segunda-feira, 17 de junho de 2019

Crónicas de Bruxelas: 46 - Entre Roubaix e Bruxelas

Vestigial referência ao uso de fundos comunitários na "La Piscine" de Roubaix.
Foto: F Cardigos


Roubaix é uma cidade francesa que fica muito perto da fronteira com a Bélgica. Dada a proximidade, faz parte dos planos habituais de passeio de final de semana. No meu caso, esta foi a segunda vez.
Ao chegar a Roubaix, deslocamo-nos de imediato à “La Piscine”. Esta antiga piscina do início do século XX foi, há uns anos atrás, convertida num museu que alberga obras de arte de grande valor patrimonial. A piscina teve de ser encerrada no final do século passado por razões de segurança, por já não responder às exigências do mundo moderno.
A recuperação manteve o aspecto geral, tendo convertido o antigo tanque com 50 metros de comprimento e 8 pistas na principal sala de exposições e alguns dos balneários nas salas secundárias. O resultado poderia ser um desastre, mas, longe disso, resulta em pleno. O sucesso foi tão evidente que, ao longo dos últimos anos, foram adicionadas novas salas e obras de arte.
Entre outras, “La Piscine” alberga obras de Pablo Picasso (pinturas sobre cerâmica), diversas esculturas de Camille Claudel e pinturas de muitos artistas do interior norte de França. Passar aqui algumas horas é extraordinariamente compensador e, dada a quantidade e diversidade de informação, esgotante. Um saboroso “esgotante”...
No entanto, o que me leva a escrever este artigo é algo paralelo em relação ao espaço e ao seu conteúdo. Porque sabia que a recuperação tinha utilizado fundos comunitários, parti à procura da referência aos mesmos. Apesar de constar na entrada principal não foi fácil. É que, na realidade, trata-se de uma placa com cerca de um palmo de largura por menos de meio palmo de altura na longa fachada. Na primeira vez que visitei “La Piscine” esta placa estava até “escondida” por trás de um vaso. Agora, nesta minha segunda visita, apesar de exposta, dada a pequenez, é invisível.
Ao mesmo tempo, em diversos expositores no interior de “La Piscine” é explicado como os fundos nacionais de França foram utilizados para as ampliações e aquisições de obras de arte e como a câmara municipal se empenhou em todo o processo. Para quem não souber mais, esta é uma obra do Estado Francês e do Município de Roubaix. Relaciono esta postura de esconder a importância da União Europeia com os resultados obtidos pela extrema-direita no norte de França, precisamente onde estive…
Este esconder a utilização dos fundos comunitários está longe de ser uma opção apenas francesa. Na realidade, verifica-se em quase todos os países, regiões e municípios, se bem que o nível varie. Aquilo que é transversal é o desastre do resultado. Ao não entenderem a importância e a implicação do investimento da União nos seus territórios, a abstenção sobe, atingindo em média os 50%. No caso dos Açores, o facto de André Bradford, o único candidato das ilhas em posição elegível, estar tacitamente eleito, na minha opinião, piorou este cenário, elevando a abstenção acima dos 80%.
Estou a escrever estas linhas no intervalo para o almoço de uma conferência que decorre agora em Bruxelas. Recordo, ainda em choque, as palavras de um responsável da Comissão Europeia. Dizia ele há minutos atrás que, por vezes, “a Comissão Europeia recebe dos Estados Membros pedidos absolutamente inaceitáveis por não respeitarem a legislação mais básica. Estes pedidos são feitos para que não sejam os próprios países a contrariar os desejos dos cidadãos ou das regiões. O Estado Membro passa a responsabilidade para a Comissão, para que seja esta a arcar com o ónus e nós aceitamos desempenhar esse papel. Somos os maus da fita.
Portanto, temos os países que escondem a importância da União Europeia nos investimentos que realizam e outros que culpabilizam a União por inviabilizar pedidos que são inadmissíveis. E estes são apenas dois casos com que me cruzei nos últimos dias. Com estas abordagens, como podemos esperar que os Brexits desse mundo não tenham sucesso?!
É preciso sermos mais honestos, transparentes e precisos, também ao nível da governação. O preço de não seguir este caminho é aumentar ainda mais os populismos que grassam por essa Europa. Os populistas são desonestos, manipuladores e mal-intencionados, mas, pelo menos, as pessoas sabem claramente com o que contar.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Crónicas de Bruxelas: 45 - A agricultura do futuro será amiga do ambiente

