Por essa razão, para além de não os caçar, também não como mero. A mesma opção têm uns quantos fanáticos do mundo azul. Dado ser uma opção pessoal, não tem de influenciar, nem influencia, a minha postura enquanto decisor.
Portanto, neste caso em concreto, o que pensa o decisor? O decisor pensa desta forma: um mero vivo, com que se possa mergulhar, vale o mesmo todos os dias de mergulho do que se for morto e vendido em lota uma única vez. Ou seja, se os meros estiverem vivos valem muitíssimo mais do que se estiverem mortos. O decisor pensa também que o mergulho com escafandro autónomo é uma atividade com interesse crescente no arquipélago pelo que não faria qualquer sentido estimular a morte do mais importante símbolo da escafandria, o mero.
Ao mesmo tempo, o decisor pensa também que a pesca profissional à linha, ao contrário da caça, não é seletiva, pelo que não faz sentido impor uma restrição que não se pode cumprir. Portanto, tem de se conviver com a possibilidade dos meros serem capturados por esta via. Também por não ser uma arte seletiva, a pesca profissional à linha, com os métodos legalmente utilizados nos Açores, nunca poderá colocar estas populações em risco, o que não aconteceria com a caça. Com a caça, seria possível capturar todos os animais de grande porte, o que, dada a sua sexualidade (todos nascem fêmeas e depois transformam-se em machos), poderia colocar em risco as populações.
Finalmente, depois de dezenas de anos de restrição à caça ao mero nos Açores, já quase ninguém pensa que seria adequado regredir nesta proibição. Ao contrário, os caçadores dos tempos modernos (tirando o Rei de Espanha…) estão mais interessados em obter boas imagens de animais vivos e livres do que fomentar cadáveres apenas pelo prazer de matar.
Muito mais do que a opinião deste decisor, condicionam as opções do Governo as decisões da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Ao contrário do que é por vezes afirmado, a decisão de proteger os meros no nosso arquipélago em 1984 foi tomada no órgão mais importante da autonomia insular. Não resulta, portanto, da sensibilidade de “um amigo que fazia parte do governo regional”, como irresponsavelmente se afirma por vezes. Em 2007, através do diploma da pesca lúdica dos Açores, os meros voltaram a ser protegidos pelo Parlamento Regional em relação à caça-submarina. Seria difícil ter uma decisão mais clara.
Com todo o respeito por quem pensa de forma diversa, esta é também a opção de um dos decisores do nosso arquipélago. Haja argumentos válidos e em sentido contrário e o decisor, obviamente, saber-se-á adaptar. O Frederico, esse adora os meros que vai encontrando e fotografando debaixo de água, pelo que nunca mudará de ideias