segunda-feira, 3 de junho de 2019

Crónicas de Bruxelas: 45 - A agricultura do futuro será amiga do ambiente

Terrenos agrícolas sobre-utilizados na Praia da Vitória, ilha Terceira, Açores
Foto: F Cardigos ImagDOP


Nos últimos tempos tenho ouvido vezes sem conta aqui pelos “corredores” da Europa mencionar-se que a agricultura da União terá de se esverdear. Na realidade, este é um discurso “bonito” que já oiço desde 2006, quando assumi pela primeira vez responsabilidades na área do ambiente. A verdade é que, com mais ou menos legitimidade, a grande maioria das verbas que eram destinadas ao ambiente foram usadas para aumentar a produção ou incluídas em medidas de bondade ambiental muitíssimo duvidosas.
Ao falar com os agricultores, muitas vezes oiço argumentos que poderiam ser ambientalmente legítimos. Por exemplo, os produtores de gado bravo reiteram que estão a defender a diversidade genética ou, pelo menos, fenotípica de uma espécie. É verdade. No entanto, a que preço isso é feito? Não estou a considerar a componente tauromáquica, mas sim e apenas a diversidade genética. Se para criarmos gado bravo retirarmos uma área significativa de floresta Laurissilva ou de pântanos de altitude, estaremos a reduzir muito significativamente a biodiversidade genética geral.
Há uns meses houve uma enxurrada que produziu alguns estragos na ilha Terceira. Felizmente, as consequências humanas foram nulas e as materiais não foram elevadas, mas as imagens que circularam através da RTP/Açores e doutros meios de comunicação chegaram a fazer recear o pior. No entanto, aquilo a que poucos ligaram foi à cor da água que escorria pelas ruas do concelho de Angra do Heroísmo. Era castanha! Uma cor castanha proveniente do solo que as águas que escorriam estavam a decapar a montante. Isto é muito grave, economicamente desastroso e consequência de uma agricultura que terá de ser diferente, também, nos Açores. Há que voltar a promover a biodiversidade de altitude que retenha as águas de enxurrada e que liberte essas mesmas águas, vagarosamente, durante as estações mais secas (contrariando assim as secas que periodicamente assolam os Açores).
Perguntam-me por vezes porque há tanta água na ilha das Flores. Na realidade, cai sobre a ilha das Flores praticamente a mesma água que nas restantes ilhas. A diferença é que o planalto central daquela ilha é uma enorme turfeira que retém as águas, que assim não desaparecem com a tormenta, ficando disponíveis para, calmamente, regarem a ilha durante a primavera e verão e alimentar a central de produção de eletricidade da Fazendas das Lajes. Só benefícios.
Ao vermos os nossos prados verdes de erva importada podemos pensar que estamos perante uma agricultura ambientalmente saudável. Não é verdade! A agricultura saudável, aquela que produz leite e carne de altíssima qualidade, resulta de prados agradavelmente contaminados com outras espécies para além da erva. O melhor mesmo é quando essa diversidade conta com espécies autóctones dos Açores. Aquilo que não pode acontecer de todo, e isso é ainda pior do que os prados monoverdes, é vermos prados castanhos-lama que resultam do sobre-encabeçamento. Ainda acontece nos Açores e tem de acabar. Claro que tem de acabar!
Phil Hogan, o Comissário Europeu para a Agricultura, no último Conselho Europeu para a Agricultura e Pescas lançou o repto aos Estados Membros de usarem os seus Planos Estratégicos para premiar os agricultores que contribuam para a eliminação da pegada carbónica da União. Não podia ser mais claro. A agricultura mudou. Acabaram-se os exageros de produção, os fertilizantes em excesso, os pesticidas que provocam cancros através das águas que contaminam, as gigantes alfaias agrícolas emissoras de gases com efeito de estufa e que compactam e deterioram o solo, e outros pecados do passado. Acabou-se. Caso não se tenha acabado, na realidade, ir-se-á acabar a própria humanidade. Simples, não é?

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