É evidente a transparência das águas dos Açores, especialmente durante o verão.
No caso, cardume de jamantas no banco Princesa Alice.
Foto: F Cardigos ImagDOP
No caso, cardume de jamantas no banco Princesa Alice.
Foto: F Cardigos ImagDOP
Ao falar com turistas que decidiram passar férias nos Açores
a fazer mergulho com escafandro autónomo, notei que a escolha das nossas ilhas
partia de premissas como o mergulho com tubarões, o mergulho com jamantas ou o mergulho
em águas profundas, mas raramente o primeiro motivo era a evidente claridade da
nossa porção do Oceano. Achei isso de uma enorme injustiça. Passo a explicar
porquê.
Se vivêssemos num arquipélago de águas imensamente
produtivas, em que as pescarias atingissem valores consonantes com os milhões
de quilómetros quadrados de plataforma continental que nos rodeiam, teríamos
rendimentos financeiros absolutamente principescos. Não acontece assim.
Nos Açores, a maioria do substrato ou do leito marinho, conforme
preferirmos chamar, está a profundidades demasiado elevadas. Estas
profundidades estão para lá da zona fótica (zona iluminada) e, por essa razão,
as algas bentónicas, que transformam a matéria inorgânica em matéria orgânica,
são escassas.
Ao mesmo tempo, as águas que circulam por entre as ilhas não
são suficientemente dinâmicas para “arrancar” a matéria inorgânica do fundo e
coloca-la à disposição das algas flutuantes (o fitoplâncton) para que estas
colmatem o deficit de produção. Aqui,
na maioria do ano, não se formam as chamadas zonas de afloramento ou
ressurgência (upwelling), quando as
correntes dos fundos marinhos trazem para a superfície matéria inorgânica,
provocando um acréscimo significativo na produção biológica.
Resumindo, as águas dos Açores, sob o ponto de vista da
oceanografia biológica, não são muito produtivas. O que não é completamente
mau. Tem mesmo aspectos positivos. Um deles é que as espécies que aqui existem
são diferentes, especialmente, as que se adaptaram a esta escassez de alimento,
às águas profundas ou aos restantes ecossistemas extremos, em que o expoente
máximo, na minha opinião, são as fontes hidrotermais.
Outro dos aspetos positivos desta quase generalizada falta
de produtividade é a claridade da água. O nosso azul marinho dos Açores (o Azzurre que poderá ter dado o nome ao
arquipélago), que os mais experientes marinheiros conseguem identificar
imediatamente, é o resultado de águas oligotróficas (pouco produtivas).
Consequência disso, a transparência da nossa porção do oceano é enorme e
permite ver, fotografar e filmar, nas melhores condições, tubarões, tubarões-baleia
e jamantas ou mergulhar com segurança e conforto até dezenas de metros de
profundidade.
Noutros locais, sem esta claridade, os grandes organismos
marinhos subaquáticos aparecem como manchas destoadas e fogem como vultos
assustados. Mergulhar com escafandro em águas escuras é como submergir num
elevador em que desligaram as luzes e onde temos de procurar o botão do próximo
andar usando a luz do visor do telemóvel… Arrepiante… Claustrofóbico! Nos
Açores é diferente e é muito melhor!
No início da primavera, quando passam nos Açores as grandes
baleias, oiço as pessoas a dizer que as águas estão verdes. É verdade, estão
verdes porque nos escassos períodos em que há uma sincronização entre o aumento
no fotoperíodo (os dias são maiores) e a permanência na coluna de água de
matéria inorgânica oriunda das águas revoltas de inverno observa-se uma
explosão na quantidade de fitoplâncton e, em consequência, do zooplâncton (ou krill) de que se alimentam estes grandes
cetáceos. É um pequeno período de enorme produtividade. Estou a simplificar
fenómenos mais complexos, que envolvem outros fatores como um importante ramo
da corrente do Golfo, mas que, basicamente, resultam nesta sincronização.
Infelizmente, é um fenómeno que nos Açores dura pouco tempo
e que nem todos os anos tem a mesma intensidade e isso faz com que até as aves
marinhas que aqui nidificam se desloquem milhares de quilómetros para se
poderem alimentar convenientemente.
Como tudo, a claridade das águas açorianas tem aspetos
positivos e negativos. Agarremo-nos aos positivos e saibamos viver com a
oligotrofia das nossas águas. Temos muito a lucrar se compreendermos bem o
local onde vivemos e o usarmos em consonância.
Sem comentários:
Enviar um comentário