Vila do Corvo, ilha do Corvo
Por: F Cardigos
Ao contemplar a paisagem da ilha do Corvo, de que me orgulho de já conhecer razoavelmente, não consigo deixar de me perguntar como seria nos primeiros tempos. É óbvio que casas não haviam. Também parece claro que a paisagem era dominada por plantas que hoje estão ausentes ou são vestigiais. Provavelmente, a orografia, tirando a construída, seria basicamente esta. Não há história de grandes tremores de terra ou vulcões em tempos históricos e os humanos ainda não alteraram as conhecenças fundamentais, portanto, esta seria razoavelmente a orografia que os primeiros povoadores encontraram. No caso do Corvo, em particular, há um morro que abrigava a vila dos ventos oeste e que desapareceu para que a pista de aviação pudesse ser construída. Tirando isso, é razoavelmente o que Diogo de Teive encontrou.
Há uns dias
atrás, uma boa amiga enviou-me um texto que faz uma comparação crítica dos
textos que mais comummente são utilizados para descrever os primeiros dias das
ilhas Ocidentais e do arquipélago dos Açores na generalidade. Trata-se de um
artigo publicado na revista Arquipélago (série História) no ano 2000 e escrito
pelo Dr. Geraldo Lages, então mestrando da Universidade Nova.
Trata-se de um
texto muito interessante e que não consigo, por falta de conhecimento,
criticá-lo. Limitei-me a aprender e a tomar como boas as informações que o Dr.
Lages de forma cativante, vai retirando de cada uma das descrições históricas.
Umas informações aceita, outras recusa fundamentando e assim vai construindo o
que poderão ter sido os primeiros dias da ocupação humana destas duas ilhas. Li com interesse.
É um texto
extenso e que não pretendo sumariar neste pequeno artigo. Aconselho apenas a
leitura. De qualquer forma, há alguns ensinamentos que gostaria de partilhar. O
primeiro está relacionado com a fragilidade ambiental das ilhas oceânicas. Ao
desbravarem o terreno na ilha do Corvo, os primeiros povoadores encontraram um
solo fértil e generoso que originou produções agrícolas extraordinárias. De tal
forma imprevisíveis que, passados poucos anos, alguns florentinos emigravam
para o Corvo para obter melhores rendimentos. Sol de pouca dura. Ao exporem os
terrenos aos elementos, o solo foi sendo erodido pelo vento e rapidamente as
produções caíram para um terço das originais.
Ao nível
aquático, os rendimentos também foram caindo rapidamente, neste caso por
sobre-exploração dos recursos. Apesar disso, desde os primeiros tempos, havia
embarcações que se deslocavam da ilha Terceira até às ilhas ocidentais para
aqui pescar. Curiosamente – esta parte não vem no artigo –, apenas muito
recentemente este processo de delapidação insustentável foi terminado. Hoje as
embarcações dos outros grupos de ilhas açorianas estão praticamente impedidas
de pescar para águas das Flores e do Corvo abrindo assim espaço para a sua
ampla recuperação. Agora é dar tempo.
No entanto, o que
mais me impressionou foi a miséria tal como ela é descrita pelos autores
analisados pelo Dr. Lages. A certo passo Almeida Garret, deslocado às ilhas
ocidentais acompanhando Mouzinho da Silveira, refere os florentinos como as
pessoas mais miseráveis que jamais tinha visto, apenas melhor que os corvinos.
Entre impostos, taxas, sobretaxas, dízimos e outras contribuições, a redução de
produtividade por sobre-exploração ou por erosão dos solos, pouco lhes restava
para viver, havendo pessoas que nem recursos tinham para se vestirem. As casas,
chamadas de “palhaças”, imagine-se porquê, eram partilhadas por várias famílias
tal a escassez de tudo. Eram tempos muitíssimo duros para estas duas ilhas e
que, felizmente, Mouzinho da Silveira terminou.
Volto a olhar a
paisagem e sinto a falta dos cedros, faias, pau-branco, urzes e outras plantas
que deveriam coroar a paisagem original. Sinto a falta dos angelitos, essas
pequenas aves marinhas que davam um “azeite tão fino como o de oliveira”, que fizeram
a fortuna da ilha do Corvo dos primeiros tempos. No entanto, parte do meu
cérebro está ainda mais impressionada com um fragmento de informação…
No Corvo não
havia barcos. Estranho, não é? Uma ilha com isolamento acentuado e um mar
riquíssimo não tinha qualquer embarcação. A explicação vem umas linhas abaixo. Segundo
o autor, o Corvo não tinha embarcações para que as pessoas não pudessem da ilha
fugir!
É por estes
contrastes entre o terrível passado e o presente que, mesmo perante todas as
agruras e injustiças que a vida nos trás, me sinto privilegiado por viver no
nosso tempo. Se, nestes anos, pudemos evoluir tudo isto, que coisas
absolutamente fantásticas nos trará o futuro que aí vem?
Muito obrigado pelo seu artigo. Não comuniquei consigo antes porque não tinha visto as mensagens.
ResponderEliminar