segunda-feira, 6 de maio de 2019

Crónicas de Bruxelas: 43 - Quem tem medo da democracia?


A casa da democracia europeia, o Parlamento Europeu em Estrasburgo.
Por F. Cardigos 


Ultimamente, temos sido confrontados com resultados de plebiscitos que levantam algumas dúvidas relativamente aos nossos mecanismos democráticos, particularmente quanto à consulta direta dos cidadãos. A vitória da intolerância, do populismo e do isolacionismo que foram expressos nas eleições norte-americanas, do lado de lá do Atlântico, e na Turquia, Hungria e Polónia, deste nosso lado, e, claro está, o Brexit demonstram que há necessariamente que refletir o processo democrático.
Neste artigo, não irei discutir a justiça dos resultados ou o mérito dos concorrentes, mas apenas a introdução de ferramentas que possam reforçar a democracia. Esta minha reflexão, apesar de defender alguns pontos de vista, não me encerra neles próprios. É uma reflexão e isso significa que é um processo em curso, até para mim próprio, passe o pleonasmo.
Quando analisamos o resultado de cada uma das eleições mencionadas atrás, verificamos que, por trás, há uma qualquer particular disfunção. Por exemplo, nos Estados Unidos da América jamais o Presidente Trump teria ganho as eleições se cada voto contasse o mesmo. Isto porque, segundo o sistema utilizado, o vencedor de cada Estado, com exceção do Maine e do Nebraska, tem direito a todos os votos (the winner takes it all). Apenas para dar uma ideia, caso houvesse uma democracia de um ser humano um voto, teríamos tido o Presidente Al Gore e a Presidente Hillary Clinton. Assim não foi. O voto de um republicano da Califórnia ou o voto de um democrata do Texas deveria contar igualmente para a eleição do Presidente dos Estados Unidos, mas, na realidade, não é bem assim. Portanto, ponto 1, para a eleição dos Presidentes, cada cidadão deveria contar um voto.
Tanto nas últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos da América como no Brexit muito se falou da interferência russa. Fosse esta concretizada através das notícias falsas (fake news), de apoios a determinados candidatos ou pontos de vista ou de interferência no sistema eletrónico de contabilização de votos, houve, de facto, uma enorme desconfiança. Há, portanto, que munir o sistema judicial de instrumentos financeiros e legais para detetar e punir quem disseminar notícias falsas, quem der apoios ilegais ou quem tente atentar contra a cibersegurança. No antigo bloco de leste, os regimes populistas que começam a grassar nalguns países são também, em parte, resultado das notícias falsas propagadas pelos próprios governos. A Comissão Europeia tem estado a reagir, mas, eventualmente, já vai tarde. No caso da Polónia, a situação já é tão grave que o governo está a tentar interferir diretamente no sistema judicial, um crime contra o Estado de Direito e, se o conseguirem concretizar, fatal para a democracia.
Outro ponto que me parece interessante estudar é a abstenção. Não seria um problema se a abstenção tivesse uma distribuição homogénea no espectro social. No entanto, estou convencido que os votantes muito descontentes são mais facilmente mobilizáveis para votar e estes são, também, os mais facilmente atraídos pelos discursos extremistas. O descontentamento com a sua situação ou com a classe política motiva as “franjas” da sociedade que consideram que as soluções radicais podem ser os elementos necessários para se chegar a uma sociedade mais justa e equitativa. Não ceio que assim seja, e, portanto, parece-me, é essencial que os moderados voltem às urnas. Alguns países, como a Grécia e Bélgica resolveram esse assunto com o voto obrigatório. De facto, se somos obrigados a pagar impostos, e bem, porque não somos obrigados a contribuir para a identificação dos nossos governantes? O que é mais importante? Contribuir para o sistema pagando os impostos ou decidir quem os vai gerir?! Se não gostarmos de qualquer das propostas que nos são apresentadas, podemos sempre votar em branco, mas nem sequer ir às urnas?! Não me faz qualquer sentido. Penso que, no caso do Brexit, se todos os cidadãos britânicos tivessem votado, o resultado teria sido outro.
Por fim, a questão do acumular das eleições. Em Portugal, há sempre datas diferentes para as eleições presidenciais, europeias, legislativas, regionais e autárquicas. Já na Bélgica, as próximas eleições europeias serão acumuladas com as federais (equivalentes às nossas legislativas) e regionais. Eu compreendo que ambos os sistemas têm vantagens, mas defendo que deveria prevalecer a acumulação de eleições numa mesma data. Aponto como vantagens, por um lado, o combate à abstenção, porque as pessoas tendem a votar mais para as legislativas e menos para as europeias, e, por outro, o desentrelaçar do voto de penalização. Em Portugal, as pessoas votam para as europeias não tendo em conta as questões verdadeiramente da Europa, mas sim para promover ou penalizar o governo da República ou Regional, esquecendo-se que não são essas as eleições que estão em questão. Se, no mesmo dia, tomassem decisões relativas a cada nível de decisão, este factor de “transferência” ficaria grandemente atenuado.
Há outros instrumentos que deveriam ser equacionados, como o voto à distância pela internet e um maior investimento na componente informativa das campanhas. É inacreditável que as pessoas conheçam minimente as pessoas por quem vão votar, mas desconheçam os respetivos programas. Se eu perguntar quem conhece o programa proposto pelo partido em quem vão votar, quantas pessoas poderão responder com honestidade que o conhecem?! Talvez uma medida ou outra mais popular, mas de resto… tenho grandes dúvidas.
A democracia é o melhor dos métodos para nos governar. No entanto, ela não está fechada numa redoma. Pode ser manipulada e pode ser melhorada. Apenas com reflexão e discussão poderemos chegar mais longe e fazer melhor. Aqui deixo o meu ponto de partida.


Notas:

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