Terrenos agrícolas sobre-utilizados na Praia da Vitória, ilha Terceira, Açores
Foto: F Cardigos ImagDOP


Nos últimos tempos tenho ouvido vezes sem conta aqui pelos “corredores” da Europa mencionar-se que a agricultura da União terá de se esverdear. Na realidade, este é um discurso “bonito” que já oiço desde 2006, quando assumi pela primeira vez responsabilidades na área do ambiente. A verdade é que, com mais ou menos legitimidade, a grande maioria das verbas que eram destinadas ao ambiente foram usadas para aumentar a produção ou incluídas em medidas de bondade ambiental muitíssimo duvidosas.
Ao falar com os agricultores, muitas vezes oiço argumentos que poderiam ser ambientalmente legítimos. Por exemplo, os produtores de gado bravo reiteram que estão a defender a diversidade genética ou, pelo menos, fenotípica de uma espécie. É verdade. No entanto, a que preço isso é feito? Não estou a considerar a componente tauromáquica, mas sim e apenas a diversidade genética. Se para criarmos gado bravo retirarmos uma área significativa de floresta Laurissilva ou de pântanos de altitude, estaremos a reduzir muito significativamente a biodiversidade genética geral.
Há uns meses houve uma enxurrada que produziu alguns estragos na ilha Terceira. Felizmente, as consequências humanas foram nulas e as materiais não foram elevadas, mas as imagens que circularam através da RTP/Açores e doutros meios de comunicação chegaram a fazer recear o pior. No entanto, aquilo a que poucos ligaram foi à cor da água que escorria pelas ruas do concelho de Angra do Heroísmo. Era castanha! Uma cor castanha proveniente do solo que as águas que escorriam estavam a decapar a montante. Isto é muito grave, economicamente desastroso e consequência de uma agricultura que terá de ser diferente, também, nos Açores. Há que voltar a promover a biodiversidade de altitude que retenha as águas de enxurrada e que liberte essas mesmas águas, vagarosamente, durante as estações mais secas (contrariando assim as secas que periodicamente assolam os Açores).
Perguntam-me por vezes porque há tanta água na ilha das Flores. Na realidade, cai sobre a ilha das Flores praticamente a mesma água que nas restantes ilhas. A diferença é que o planalto central daquela ilha é uma enorme turfeira que retém as águas, que assim não desaparecem com a tormenta, ficando disponíveis para, calmamente, regarem a ilha durante a primavera e verão e alimentar a central de produção de eletricidade da Fazendas das Lajes. Só benefícios.
Ao vermos os nossos prados verdes de erva importada podemos pensar que estamos perante uma agricultura ambientalmente saudável. Não é verdade! A agricultura saudável, aquela que produz leite e carne de altíssima qualidade, resulta de prados agradavelmente contaminados com outras espécies para além da erva. O melhor mesmo é quando essa diversidade conta com espécies autóctones dos Açores. Aquilo que não pode acontecer de todo, e isso é ainda pior do que os prados monoverdes, é vermos prados castanhos-lama que resultam do sobre-encabeçamento. Ainda acontece nos Açores e tem de acabar. Claro que tem de acabar!
Phil Hogan, o Comissário Europeu para a Agricultura, no último Conselho Europeu para a Agricultura e Pescas lançou o repto aos Estados Membros de usarem os seus Planos Estratégicos para premiar os agricultores que contribuam para a eliminação da pegada carbónica da União. Não podia ser mais claro. A agricultura mudou. Acabaram-se os exageros de produção, os fertilizantes em excesso, os pesticidas que provocam cancros através das águas que contaminam, as gigantes alfaias agrícolas emissoras de gases com efeito de estufa e que compactam e deterioram o solo, e outros pecados do passado. Acabou-se. Caso não se tenha acabado, na realidade, ir-se-á acabar a própria humanidade. Simples, não é?